quarta-feira, 21 de julho de 2021

Prisão preventiva para deputado que organizou fuga de condenado por homicídio

CABO VERDE

O Tribunal da Relação do Barlavento, São Vicente, aplicou hoje prisão preventiva ao deputado e advogado Amadeu Oliveira, critico do sistema de justiça em Cabo Verde e assumido autor da fuga do arquipélago de um homem condenado por homicídio

“Confirmar que efetivamente foi aplicada ao Amadeu Oliveira a medida de coação de prisão preventiva. No ordenamento jurídico cabo-verdiano, a prisão preventiva é a medida de coação mais gravosa, ou seja, de aplicação subsidiária ou excecional”, afirmou aos jornalistas a advogada Zuleica Cruz, responsável pela defesa do deputado, ouvido nos últimos dois dias naquele tribunal, criticando o recurso a esta medida.

“Só é aplicada quando está em causa, por exemplo, perigo de fuga, de obstrução da Justiça ou do normal andamento do processo (…) No caso em concreto fica mais do que patente que não estão preenchidos os pressupostos da aplicação desta medida de coação”, contestou a advogada.

Segundo Zuleica Cruz, a defesa vai recorrer da aplicação da prisão preventiva, alegando ser “inadequada, desproporcional e que foge completamente às regras do Direito”.

O deputado tinha sido detido no domingo à chegada à ilha de São Vicente, uma semana depois de autorizada pelo parlamento cabo-verdiano autorizar, a pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR), fora de flagrante delito, imputando-lhe a prática de um crime de ofensa a pessoa coletiva e dois de atentado contra o Estado de Direito.

Amadeu Oliveira assumiu publicamente na quarta-feira, no parlamento, que planeou e concretizou a fuga do país de um condenado por homicídio, admitindo então que estava “estupefacto” por ainda não ter sido preso.

“Eu já ofereci a minha cabeça para ser preso. Até estou estupefacto porque é que ainda não fui preso. Porque confesso: Eu, Amadeu Oliveira, como defensor oficioso nomeado pelo Estado, concebi, estudei, matutei, planei e executei o plano de saída de Arlindo Teixeira”, afirmou o deputado e ativista, no parlamento.

Em 27 de junho, o arguido Arlindo Teixeira, condenado inicialmente a 11 anos de prisão por homicídio — pena depois revista para nove anos -, saiu do país a partir de São Vicente num voo da TAP com destino a Lisboa, tendo depois seguido para França.

Arlindo Teixeira é constituinte do advogado e deputado Amadeu Oliveira, num processo que este considerou ser “fraudulento”, “manipulado” e com “falsificação de provas”.

O arguido saiu do país com auxílio anunciado publicamente pelo advogado de defesa, que disse que contactou um grupo de ex-militares fuzileiros navais para resgatar Arlindo Teixeira e fazê-lo sair do país por via marítima, mas nas vésperas mudou de estratégia e o seu cliente saiu por via aérea, sem que fosse detido pela polícia, apesar de estar a aguardar recurso em prisão domiciliária.

Eleito em abril nas listas da União Caboverdiana Independente e Democrática (UCID), Amadeu Oliveira foi visado por esta atuação no arranque dos trabalhos parlamentares, na passada quarta-feira, com o Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV, oposição) a considerar o caso como “vexatório” e a pedir responsabilidades ao Governo e à Polícia Nacional, tendo em conta que o arguido em causa, emigrante em França, tinha sido colocado em prisão domiciliária, na ilha de São Vicente, de onde conseguiu fugir.

“Eu tomei essa decisão [de planear a fuga] em 18 de junho. Em menos de dez dias já estava executado”, afirmou Amadeu Oliveira, que acompanhou o arguido na fuga de Cabo Verde, insistindo nas críticas ao sistema de Justiça no arquipélago e pedindo a sua reforma.

António Monteiro, presidente da UCID, esteve presente junto ao tribunal da relação do Barlavento e ao final da tarde admitiu aos jornalistas a surpresa pela medida de coação aplicada, anunciando que a direção do partido vai reunir nos próximos dias para analisar o caso.

“É a medida mais pesada que se pode aplicar a um cidadão, neste caso um deputado, um advogado que luta pela Justiça”, afirmou António Monteiro, apontando que Amadeu Oliveira fica agora com o cargo de deputado suspenso e será substituído pelo próximo elemento da lista do partido.

Em comunicado anterior, a PGR explicou que em causa está o envolvimento do também advogado de defesa na saída do país de um arguido, condenado a nove anos de prisão, pela prática de um crime de homicídio simples, e que aguardava os demais tramites processuais sob a medida de coação de obrigação de permanência na habitação, determinada pelo Supremo Tribunal de Justiça.

Desde final de junho que este caso está a suscitar várias reações em Cabo Verde, como a do Presidente da República, Jorge Carlos Fonseca, que considerou o caso de “muita gravidade” e pediu investigação célere e sanções aos responsáveis.

O procurador-geral da República, José Luís Landim, afirmou anteriormente que este caso é um “ataque grave” à justiça e à democracia cabo-verdiana.

Por sua vez, o primeiro-ministro, Ulisses Correia e Silva, pediu que sejam apuradas responsabilidades e garantiu que os responsáveis neste caso serão “devidamente sancionados”.

O bastonário da Ordem dos Advogados de Cabo Verde, Hernâni Soares, mostrou-se “incrédulo” com a fuga de Arlindo Teixeira para França, na companhia do advogado de defesa, considerando que é “incompreensível” e pediu esclarecimentos às autoridades.

Visão | Lusa

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