Miguel Guedes* | Jornal
de Notícias | opinião
Dez séculos de Idade Média não
foram suficientes. Entre o século V e XV, a humanidade evoluiu a tempo próprio,
entre lentas conquistas e uma sucessão de atrasos.
Inacção que permitiu que
renascentistas se declarassem homens novos, saltadores de fasquia de 1000 anos
de História europeia em fato-preguiça, hoje relembrada por contos de fadas,
lendas, castelos e saudosos das Cruzadas. Mas nem dez séculos profundamente dominados
pelo pensamento da Igreja Católica foram suficientes para que, esta mesma
Igreja, abandonasse ou refreasse concepções que vão além do que, habitualmente,
se considera estar num patamar tradicional ou conservador. Redenção,
cruzes-credo.
A Igreja Católica precisa de
acompanhamento espiritual. Algumas vezes, mesmo quando está em causa o respeito
pela humanidade, a Igreja Católica falha a aparecer do lado certo do combate.
Pode clamar-se pela superioridade moral do Cristianismo face a outras religiões,
no que diz respeito aos direitos humanos. Mas, dentro do Cristianismo, o
catolicismo tem aproveitado os últimos anos muito mais para desbaratar o
fermento das suas ovelhas do que para olhar para o Mundo com a coragem de o
perceber e interpretar para a acção. Não escrevo sob a multiplicidade dos
escândalos que a abalam, nem sobre os casos abafados de pedofilia. Escrevo
sobre o modelo comparado que o Protestantismo já deu, por exemplo, no respeito
pelo papel social da mulher que a Igreja Católica se recusa a admitir, apesar
da boa vontade do Papa Francisco, um homem que parece, infelizmente, ser um
Papa sem uma Igreja.
A propósito da leitura da
Epístola de São Paulo aos Efésios na "Eucaristia Dominical" da RTP de
domingo passado, o "timing" para que milhares de fiéis ou incautos
ouvissem a boa palavra do Evangelho foi notável: que "as mulheres sejam
submissas a seus maridos, pois o marido é o chefe da mulher" ou
"assim como a Igreja é submissa a Cristo, assim também o sejam em tudo as
mulheres a seus maridos", ainda ecoam. Palavras que, acredito, o Papa
Francisco não teria vontade de ler ou de proferir. Não está em causa o texto,
obviamente datado e pertencente a um pedaço de história da Igreja que não se
pretende ver reescrita. O problema é que a exegese ou hermenêutica que poderia
contextualizar as palavras apenas serviram para a Igreja Católica portuguesa
reforçar, tristemente, o quão distante está da consideração do papel social da
mulher e quão próxima se encontra da visão sobre a mulher de um qualquer Neto
de Moura, juiz. Não é surpreendente, com infelicidade. Basta atentar na sua
estrutura e hierarquia, apesar de todas as críticas e oportunidades de uma
subtil evolução que sempre foi recusada, para perceber que, na Igreja Católica,
as mulheres estão subordinadas, integradas, coordenadas, sendo obedientes mas
ao serviço.
*Músico e jurista
O autor escreve segundo a antiga
ortografia