Bernardo Pires de Lima* | Diário de Notícias | opinião
Fundado após o tsunami de 2004, o fórum que reúne EUA, Índia, Austrália e Japão reuniu-se há dias pela primeira vez ao nível de chefes de Estado e de governo. A subida de escalão político do Quad permitiu a Joe Biden sinalizar três pontos fundamentais neste "regresso da América".
Primeiro, o Indo-Pacífico é o eixo central das suas alianças estratégicas, sejam militares, comerciais, logísticas ou sanitárias. O desafio que a ambição de Pequim encerra e a consolidação da estabilidade na Europa orientam a política externa e de segurança americana nessa direção. Não foi à toa que dias depois o Reino Unido colocou o Indo-Pacífico no centro dos interesses estratégicos pós-Brexit, acompanhando a passada americana, aumentando a exigência nas capitais europeias, hiperexpectantes com o regresso apressado da América à Europa, o que nos obriga a atuar sempre que possível numa coordenação que maximize poder e influência nas grandes questões da globalização e sempre que impossível num quadro de cautela sobre os danos colaterais causados. Estas linhas relevam ainda mais a importância da Cimeira União Europeia-Índia e de uma aliança sustentada entre Lisboa e Nova Deli.
Segundo, a reunião do Quad mostrou que o crescimento do autoritarismo e dos regimes híbridos não tem de acorrentar uma resposta rápida no domínio militar. Foi isso que Biden transmitiu no encontro, centrado no potencial industrial de vacinas da Índia, na logística de distribuição australiana e na importância de uma rede de vasos comunicantes na região e fora dela capaz de contornar a preponderância chinesa na extração, aplicação e comercialização de terras raras e recursos naturais nas indústrias tecnológicas que marcarão o consumo e as economias nos próximos anos. A Austrália é, por exemplo, uma grande potência neste campeonato e merecia uma atenção redobrada da UE e da diplomacia portuguesa, não apenas no campo energético, mas igualmente económico: o seu ex-ministro das Finanças foi recentemente eleito secretário-geral da OCDE, com apoio americano (derrotando a sueca Cecilia Malmström), tendo Camberra também a liderança das associações internacionais de sindicatos e de câmaras do comércio.
Terceiro, a Casa Branca não quer baixar o tom sobre Pequim. O Quad enviou mensagens à China em ano de centenário do seu Partido Comunista e antecipou a visita dos secretários de Estado e da Defesa, Blinken e Austin, respetivamente, ao Japão, à Coreia do Sul e à Índia. Por outras palavras, Biden deu amplitude ao discurso americano na região para depois estes membros da administração afunilarem cirurgicamente discurso e ação. E Blinken não foi meigo. Alianças militares intocáveis (Nova Deli, Seul e Tóquio), soberanias marítimas invioláveis (mar da China do Sul), violação de direitos humanos denunciados (Xinjiang), autonomias protegidas (Taiwan e Hong Kong), ciberataques investigados e responsáveis sancionados.
O encontro no Alasca entre os chefes da diplomacia chinesa e americana foi suficientemente agressivo na linguagem para se confirmar a tese, aqui várias vezes defendida, de que não haveria margem para grandes ruturas com o passado recente, não só porque nunca foi esse o eixo da campanha de Biden, mas porque sendo um dos poucos temas bipartidários acabaria por ser o gancho indispensável entre Biden e as bancadas republicanas no Congresso.
Porém, esta previsibilidade estratégica, metodológica e narrativa pode fazer todo o sentido numa primeira fase do mandato, mas chegará o dia em que a sensação de cerco a Pequim terá de ser equilibrada com pontes mais construtivas, sob pena de a beligerância comercial ser só mais uma dimensão num atrito mais vasto e descontrolado. Também aqui a União Europeia e Portugal podem ser contribuintes de soluções.
* Investigador
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