segunda-feira, 19 de julho de 2021

Um olhar sobre a «Declaração de Luanda» assinada na XIII Cimeira da CPLP

M. Azancot de Menezes*

No âmbito da XIII Conferência de Chefes de Estado e de Governo da CPLP, realizada há dias em Angola, foi assinada a «Declaração de Luanda». Sem prejuízo do empenho de todos os países da CPLP, Angola e Timor-Leste, parceiros de longa data, em contexto de globalização económica e de covid-19, têm agora responsabilidades acrescidas.

O Presidente da República de Angola, João Manuel Gonçalves Lourenço, foi eleito como Presidente da Conferência de Chefes de Estado e de Governo da CPLP, para o biénio 2021-2023, e Zacarias da Costa, em representação de Timor-Leste, será o novo Secretário-Executivo.

A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), após 25 anos de alguma letargia no que diz respeito a realizações com grande impacto visível no domínio geoestratégico, económico, científico e político, na Conferência de Luanda os Chefes de Estado e de Governo decidiram assumir vários compromissos estratégicos para fazer face aos inúmeros problemas e desafios que apoquentam os países e os povos lusófonos.

Os  dignatários da CPLP estabeleceram objectivos estratégicos e projectos de âmbito muito ambicioso, criando no seio de milhões de lusófonos a enorme expectativa de que nada será como antes, na medida em que haverá muito diálogo político e cooperação para o desenvolvimento de todas as áreas:

“Os Chefes de Estado e de Governo da CPLP saudaram a escolha do lema “Construir e Fortalecer um Futuro Comum e Sustentável” para a XIII Conferência de Chefes de Estado e de Governo e comprometeram-se a promover o diálogo político, a troca de experiências e a cooperação com vista a elevar as realizações da CPLP em todas as áreas.

(Ponto 5 da «Declaração de Luanda»)

A “visão” de Marcelo Rebelo de Sousa em relação à CPLP

Em contexto de globalização económica e neoliberal, agravada pela pandemia da covid-19, aumentou a pobreza e ficaram mais visíveis as desigualdades sociais em todo o mundo, obviamente, este drama também atingiu fortemente os países mais fragilizados que integram a CPLP.

Neste aspecto, um pouco na linha de raciocínio das declarações proferidas publicamente este ano pelo Presidente da República de Portugal, defendo que o mais importante não são apenas tomadas de posição em relação ao apoio de candidaturas internacionais mas deve haver uma preocupação acrescida, mais intensa, com as pessoas que integram a CPLP, nomeadamente para a resolução de problemas concretos de âmbito social, económico ou de outra natureza.

Neste quesito é imperioso relembrar as palavras de Marcelo Rebelo de Sousa:

“O que as pessoas querem é uma Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) para as pessoas porque, se não responder aos problemas das pessoas, não existe”.

Há cerca de três meses, Marcelo, este cidadão lusófono que andou a passear a pé pelas ruas da cidade de Luanda e decidiu engraxar os sapatos na via pública, também já tinha destacado a importância da mobilidade dos cidadãos lusófonos, declarando que no âmbito da CPLP havia três questões essenciais “mobilidade, resposta sanitária e abordagem aos efeitos económicos e sociais da pandemia”.

Em relação à mobilidade de cidadãos pelo espaço lusófono, “pura e dura”, não estou tão optimista, desde logo porque terá que haver ratificação por parte de cada um dos Estados-Membros.

E para quem estiver com mais dúvidas e acusar-me de pessimismo basta analisar as palavras do Presidente da República de Angola sobre esta matéria ao afirmar, “temos ainda um caminho a percorrer, precisamos de trabalhar na definição das formas de tornar realidade a materialização faseada, mas efectiva desta vontade aqui manifestada e que reflecte a vontade dos nossos povos”.

Portanto, acreditando que haverá mais mobilidade de circulação, com menos burocracia, tudo irá depender das posições e realidades sociais, económicas e políticas de cada Estado-Membro.

Outra nota de destaque, na Cimeira de Luanda decidiu-se outorgar o «Prémio José Aparecido de Oliveira» ao Presidente da República Portuguesa, em “reconhecimento de um percurso singular, enquanto jornalista, professor e político, na defesa e promoção de diversas causas, princípios e valores da CPLP”.

