Artur Queiroz*, Luanda
Os familiares dos assassinos do 27 de Maio de 1977 já correram o cardápio todo desde que lhes começou a cheirar às eleições. Eles farejam o dinheiro a quilómetros de distância e estão sempre prontos a facturar e cobrar os 30 dinheiros da traição. Já li de tudo. Os que reduziram o golpe de estado a uma inofensiva manifestação de massas, protestando contra a demissão de Nito Alves e Zé Van-Dúnem. Outros dizem que os comandantes do Estado-Maior General das FAPLA foram mortos numa conspiração do Estado.
Na contenção do golpe e nos dias seguintes morreu um milhão de pessoas. Não, 500 mil. Nada disso, 100 mil. Bem, foram 30 mil. E até agora nem 500 certidões de óbito foram emitidas. Mas o ministro da Justiça esconde esses números para chamar heróis aos assassinos. E pôs os seus familiares a perdoarem-lhes o supremo crime de se deixarem matar.
A quadrilha manifestou-se hoje no Club K na escrita (?) de Paulo Inglês. Este junta todas as aldrabices num só texto e solta todas as provocações num lençol de dez parágrafos. Uma caldeirada intragável. Diz que o 27 de Maio não foi um azar mas “uma acção deliberada a nível da estrutura superior do partido”. Para esta alimária, o golpe foi desencadeado pelo Bureau Político do MPLA. Este é discípulo do Adalberto da Costa Júnior e garante que o golpe foi “produzido e induzido pelas rádios e o sinistro Jornal de Angola”.
Na época só existia a Rádio Nacional de Angola. Mas além do Jornal de Angola também existia o Diário de Luanda. Este nem merece uma referência do Paulo Inglês. Porque a camarilha de Nito Alves, em Junho de 1976, demitiu a direcção do jornal, acusando os demitidos de “sabotadores do processo produtivo”. Crime que dava fuzilamento ou, no mínimo, internamento no Bentiaba (campo de concentração de São Nicolau). Por acaso, foi Lúcio Lara, Pedro Maria Tonha (Pedalé), David Moisés (Ndozi) e Eurico Gonçalves que os salvaram.
O Diário de Luanda, desde então passou a ser dirigido por Vergílio Frutuoso, nitista, e tornou-se uma filial da agência noticiosa Novosti. Sendo o órgão oficial dos golpistas, acabou no da 28 de Maio de 1977. O director foi preso e expulso de Angola já que era cidadão português, recrutado por Sita Vales. Merece todo o respeito porque desde então nunca mais abriu a boca. Ele sabe o que fez e o que fizeram os golpistas. Não atira com achas para a fogueira das aldrabices e dos ataques a quem enfrentou e derrotou os participantes no golpe.
Este Paulo Inglês anda a injectar na veia coisas que fazem viajar e delirar ou a fumar muito boi. Diz ele que nenhum partido no mundo matou tantos membros, tantos militares seus. E escreve: “Curiosamente, a FNLA e a UNITA os arqui-inimigos do MPLA não mataram tanto e em tão pouco tempo militantes e militares como ele fez com os seus. Não era um nós contra eles, era um entre nós”! A geração que nasceu no final dos anos 40 e durante os anos 50 “era a geração mais urbanizada, formada, cosmopolita, idealista dos últimos 170 anos da colonização. Era a mais politizada, e bem informada; universitários, funcionários públicos, jovens militares, jornalistas, artistas, futebolistas que foi toda enviada para a morte sem dó nem piedade”
Mais esta: “ Era a nata e o luxo de que uma nação se pode orgulhar (…) Mas estes filhos foram enviados para a morte pelo pós-independência! De forma mais cruel e indigna!” E o escriba lembra o julgamento dos mercenários. Não é o único. Outros usam o mesmo argumento desastrado. Pelos vistos, os apoiantes dos golpistas acham que eles deviam ser tratados como mercenários! Falta de respeito.
Os golpistas decapitaram o Estado-Maior General das FAPLA. Mataram o ministro das Finanças. Mataram altos funcionários do Estado. Tudo isto num país em guerra e que acedeu à independência apenas um ano e meio antes, num clima de guerra generalizada. Tomaram de assalto a Rádio Nacional (única no país), a IX Brigada, a sede da Direcção de Informação e Segurança de Angola (DISA), montaram postos de controlo nas ruas da cidade de Luanda onde prenderam, torturaram e mataram quem não lhes obedeceu. Os golpistas prenderam altos dirigentes do MPLA e do Estado nas suas casas. Outros conseguiram fugir. Andaram com tanques de guerra nas ruas atrás das suas vítimas. Prenderam, torturaram e mataram.
A diferença entre eles e os mercenários é simples de perceber. Só um miserável mental com o intestino grosso ligado ao cérebro não percebe. Os golpistas eram angolanos! Os portugueses que entraram no golpe foram expulsos. Os soviéticos e polacos que aderiram ao golpe, fugiram na madrugada de 27 de Maio ou foram expulsos depois. Golpistas, mas angolanos. Pagaram pelos seus crimes, como angolanos. A Justiça Popular funcionou. Os Tribunais Populares Revolucionários funcionaram. Os Tribunais Marciais funcionaram. Se os golpistas tivessem triunfado, também recorriam à Justiça Revolucionária. E à pena de morte, que na época existia. Era aplicada a quem cometesse crimes tão graves como aqueles que eles cometeram. Paulo Inglês não sabe mas eu digo-lhe: Foi um Tribunal Marcial que condenou e mandou executar o Comandante Miro, na I Região Político-Militar do MPLA.
Uma das causas do 27 de Maio de 1977 foi o oportunismo da tal geração urbanizada, educada e politizada, que após o 25 de Abril de 1974 se pôs em bicos de pés para se assenhorar do poder após a Independência Nacional. A lógica delas e deles era esta. Esses que fizeram a luta armada são matumbos, analfabetos, só sabem fazer a guerra nas matas e nas lavras de mandioca. Não podem aceder ao poder. Nós vamos governar e damos-lhes a ração diária de fuba e pexe seco. E mais: Nós é que criámos problemas aos colonialistas, distribuímos panfletos e fomos presos. Estudamos muito. Sabemos de política e economia. Os da guerrilha ficam com uma pensão do Estado e nós mandamos.
Para triunfarem, fizeram uma aliança com os guerrilheiros da I Região. Eles entravam com a sabedoria e os combatentes davam-lhes o brasão de quem pegou em armas contra o colonialismo. Nito Alves era um básico, foi instrumentalizado. Mas Monstro Imortal instrumentalizou, manobrou, conspirou e avançou para o golpe. Infelizmente, ainda hoje não perceberam que os comandantes das FAPLA, regra geral, eram homens de elevadíssimo nível político. Eram políticos obrigados a pegar em armas para derrubar o colonialismo. E fizeram isso tão bem que aqui estamos, livres e independentes. Em vez de gratidão, um punhado de irresponsáveis, ambiciosos e oportunistas tentou derrubá-los com um golpe de estado. Perderam. O Povo Angolano deve muito aos que enfrentaram e derrotaram os golpistas.
*Jornalista
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