Seis anos de governo do PS com o apoio de BE e PCP não trouxeram qualquer alteração significativa na realidade da habitação - nem houve propostas, ainda que derrotadas, que permitissem fazer verdadeiramente diferença.
Fernanda Câncio | Diário de Notícias | opinião
Esta segunda-feira foi partilhado no Twitter um mapa da Europa com o custo médio do arrendamento de um T1 no centro da capital em percentagem do salário médio líquido. Neste cálculo, do site Numbeo, que se apresenta como a maior base de dados mundial relativa a custo de vida, Portugal surge como o quarto país europeu com a percentagem mais alta - 84% -, depois da Ucrânia (93%), Rússia (88%) e Bielorrússia (86%).
Não faço ideia se os dados do
Numbeo estão corretos - estranho que a Londres, Berlim e Paris, por exemplo,
correspondam valores muito mais baixos - mas, de acordo com o INE, o custo mediano por metro quadrado nos
novos contratos de arrendamento de alojamentos familiares celebrados no segundo
trimestre do ano em Lisboa (não apenas no centro da cidade, portanto, e não só
para T1) foi de 11 euros. O que, fazendo as contas, significa que um
apartamento médio, de
Mesmo partindo do princípio de que este valor está inflacionado por contratos atípicos, de arrendamentos de curta duração, é muito elevado - e isso não sucede apenas para Lisboa. Outras localidades surgem com preços bastante puxados.
Ao fim de seis anos de um governo baseado na esquerda, esta realidade não pode deixar de ser vista como um falhanço. Claramente, não houve capacidade de intervir no mercado de forma a criar soluções para aquele que é um dos principais problemas do país, durante décadas ignorado por todos os governos e até por todos os partidos, que achavam que chegava, como política, criar habitação social para as pessoas que viviam em bairros de lata, entregando o grosso dos portugueses ao crédito (ou seja, aos bancos) e aos preços do mercado livre.
Não é depois de tanto tempo perdido que se pode apresentar como solução a construção pública para arrendamento acessível, ignorando que vai levar anos para ser efetivada e portanto a influir nos preços. Apresentá-la como única panaceia é condenar milhares de pessoas ao desespero de procurar uma casa que possam razoavelmente pagar, com tudo o que isso implica - do adiamento de projetos de parentalidade, por ausência de rendimento disponível, ao reforço dos movimentos pendulares casa-trabalho que contribuem para o efeito de estufa e para perdas de produtividade.
Espanta-me pois notar que mesmo no discurso do BE e da CDU e nos seus programas para as últimas legislativas (ou seja, aqueles que deveriam valer até 2023) há tão pouco para além disso que é também a proposta do PS. É verdade que o BE fala de "limitações aos aumentos de renda", mas sem concretizar o que quer dizer com isso - e durante estes dois anos nada propôs nesse sentido. E não era complicado: bastava copiar por exemplo a Alemanha, país em que existe o crime de "renda usurária" e no qual se impõe uma percentagem máxima de aumento quando um contrato acaba - significando que quer mude de locatário quer mantenha o mesmo, o máximo de aumento não varia.
Estranhamente, num país que tem uma parte - não se sabe quanta - de rendas congeladas vai fazer uma década (refiro-me aos contratos anteriores a 1990, que foram descongelados pelo PS em 2006, recongelados por PSD/PP em 2012 por um prazo de cinco anos que por sua vez o PS, BE e PCP alargaram para 10), a ideia de intervir nas outras nunca parece ter sido realmente ponderada. Quando em 2018 coloquei essa hipótese numa entrevista à então secretária de Estado da Habitação esta recusou-a liminarmente, por ser "uma intervenção no mercado" - "Controlo ou regulação de rendas por via legislativa não". O que raio será congelar rendas, então?
Mas mesmo que uma proposta como esta avançasse, intervir no mercado do arrendamento não chega para controlar preços: é preciso mexer também no de compra e venda.
Até porque se chegou a haver
algum defeso no imobiliário graças à pandemia, parece ter terminado - o chamado
"investimento estrangeiro" está aí de novo
Um dos motivos pode ser, paradoxalmente, o anunciado fim dos vistos gold em Lisboa, Porto e Algarve, marcado para janeiro, e que estará, segundo os agentes imobiliários, a suscitar uma corrida às compras nessas zonas. Um fenómeno semelhante ao que ocorreu quando foi anunciado que as licenças de airbnb em certas zonas da cidade iam acabar.
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