A CPLP e a pandemia da covid-19

Tal como pensa Marcelo Rebelo de Sousa, na «Declaração de Luanda» há um reconhecimento de que “os efeitos da pandemia da COVID-19 constituem desafios adicionais para o cumprimento da Agenda 2030 e dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) na Comunidade” e, nos seus 52 pontos, como já referi, foram estabelecidos inúmeros objectivos estratégicos e projectos ambiciosos, desafios que irão exigir muito empenho de todos os protagonistas, em particular de Angola e de Timor-Leste.

Os Chefes de Estado da CPLP:

“Reconheceram que os efeitos da pandemia da COVID-19 constituem desafios adicionais para o cumprimento da Agenda 2030 e dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) na Comunidade .

(Ponto 6 da «Declaração de Luanda»)

E:

“Expressaram pesar e solidariedade para com as vítimas da pandemia causada pela COVID-19, bem como o seu reconhecido apreço pelo extraordinário trabalho que vem sendo desenvolvido por todos os profissionais de saúde e de serviços de emergência nos Estados-Membros da CPLP.

(Ponto 7 da «Declaração de Luanda»)

Mais projecção da CPLP no plano internacional

A CPLP, em 2019, beneficiou da Resolução nº 73ª Assembleia Geral da ONU – “Cooperação entre as Nações Unidas e a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa”. A aprovação da entrada na CPLP com a categoria de «Observador Associado» a diversos países e organizações internacionais também aconteceu nesta Cimeira. Dos países e organizações que agora têm o estatuto de «Observador Associado» incluem-se os EUA, o Reino de Espanha, o Canadá, a Índia, a Conferência Ibero-Americana, o G7+, entre outros, o que irá contribuir para dar maior visibilidade política internacional à lusofonia, para além do estreitamento e desenvolvimento de relações entre as partes envolvidas.

No que diz respeito aos esforços da CPLP para a sua projecção internacional, os Chefes de Estado e de Governo tencionam proceder à apresentação de candidaturas dos seus Estados-Membros “a cargos e funções em organizações multilaterais”, nomeadamente nas seguintes candidaturas:

“De Portugal, ao Comité Intergovernamental para a Salvaguarda do Património Cultural Imaterial, mandato 2022-2026;

De Timor-Leste e do Brasil, ao Conselho de Direitos Humanos, mandato 2024-2026, na eleição a realizar-se em outubro de 2023;

Do Brasil e de Moçambique a membros do Conselho Executivo da Organização Mundial do Turismo para o quadriénio 2021-2025, na eleição prevista para outubro de 2021;

Da Professora Patrícia Galvão Teles, de Portugal, e do Professor George Rodrigo Bandeira Galindo, do Brasil, à Comissão de Direito Internacional das Nações Unidas, para o mandato 2023-27”.

(Ponto 23 da «Declaração de Luanda»)

Para além de terem recordado “o endosso da CPLP às candidaturas de Moçambique (biénio 2023-2024) e de Portugal (biénio 2027-2028) a membros não permanentes no Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU), nas eleições previstas para junho de 2022 e 2026, respetivamente, e reiteraram a sua disponibilidade para trabalhar na sua promoção”.

(Ponto 24 da «Declaração de Luanda»)

Defesa da cultura e de políticas para democratizar o acesso ao ensino virtual

No campo da promoção e defesa da identidade cultural dos povos que integram a CPLP, os Chefes de Estado e de Governo também se pronunciaram no sentido de apoiarem a candidatura apresentada por Timor-Leste à UNESCO para a obtenção do «Tais» como Património Cultural Imaterial da Humanidade.

tecelagem timorense é vendida nos mercados tradicionais espalhados pelo país. Os panos (Tais) são tão valorizados e originais nas cores e motivos que foram utilizados para decorar as paredes do interior do Parlamento Nacional e estão presentes nos passaportes.

A indústria caseira de panos em teares tradicionais (gonguidi), manipulada por mulheres, pode levar duas semanas de trabalho.

