É oficial: a UE impõe sanções para defender um indivíduo xenófobo, terrorista e fascista, tanto ou mais «iliberal» que Orban e os chefes polacos, mais ou menos da mesma estirpe que uma Marine Le Pen.
José Goulão | AbrilAbril | opinião
União Europeia aprovou novas sanções contra a Rússia partindo do princípio de que a detenção em Moscovo de um indivíduo chamado Alexei Navalny é um atentado contra a democracia, os direitos humanos e outros valores que povoam os discursos de Bruxelas mas não correspondem à prática quotidiana. Valerá a criatura, a que até já a Amnistia Internacional retirou o estatuto de «prisioneiro de consciência», uma atitude tão drástica que poderá voltar-se contra os interesses dos cidadãos europeus? A seguir irá demonstrar-se que Navalny é um blogueiro de extrema-direita, xenófobo, nacionalista e populista de bom convívio com os fascismos, um oportunista e manobrador político mais ou menos insignificante na sociedade russa. Depois que cada um tire as suas conclusões sobre o que faz correr a União Europeia nesta cruzada contra a Rússia, cumprindo o papel que lhe foi atribuído no guião escrito em Washington.
Alexei Navalny ganhou notoriedade muito recentemente, e com toda a justiça, porque é um autêntico milagre um ser humano escapar a um «envenenamento» com o «novichok», produto absolutamente letal em ínfimas doses. A par do blogueiro, um milagre do mesmo género só acontecera antes com a filha e o pai Skripal, este um espião de duas caras, por sinal igualmente vítimas de agentes russos, como jura a sempre bem informada comunicação social do Ocidente civilizado. Ou o novichok que hoje se produz está falsificado, ou os agentes russos são uns incompetentes ou as potenciais vítimas do maligno Putin estão muito bem cotadas junto das entidades divinas.
São como um pero depois da novela do «envenenamento», também graças à perícia de um hospital militar de Berlim, Navalny deixou a Alemanha e regressou à Rússia, onde foi preso por delitos comuns que nada têm a ver com a sua actividade «política». O que acabou por ser admitido pela própria Amnistia Internacional ao retirar-lhe o título de «prisioneiro de consciência» que apressadamente lhe atribuíra numa espécie de reacção pavloviana.
É um pouco intrigante que a vigilante comunicação social dominante e global não se tenha interrogado sobre o que terá levado o dissidente blogueiro a regressar a um país onde diz que o querem matar e onde sabia que seria detido.
Espírito de mártir? Ou a obrigação de cumprir a missão traçada por quem lhe alimenta a fama, porque um dissidente destes a viver na Alemanha não serve para nada e não justifica o investimento nele feito? Responda quem souber.
Matar baratas a tiro
As sondagens mais recentes na Rússia atribuem a Alexei Navalny um índice de popularidade de dois por cento. Poderá escrever-se, sem receio de errar, que se trata de alguém muito mais conhecido no Ocidente do que na sua terra. É bem verdade que santos da casa não fazem milagres… E que a comunicação corporativa em missão de propaganda desempenha muito bem o papel.
Ora o facto de ser tão renomado no Ocidente deveria fazer supor que estamos perante alguém imbuído de intrépido espírito democrático e liberalíssimo.
O melhor, porém, é inventariar um pouco do seu percurso «político» para apurar até que ponto isso corresponde à realidade.
Em 2010, Alexei Navalny recebeu o diploma de graduado no programa World Fellows na Universidade de Yale, nos Estados Unidos. Trata-se de um seminário de 15 semanas para «futuros líderes estrangeiros», ou seja, onde se preparam, por exemplo, agentes de «revoluções coloridas» a exportar para todo o mundo onde os Estados Unidos as considerem necessárias.
Alguns colegas de Navalny nesse curso não demoraram a entrar em acção e tornaram-se intérpretes do golpe dado em 2014 por Washington e a União Europeia em Kiev, que implantou na Ucrânia um regime sustentado por organizações nazis.
Antes disso, o herói democrático que mobiliza a União Europeia começara a carreira «política» no Yabloko, organização russa que se apresentava como «liberal» e da qual acabou por ser expulso por ser excessivamente de extrema-direita.
Navalny tornara-se blogueiro e, dois anos antes da sua graduação por Yale, defendeu a guerra russa contra a intervenção da Geórgia na Ossétia do Sul em tons apaixonadamente nacionalistas. Propôs que Moscovo lançasse um míssil de cruzeiro contra o Estado Maior das Forças Armadas da Geórgia porque, garantiu, os georgianos não passam de «ratos».
