A demora na extradição do ex-ministro das Finanças de Moçambique, Manuel Chang, tem a ver com uma questão de "tecnicalidade jurídica", defende jurista André Thomashausen em entrevista à DW.
O jurista André Thomashausen diz que falta apenas resolver uma "uma tecnicalidade jurídica" para que o ex-ministro das Finanças de Moçambique, Manuel Chang, seja enviado para julgamento nos Estados Unidos da América pelo seu papel nas dívidas ocultas de Moçambique.
Em entrevista à DW África, o professor de direito internacional tece duras críticas à Procuradoria-Geral da República (PGR) moçambicana por "insistir em atrasar" a extradição do ex-governante, detido na África do Sul desde 2018. Na visão do analista, o único interesse é "ofuscar" o desaparecimento de 700 milhões de dólares - que os EUA acreditam que Chang poderá explicar.
Segundo Thomashausen, estão esgotadas todas as medidas legais possíveis e faltarão "poucas semanas" para a extradição do ex-ministro.
DW África: O que falta para Manuel Chang ir para os Estados Unidos?
André Thomashausen (AT): O que falta é uma tecnicalidade jurídica. Houve um julgamento do tribunal da segunda instância, da província de Gauteng [África do Sul], em que se decidiu que a única decisão legal seria a extradição de Chang para os Estados Unidos. A PGR tentou fazer um apelo contra esta decisão e foi rejeitado. Ao mesmo tempo, fez uma petição de que o Tribunal Constitucional deveria interferir diretamente antes de que os recursos ordinários tivessem sido esgotados. E isso, em Direito, praticamente nunca acontece. Na teoria, todos os tribunais constitucionais do mundo aceitam que uma pessoa possa fazer um pedido diretamente ao Tribunal Constitucional sem esgotar os trâmites legais, [mas apenas] em circunstâncias absolutamente extraordinárias, como o perigo ao direito à vida. Neste caso, não existem estas circunstâncias. Sendo assim, o Tribunal Constitucional, numa linha só, simplesmente rejeitou este pedido, por razões de procedimento. Não se pronunciou sobre o assunto.
DW África: Entretanto, está pendente outro pedido da PGR moçambicana para interpor recurso no Supremo Tribunal de Justiça. Quão realista é este pedido, tendo em conta que o Tribunal Constitucional já rejeitou um semelhante?
AT: Resta talvez 1% de possibilidade de que o Tribunal Supremo de Justiça possa agora preocupar-se novamente com este assunto. Estão esgotados os recursos, estão esgotadas todas as possíveis medidas legais. Agora, é simplesmente uma questão de umas poucas semanas até o Tribunal Supremo de Justiça fazer um despacho a também recusar esta última petição, e então só restará a implementação administrativa e a comunicação aos Estados Unidos de que Chang está pronto para seguir. A única coisa que ainda poderia impedir [a ida de Manuel Chang] seria os Estados Unidos retirarem o seu pedido de extradição, mas acho que isso é pouquíssimo provável.
DW África: Na sua opinião, não há hipótese de Manuel Chang escapar à Justiça norte-americana?
AT: Neste momento, não. Não se vê nada que possa impedir. Existe sempre a possibilidade extrajudicial dele conseguir fugir à prisão e desaparecer, mas isso também é pouquíssimo provável.
DW África: Na segunda-feira (13.06), a procuradora moçambicana Beatriz Buchili pronunciou-se sobre o processo, disse que é preciso aguardar o curso da justiça, mas frisou que o Ministério Público defende os interesses do Estado neste caso. Concorda que são os interesses do Estado moçambicano que estão aqui em causa?
AT: A única coisa que se
pode observar é uma extraordinária incompetência e teimosia da parte da PGR
moçambicana contra todos os pareceres jurídicos e contra todo o
conhecimento do processo. Insistiu em atrasar a extradição inevitável para os
Estados Unidos durante mais de três anos. Só pode haver obviamente uma
parte interessada nisso, que é a parte que tenta continuar a ofuscar aquilo que
aconteceu ao montante de, pelo menos, 700 milhões de dólares que desapareceram
completamente da contabilidade. E é por causa disso que os Estados
Unidos estão ansiosos em saber o que Chang poderá revelar e explicar em
relação a este assunto no processo judicial,
DW África: A partir do momento
AT: Não vejo como. A única possível argumentação da PGR que temos ouvido é de que é uma questão da soberania de Moçambique, de ser Moçambique que gostaria de ouvir e fazer justiça em relação ao Sr. Chang. Só que Moçambique nunca visou o Sr. Chang como acusado. Simplesmente está a procura dele como testemunha ou declarante. O processo em que foi nomeado como acusado nunca adiantou - foi desligado do caso corrente e não mostrou andamento algum.
Maria João Pinto | Deutsche Welle
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