O Passarínfimo de Asa Curta com Ares de Gigante
Nas colinas do Bailundo havia um passarinho tão pequenino, com asas tão curtas que as outras aves puseram-lhe o nome de Passarínfimo. O seu piar era tão débil que se soprava uma brisa leve, ninguém o ouvia. Voava devagarinho, quase a pairar. As suas penas eram cinzentas mas ele dizia aos amigos que no mundo não havia nada tão colorido. Era mais vaidoso do que a vaidade. Quando podia, enchia o peito de ar e dizia: Eu sou um gigante dos ares!
Um dia o Passarínfimo encontrou o elegante Gafanhoto, verdinho, de longas pernas. Olhou para ele com desprezo, encheu o peito e chilreou debilmente:
- Queres lutar comigo Gafanhoto?
O Gafanhoto estava de barriga cheia, tinha comido muitas folhinhas novas de milho e só lhe apetecia ficar ao sol, gozando o dia. Olhou para o Passarínfimo e disse:
- Não luto contigo porque não quero vencer-te. Tu és tão pequenino que me fica mal vencer tão pequenina criatura.
O Passarínfimo ficou zangadíssimo. Eriçou as penas, abanou as asinhas curtas e voltou a piar baixinho:
- Eu sou um gigante, venço-te num instante! Se não lutas comigo, és o mais medroso dos animais.
O Gafanhoto riu-se do passarinho mas quis dar-lhe uma lição que tinha aprendido com a sua verdíssima mãe:
- Não queiras ser gigante porque não tens asas para isso. Devias ser como o Sumbilili, um pássaro tão generoso que arranca as penas para acalentar os filhos que saem do ovo.
O passarinho vaidoso aproximou-se do Gafanhoto com ar agressivo e pegou-lhe na grande pata traseira.
- Luta comigo, não sejas cobarde! – Piava o Passarínfimo.
O Gafanhoto deu-lhe um coice que fez desmaiar o Passarínfimo. Ao vê-lo como morto, ficou tão assustado que avisou todos os habitantes da floresta:
- Kaningili tjiwa yuwambuka!
Vieram bandos de passarinhos que abanaram o Passarínfimo e ele acordou. Olhou para os seus salvadores e disse que tinha acabado de derrotar o Gafanhoto. Ninguém o desenganou e cada um foi para o seu ninho.
O Passarínfimo voou então em direcção às terras do Bié. Numa grande lagoa encontrou o Elefante, tomando banho. Poisou no seu dorso e perguntou:
- Queres lutar comigo Elefante? Eu sou um gigante invencível.
- Considero o teu desafio um insulto. Sai das minhas costas e desaparece!
O Passarínfimo levantou voo e ficou a pairar mesmo à frente dos olhos do Elefante, em ar desafio. O verdadeiro gigante levantou a tromba e deu um urro tão forte que o passarinho subiu aos ares vertiginosamente, passando muito além das nuvens. Para voltar ao ninho voou dias e noites sem parar.
Ele não conhecia um velho ditado do Bailundo: kavili kakatuka ndjamba kakolela k’apanga. Se a Doninha insulta o Elefante é porque confia nas tocas para se esconder!
CONTOS POPULARES ANGOLANOS
Mupika Mpalo e o Lenço Mágico
Um homem tinha tanto dinheiro como areia existe nos caminhos do Cuito Cuanavale. As suas manadas de bois cresceram tanto que resolveu comprar um escravo para pastorear o gado. Mas como aquelas paragens estavam infestadas de leões, deu-lhe uma arma e avisou que se faltasse um só boi as balas iam servir para lhe tirar a vida. Mukipa Mpalo nasceu tão pobre e infeliz que aquele contrato foi visto como a salvação eterna. E desde então percorria as chanas com o gado do seu senhor, à procura de pastos verdejantes e água fresca.
Mukipa Mpalo passava meses no mato pastoreando o gado. Quando regressava já havia mais crias e o patrão ficava ainda mais rico. Num ano de grande seca ele ficou mais tempo longe de casa. Levou a manada para perto de um rio e lá ficou. Havia pouca comida, mas a água estava garantida.
Um dia o pastor foi beber água ao rio e encontrou lá um leão e um jacaré.
- Carrega a tua arma e mata o jacaré porque ele mata-te se entrares no rio! – Disse o leão.
Mukipa Mpalo só queria matar a sede, não os animais que encontrou no rio.
