Artur Queiroz*, Luanda
Eurico Manuel Correia Gonçalves, Kiko ou China. Comandante Eurico. Assassinado pelos golpistas no dia 27 de Maio de 1977. Era o vice-chefe do Estado-Maior General das FAPLA para o Pessoal. Angola estava em plena guerra contra os invasores estrangeiros a Norte (Mobutu) e Sul (regime racista de Pretória).
Ainda estudante do Liceu Salvador Correia e no seio da Tertúlia da Maianga, começou a escrever os primeiros poemas com o pseudónimo Emanuel Corgo. E de Eurico, Manuel. Cor de Correia e Go de Gonçalves. Quando foi mobilizado para o Funchal, como aspirante do Exército Português, trocámos correspondência. Em algumas cartas, vinham poemas. Quando foi mobilizado para a guerra colonial como oficial miliciano, ele desertou e juntou-se à guerrilha, depois de fazer um curso de comando na Coreia do Norte.
No maquis da II Região (Cabinda) produziu grande parte da sua obra poética. Nesta peça, que se segue, o poeta regista a chegada da calmaria “sobre as cinzas de um amor/que se esfumou”. Não foi o amor mas a vida toda que esfumou com a sanha assassina dos golpistas de 27 de Maio de 1977.
MUTAÇÕES
Maria amou João
João amou Maria
veio o sol veio o vento
e veio a chuva
seca
calema
e calmaria
sobre as cinzas de um amor
que se esfumou.
Emanuel Corgo (Comandante Eurico)
Avelino Mingas era um dos maiores atletas angolanos de todos os tempos. Foi estudar para Portugal e lá continuou a bater recordes no Atletismo. Um dia partiu para o exílio e aderiu à luta armada de libertação nacional. Nasceu o poeta Gasmin Rodrigues e o guerrilheiro Saidy Mingas. Na peça que vos apresento reclama: “Não me ensinem a estar calado/que não quero retratar-me sombrio/na gargalhada silenciosa dos amantes”.
Oiçam a voz daquele que foi sequestrado pelos fraccionistas no Eixo Viário e levado para o Sambizanga, onde os golpistas o torturaram e mataram, faz hoje 45 anos:
DIMENSÃO
Fui eu feito eu procurando-me
na encruzilhada desconhecida dos valores;
e foi o caso da minha certeza que afagando-me
encontrou-se atrás de um sofisma e um “porquê?”
por responder.
Cruzei-me no movimento inacabado do abandono
esbocei o sorriso surdo dum silêncio
entregando-me à história recordação dos factos.
Tentaram ensinar-me a ser bom escravo
Saber oferendar a carícia numa mágoa escondida
tentar um “quê?” tropeçado no vazio mutilado
dos que se perdem esquecidos no tempo.
Quem disse que devo descrever
a curva interrogativa da história?
Não me ensinem a estar calado
que não quero retratar-me sombrio
na gargalhada silenciosa dos amantes.
A razão violentada dos espaços
sensibilizou-me perdido aquém de mim
buscando, buscando-me, encontrando-me
feito verdade e uma vontade férrea.
Deixei-me amar a latitude humana
dos corpos paridos vivos para a eternidade
no estertor liberdade do esclavagismo.
Não quero, não mendigo valores meus roubados
Nem reclamarei mais do que me devem.
E hão-de aprender a situar-me
na história, na história da humanidade que escrevi
deixando-me o podium dos valores negados
que minhas mãos esculpirão feitas amor.
E ninguém! Mas ninguém.
Ninguém há-de ensinar-me
as dimensões da nossa grandeza em tempo
nem delimitar os espaços certeza
do nosso estar na história.
Um a um, todos, juntos
alongados na curva sinuosa do tempo
dedilharemos as notas da segurança
sobre a pauta ensanguentada dos direitos resgatados.
Estocolmo, Maio de 1973 Gasmin Rodrigues (Saidy Mingas, nascido Avelino Mingas)
Em 1977, um jovem da brigada de literatura estava em Havana e lá compôs este poema que vos deixo. É filho do meu mestre, o jornalista Acácio Barradas, ele também um grande poeta. Filhos dos meus amigos, meus filhos são e meus amigos serão para sempre. Este meu amigo está preso. Chama-se Carlos São Vicente. Calma, calma, “enfraquece a abelha do fel” mas ainda fazemos trovas à liberdade. Apreciem a sua arte poética, de 1977, há 45 anos.
TO YOUR HEALTH
África
das praias
montanhas escarpadas
plantações de cana
sacarina
e espaços áridos das gazelas
terra aquecida
e iluminada
um sol alegre e ameno
qual she
ser
som
ouro diamante duro
povo puro
e vertical
neste límpido
E verdazul céu
são
sun
sly
as chamas sobem sem fumo
joanes do burgo
salis burra
ardem na mesma certeza
para o amanhecer
o homem de verdade
leva sol
sal
sul
nos olhos no coração na mochila
no Cabo Orange Transval
Natal
não sub
sad
sós
soalheiro e temperado
chuva com aguaceiros
vila flor viva
deixa o delicioso desmazelo deixa
vai florejar vai
com sap
sim
sus!
seu crescente perfume + mel + luz
enfraquece a abelha do fel
São Vicente Havana, 1977
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