Em contexto de covid-19, para além da constatação de que contribuiu de forma drástica para aumentar a desigualdade social, no âmbito do ensino, apelou-se à utilização do ensino híbrido, presencial e à distância, uma decisão importante, principalmente para os Estados-Membros que ainda pouco trabalharam estes sectores.

Mas, na verdade, após terem constatado sobre a necessidade da digitalização da educação, o que mais me surpreendeu pela positiva foi a CPLP ter defendido a importância da “necessidade de construção de políticas públicas que visem a criação das infraestruturas necessárias para democratizar o acesso a novas tecnologias, promovendo a formação e o ensino adequados para seu uso”.

Reforço da economia e criação de um Banco de investimento da CPLP

Um outro sector abordado no âmbito da Cimeira foi a importância de revitalizar a economia.

Os dignatários sublinharam:

“o compromisso com a recuperação económica pós-pandemia, a fim de preservar e criar empregos dignos, rendimento e capacidade produtiva e, nesse sentido, reconheceram a importância de incrementar a ação multilateral em matéria de capacitação, partilha de experiências, iniciativas em rede e desenvolvimento de parcerias no âmbito da promoção do comércio e do investimento”.

(Ponto 9 da «Declaração de Luanda»)

E reiteraram:

“a importância da progressiva integração da cooperação económica nos objetivos gerais da CPLP, bem como da consolidação de uma agenda multilateral da Comunidade para este setor, com vista a contribuir para o desenvolvimento económico e social dos Estados-Membros”.

(Ponto 10 da «Declaração de Luanda»)

Ainda na área económica, no último dia da Cimeira, alegando o potencial económico dos países lusófonos, o Presidente da República de Angola, claramente entusiasmado com a ideia, defendeu que seria importante a criação de um Banco de Investimentos da CPLP.

“.. os países da CPLP têm “um enorme potencial económico industrial, agropecuário, pesqueiro e turístico em muitos casos ainda por explorar” e que deve merecer mais atenção para transformar o potencial em riqueza real”.

“Podemos ser uma força económica relevante se trabalharmos para isso”, exortou o chefe do executivo angolano, deixando o desafio “de se começar a pensar na pertinência e viabilidade de criação de um banco de investimentos da CPLP”.

(João Lourenço, Presidente da República de Angola)

África deve estar representada no Conselho de Segurança das Nações Unidas

Durante a Cimeira, para além de terem saudado a nova eleição de António Guterres para o cargo de Secretário-Geral das Nações Unidas, obviamente importante para o reforço da língua portuguesa e protagonismo da lusofonia, e terem apoiado a reeleição do Brasil para o seu 11º mandato como membro não permanente do Conselho de Segurança (2022-2023),  relembraram a necessidade de haver uma reforma na ONU, com especial atenção para o Conselho de Segurança, defendendo que o Brasil deveria ocupar assento como membro permanente neste órgão altamente estratégico.

“Reiteraram a necessidade de se avançar na reforma das Nações Unidas, em particular do CSNU, com vista a reforçar a sua representatividade, legitimidade e eficácia, por meio da incorporação de novos membros permanentes e não permanentes e da melhoria dos respetivos métodos de trabalho”.

(Ponto 27 da «Declaração de Luanda»)

E também:

“Reafirmaram o seu apoio à aspiração do Brasil de ocupar um assento permanente no CSNU ampliado, recordando os termos do Comunicado Final da II Reunião Ordinária do Conselho de Ministros (Salvador, 1997) e das Declarações de Chefes de Estado e de Governo aprovadas em São Tomé (2004), Bissau (2006), Lisboa (2008), Luanda (2010), Maputo (2012), Díli (2014), Brasília (2016) e Santa Maria (2018)”.

(Ponto 28 da «Declaração de Luanda»)

Preocupação com as alterações climáticas e combate ao trabalho infantil

Na «Declaração de Luanda», sem precedentes, altamente audaciosa e abrangente, os Chefes de Estado e de Governo mencionaram outras preocupações, estabelecendo objectivos no campo da educação ambiental.