Terá começado aqui a inclinação para ilustrar a sua xenofobia com fábulas de animais, método posteriormente refinado.
O seu blogue e os seus vídeos começaram a tornar-se notados como expressões do campo populista e fascista russo. Navalny foi um rosto familiar da «Marcha Russa», movimento sob a velha bandeira imperial czarista preta, amarela e branca que reclamava «deixem de alimentar o Cáucaso» e outras consignas dirigidas contra os imigrantes do Cáucaso e da Ásia Central, especialmente muçulmanos.
Em vídeos que ilustravam o seu modo de pensar, Navalny comparou os imigrantes muçulmanos a «baratas». O New York Times publicou em 2011 um perfil do blogueiro onde se lê: «apareceu como orador ao lado de nazis e skinheads e foi vedeta de um vídeo onde compara militantes do Cáucaso com pele escura a baratas. Embora as baratas possam ser esmagadas com uma pisadela ele diz que, no caso dos humanos, “recomendo a pistola”».
O perfil com estes reveladores condimentos foi divulgado pelo influente jornal apenas alguns meses depois da graduação em Yale; em 2013, Navalny apoiou no seu blogue o pogrom de Birylyovo em que uma brigada punitiva de um milhar de nacionalistas investiu contra imigrantes da Ásia Central gritando «a Rússia para os russos» e «Poder branco». Na altura escreveu contra «as hordas de imigrantes legais e ilegais que rastejam para os nossos bairros».
«Os mesmos pontos de vista»
Chegados a 2021 poderá argumentar-se que Alexei Navalny está um pouco mais velho, mais maduro e que terá moderado as suas convicções. Os mais fervorosos apaniguados, certamente para convencerem a União Europeia a chancelar o seu papel «contra a corrupção» e pela democracia, expõem-no até «como um Gandhi, um Mandela, um Martin Luther King».
Francamente, nem seria necessário chegar a estes exageros. As cabeças pensantes dos 27 têm vindo a relativizar tudo na sua bem oleada perspectiva de avaliar as coisas segundo dois pesos e duas medidas e ainda muito recentemente ficámos a saber que afinal o racismo e o anti-racismo são duas manifestações de extremismo. Pelo que a xenofobia de Navalny não seria inconveniente de maior desde que garantisse o essencial: mais sanções contra Moscovo e a defesa incansável do neoliberalismo.
Nisso, não haja dúvidas, Alexei Navalny é insuperável, pois defende que se privatize tudo, se extermine o Estado e a «mão invisível» manipule os destinos dos mortais.
O blogueiro dissidente russo graduado por Yale não acha, por isso, necessário valorizar a imagem de maior «moderação» que prosélitos tentam construir-lhe. Sabe que foi seleccionado como um dos «líderes estrangeiros do futuro» quando recomendava matar «baratas» à pistola, pelo que a sua «missão» democrática não está associada a qualquer conversão à democracia.
O jornalista britânico Bryan McDonald entrevistou Alexei Navalny em 2017 para o jornal The Guardian. E recorda que confrontou o interlocutor com as suas considerações sobre «baratas» e «ratos» aplicáveis a outros seres humanos perguntando-lhe se teria alguma coisa a corrigir. Navalny respondeu que se tratava de «expressões literárias» e que, quanto ao fundo da questão, nada tinha a modificar.
Três anos mais tarde, em finais de 2020 e já plenamente recomposto do «envenenamento», Alexei Navalny foi entrevistado em Berlim pela publicação alemã Der Spiegel. Interrogado sobre se tinha moderado algumas das posições mais polémicas expostas no seu blogue e nos vídeos respondeu que «tenho as mesmas opiniões que tinha quando entrei na política».
Portanto, é oficial: a União Europeia impõe sanções a um país, neste caso a Rússia, para defender um indivíduo xenófobo, terrorista e fascista, tanto ou mais «iliberal» que Orban e os chefes polacos, mais ou menos da mesma estirpe que uma Marine Le Pen.
O ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, comentou a situação constatando que «a União Europeia é um parceiro não confiável». Bruxelas incomodou-se como uma virgem ofendida; Lavrov limitou-se, afinal, a ser moderado.
*José Goulão, Exclusivo O Lado Oculto/AbrilAbril
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