terça-feira, 13 de abril de 2021

Branqueamento de Capitais e Fraude Fiscal de Mãos Dadas

Ana Paula Dourado * | Expresso | opinião

Quando há branqueamento de capitais, há fraude fiscal

“Um sujeito que cometa um crime irá, inicialmente, tentar evitar que as suas ações sejam detetadas pelas autoridades fiscais, policiais e/ou outras autoridades competentes. Se o sujeito em causa for detido, ou os produtos das suas atividades criminosas tributados, ele procurará evitar que a origem destes seja investigada e que os mesmos sejam confiscados.”

Manual de Sensibilização dos Inspectores Tributários para o Branqueamento de Capitais, OCDE 2009

O rendimento e o património (incrementos patrimoniais) obtidos a partir de atividade criminosa, por um contribuinte em Portugal, são tributados. A razão é simples: um contribuinte honesto declara o rendimento e o património, porque a lei assim o exige, e paga impostos. Um contribuinte desonesto ficaria em situação vantajosa se não fosse obrigado por lei a declarar rendimento e património obtidos ilicitamente. O crime compensaria também para efeitos fiscais.

Evidentemente, ninguém vai declarar incrementos patrimoniais obtidos através de uma atividade criminosa. Certo. Então por que são tributados, segundo diz a lei, os incrementos patrimoniais, independentemente da sua origem lícita ou ilícita? Porque se o produto da atividade criminosa for descoberto, será tributado como um aumento de património injustificado, de que são exemplo as manifestações de fortuna (entre outros, imóveis de elevado valor ou transferências elevadas para paraísos fiscais), e cuja origem não foi esclarecida pelo contribuinte.

Diz-se aumento de património injustificado porque o contribuinte não explica como obteve tal património, esconde a origem criminosa. A tributação não depende da prova do crime, o que importa é o aumento do património, a manifestação de fortuna. Pretende-se observar o princípio da igualdade (capacidade contributiva).

Os impostos regem-se por este princípio, independentemente da origem lícita ou ilícita. Os impostos não são sanções, a lógica é diversa da do Direito Penal. O rendimento e património não declarado e descoberto pelas autoridades pode, em simultâneo, dar origem a impostos e constituir crime.

O crime de fraude fiscal por omissão tem lugar quando o agente oculta factos ou valores e não observou um dever fiscal. O dever fiscal, neste caso, é a submissão a imposto do acréscimo patrimonial não justificado. A fraude fiscal não depende apenas da não observância de um dever fiscal (ocultação de rendimentos ou bens sujeitos a imposto), ela tem o propósito de não pagamento do imposto.

Um dos objetivos dos autores de fraude fiscal é esconder a origem do dinheiro sujo, convertê-lo e branqueá-lo de modo a dificultar a identificação da sua origem. A ocultação ou dissimulação da origem ou da titularidade ilícita de bens ou montantes constitui crime de branqueamento de capitais. Os bens ou montantes podem ser ocultados porque resultam de corrupção, ou porque são destinados a uma atividade terrorista internacional, por exemplo.

No branqueamento, o sujeito começa por depositar os produtos do crime, geralmente em numerário, numa conta bancária no país ou no estrangeiro. Faz circular os montantes para dissimular a sua origem criminosa, transfere e reparte o dinheiro múltiplas vezes entre contas bancárias, países, indivíduos, sociedades, levantando-o e depositando-o em contas bancárias diversas, em países com sigilo bancário, oculta os titulares dos montantes. E, numa última fase, cria uma origem aparentemente legal para os produtos do crime, ficcionando fontes de rendimento ou empréstimos, dissimulando a posse ou propriedade dos bens, e utilizando os produtos do crime em transações com terceiros.

Quando há branqueamento de capitais, há fraude fiscal.

Por isso, as melhores práticas recomendam, em caso de branqueamento de capitais, uma investigação criminal apoiada por inspetores e auditores tributários: estes, ao analisarem a contabilidade e os registos dos contribuintes, estão numa posição única para detetar, identificar e comunicar crimes fiscais, branqueamento de capitais e outros crimes financeiros.

No branqueamento de capitais, o sujeito não declara os montantes para efeitos tributários e comete dois crimes diferentes, senão, estaria a denunciar-se. Um arguido por branqueamento de capitais e fraude fiscal, e outros crimes, tem o direito ao silêncio. Porém, este direito não extingue o dever de o sujeito pagar impostos sobre o rendimento obtido ilicitamente, e não apaga o crime de fraude fiscal. De outro modo, em caso de branqueamento ou de corrupção, não haveria fraude fiscal. É o inverso: pode haver branqueamento de capitais para esconder a fraude fiscal e pode haver branqueamento de capitais e fraude fiscal para esconder crimes de corrupção ou outros.

*Professora da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

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