“Apelaram a uma ação concertada e mobilizadora para a afirmação de políticas climáticas e ambientais ambiciosas a nível global, baseadas em evidências científicas que contribuam para uma transição climática justa e inclusiva, para o aporte adicional de recursos para países em desenvolvimento, em conformidade com o princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas, bem como para o reforço do multilateralismo e da cooperação internacional, e sublinharam a importância de acelerar e tornar mais efetiva a cooperação entre os Estados-Membros em ações de adaptação, mitigação e reforço dos meios de implementação no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (CQNUAC/UNFCCC).

E sublinharam:

“o relevante nexo clima-oceanos, particularmente o papel dos oceanos enquanto mitigador das alterações climáticas, e tendo em vista a implementação do ODS 14, encorajaram a participação dos Estados-Membros, ao mais alto nível, na Conferência dos Oceanos das Nações Unidas, prevista para ocorrer em Lisboa, em junho de 2022, numa organização conjunta de Portugal e do Quénia, em coordenação com as Nações Unidas”.

(Ponto 33 da «Declaração de Luanda»)

Em relação ao trabalho infantil, apesar de todos sabermos que a realidade é muito preocupante, talvez à excepção de Portugal, na maior parte dos países da CPLP existe a praga do trabalho infantil e outros dramas relacionados com a violação dos direitos fundamentais das crianças e jovens, os Chefes de Estado e de Governo, obviamente com as melhores intenções de repúdio a esta prática muito comum nos países africanos, também manifestaram intenções contrárias, na medida em que:

“Assinalaram a importância da estreita colaboração entre a CPLP e a Organização Internacional do Trabalho (OIT), quer ao nível da realização de campanhas de consciencialização sobre o trabalho infantil, quer ao nível da preparação da participação da CPLP na V Conferência Global sobre Trabalho Infantil, prevista para ocorrer na África do Sul, em 2022, e do Ano Internacional contra o Trabalho Infantil (2021), e saudaram a aprovação, em março do corrente ano, do Plano de Ação da CPLP para o Combate ao Trabalho Infantil 2021-2025”.

(Ponto 35 da «Declaração de Luanda»)

Ação Cultural, Promoção e Difusão da Língua Portuguesa

A «Declaração de Luanda» não esqueceu a importância altamente estratégica relacionada com a consolidação e desenvolvimento da  Língua Portuguesa em todo o mundo.

Sendo certo que é um dos principais problemas de Timor-Leste e irá provocar fortes dores de cabeça  ao novo Secretário-Executivo devido à constante ofensiva da Austrália que tem cumplicidade interna para a expansão da língua inglesa, sem esquecer a óbvia influência do bahasa indonésia, dizia eu, os Chefes de Estado e de Governo também se pronunciaram e teceram felicitações por diversas razões.

“Congratularam-se pela consagração do dia 5 de maio – data estabelecida desde 2009 como “Dia da Língua Portuguesa e da Cultura na CPLP” – como o “Dia Mundial da Língua Portuguesa”, em 2019, pela 40.ª sessão da Conferência Geral da UNESCO, o que constitui uma importante oportunidade para, anualmente, sensibilizar a comunidade internacional sobre a sua história, as culturas e os povos que a falam, bem como sobre o seu valor e potencial atuais.

“Acolheram a possibilidade de uma proposta para que Língua Portuguesa seja adotada como língua oficial da Organização das Nações Unidas (ONU)”;

“Reafirmaram o caráter pluricêntrico da Língua Portuguesa e reiteraram a sua importância como veículo multicultural e multiétnico na promoção da paz e do diálogo em todos os continentes, reconhecendo o contributo multidimensional que poderá dar ao mundo”.

(Ponto 41 da «Declaração de Luanda»)

A «Declaração de Luanda» estabeleceu objectivos estratégicos de significativa importância mas de difícil exequibilidade. Contudo, para o seu cabal cumprimento, ainda que de forma faseada, e relembrando as palavras que um alto dirigente angolano me dirigiu a propósito da Cimeira de Luanda, “o empenho, a determinação, a acção concreta e a ambiência prevalecente serão também absolutamente indispensáveis.

Daí a importância de “passos concretos”.

M. Azancot de Menezes – Publicado em Jornal Tornado

*PhD em Educação / Universidade de Lisboa

*Também colaborador de presença assídua  em Página Global

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