O jacaré abriu a sua grande bocarra e disse:
- Carrega a tua espingarda e dispara porque o leão gosta de comer pessoas!
O pastor não carregou a arma. Ele apenas queria matar a sede. E enquanto jacaré e leão discutiam ele conseguiu beber.
Uns dias mais tarde, Mukipa Mpalo estava a morrer de sede e voltou ao rio. O leão lá estava, discutindo com o jacaré.
- Hoje não tocas na água! – Rugiu o leão com tanta força que aterrorizou os animais que estavam por perto.
Mukipa Mpalo carregou a espingarda, apontou e disparou. O terrível leão caiu fulminado.
- Agora podes beber água, descansado! – Exclamou o jacaré.
O pastor, confiante, começou a matar a sede. Nesse momento o jacaré abocanhou-o e levou-o para sua casa, no fundo do rio.
Quando entraram, a mulher do jacaré perguntou-lhe como queria aquele homem cozinhado. Mas ele disse que Mukipa Mpalo era um amigo, não podia ser comido.
- Vai à mala e tira o lenço mágico! – Ordenou o jacaré à mulher. E ela obedeceu.
- Ofereço-te este lenço mágico, aqui está a tua vida. Sempre que estejas aflito pede-lhe o que quiseres e assim se fará.
Mukipa Mpalo aceitou a oferta, saiu de casa do jacaré nas profundezas do rio e quando chegou ao local onde tinha deixado o gado, viu que todas as cabeças tinham desaparecido. Passaram-se meses e o homem rico reuniu todos os criados, mais uma matilha de cães, partindo à procura do pastor. Quando o pastor avistou o seu senhor disse ao lenço mágico:
- Protege-me do meu patrão, dos criados e dos cães!
De repente surgiram na chana dez leões que comeram os inimigos do pastor. Quando o patrão foi comido, o escravo tornou-se um homem livre. E pediu ao lenço mágico uma montada para viajar pelo mundo. Naquele instante apareceu um belo cavalinho. Depois pediu comida. O lenço mágico deu-lhe imediatamente lavras repletas de frutos prontos a colher e uma bela casa.
Mukipa Mpalo disse ao lenço mágico que se sentiu muito só no meio de tanta abundância. E imediatamente apareceu em casa uma bela mulher. O casal tornou-se rico e poderoso. Eram tantas as riquezas que despertaram a cobiça do soba. Armou o exército e foi ver se existia mesmo alguém tão rico como ele. Quando chegou à aldeia de Mukipa Mpalo, o soberano nem queria acreditar nas imensas riquezas que estava a ver.
- Donde te vem tanta riqueza? – Perguntou o soba.
- Deste lenço, Pai Grande!
O soba confiscou imediatamente o lenço mágico e mandou prender o casal.
Mukipa Mpalo foi levado pelos guardas e encerrado na prisão. Alguns dias depois foi condenado à morte. Na noite anterior à execução entrou na cela um ratinho e disse:
- Venho da parte do jacaré para te salvar. O que queres que faça?
- Vai descobrir o lenço mágico que o soba me confiscou!
O ratinho foi ao quarto do rei, roeu a mala onde estava guardado o lenço e depois levou-o ao prisioneiro.
Mukipa Mpalo ordenou ao lenço mágico:
- Abram-se as portas desta cadeia! E as portas abriram-se de par em par.
- Sopre uma ventania tão forte que leve para os confins do mundo o soba e seus exércitos!
Naquele momento o vento uivou tão forte que tudo desapareceu.
Mukipa Mpalo foi levado pela ventania para a sua aldeia onde voltou a ser livre e feliz.
*Conto adaptado do livro “O Mundo Cultural dos Ganguelas.
NOTA IMPORTANTE: Esta peça da literatura oral do Sudeste de Angola é relativamente recente. Porque já inclui um escravo e uma arma de fogo. É contemporânea da ocupação portuguesa do Sul, Sudeste e Sudoeste de Angola. Também da ocupação alemã na Namíbia. O padre Carlos Estermann, ignorado mas muito copiado por alguns vindouros, à socapa e sem citarem a fonte, no seu livro Etnografia do Sudoeste de Angola, segundo volume, dedicado ao grupo étnico Nhaneca-Humbe, inclui na literatura oral um conto que também faz referência a uma arma de fogo e a um homem branco!
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