Artur Queiroz*, Luanda
Rodrigo João Lopes (Ludy), Rui Filomeno de Sá (Dibala), Jorge Morais (Monty) e Carlos Pestana Heineken (Katiana) faleceram há relativamente pouco tempo. Eram todos comandantes da guerrilha do MPLA sendo que Ludy foi membro do Bureau Político. Não vi generais com farda de gala nos seus velórios nem um general fazer, empolgado, os seus elogios fúnebres. Porquê? Nenhum era golpista. Todos foram heróicos combatentes das FAPLA. Libertadores de Angola. Eles, sim, eram a nata e o luxo da Pátria Angolana.
Os funerais do brigadeiro Nito Alves e dos generais Monstro Imortal e Shianouk foram o ponto mais alto das Comemorações do Centenário do Nascimento de Agostinho Neto. O Executivo não podia ter escolhido melhor. Até porque Monstro Imortal era afilhado do Fundador da Nação. Bem pensado.
José Van-Dúnem, em 1977, tinha 26 anos. Sita Vales, 25 anos. Nenhum tinha profissão. Ela foi empregada do MPLA entre Agosto de 1975 e o final de 1976 (pouco mais de um ano) e ele foi dirigente. Quando nasceu já era do comité central. Em 1969, foi cumprir o serviço militar obrigatório na tropa portuguesa. Em 1970, foi preso e libertado em Maio de 1974.tinha então 23 anos. Mal saiu da prisão foi logo catapultado paras a direcção do MPLA, dada a sua longa experiência de vida.
Os golpistas de 27 de Maio de 1977 iam fazer dele primeiro-ministro, se triunfassem. Isto é sério? Um jovem que nunca fez nada na vida a não ser distribuir panfletos e passear os livros escolares pode chefiar o governo de um país?
Sita Vales tinha 23 anos no 25 de Abril de 1974. Na data da Independência Nacional tinha acabado de fazer 24 anos. Esta jovem estudante, em apenas um ano e meio pode ter sido a revolucionária que os golpistas pintam? Tanto equívoco! O problema é que esta gente equivocada, irresponsável, grávida de oportunismo e ambição provocou um banho de sangue numa Angola onde todos éramos poucos para construir um grande país. Para levarmos a revolução a bom porto. Se me perguntarem se lhes perdoo, respondo prontamente que sim. Não apenas por ser deles o reino dos céus, mas porque a ignorância e a ambição juntas, transtornam as pessoas.
O comandante Kiluanje, dirigente máximo da I Região Política e Militar do MPLA mas que todos fingem desconhecer, um dia disse-me que os golpistas, tendo tão verdes anos, deviam ser reeducados, recuperados e não eliminados. Assino por baixo. Sou contra a pena de morte e a prisão perpétua. O problema é que a minha vontade, o meu pensamento, a minha opinião não contavam, naquela altura. Prevalecia o colectivo.
A Justiça Revolucionária previa a pena de morte para crimes graves como aqueles que os golpistas cometeram. Eu sabia que se um dia traísse o MPLA e a Revolução Angolana, essa traição seria castigada com o fuzilamento. Todas e todos sabiam. Os golpistas não só decapitaram o Estado-Maior General das FAPLA mas também traíram a Revolução. Traíram o MPLA. E foi porque traíram que Nito Alves e Zé Van-Dúnem foram expulsos.
Nito Aves, num discurso contra os Comités Amílcar Cabral (CAC), a Revolta Activa e a Organização Comunista de Angola (OCA), disse isto: “A luta tem que ser travada energicamente porque estes lacaios vendidos ao imperialismo, querem mudar as políticas para a defesa do ponto de vista do colono, o ponto de vista imperialista. O Bureau Político tem de cortar este mal pela raiz.” Sabem o que era cortar o mal pela raiz? Fuzilamento!
Depois fugiu-lhe a boca para a censura pura e dura. Apelou a que fossem imediatamente silenciados os jornais “4 de Fevereiro” e “Poder Popular”. Assim abriu a caça aos “esquerdistas” como lhe recomendava de cinco em cinco minutos, a golpista Sita Vales. Mas Nito Alves não ficou por aí. Também abriu a caça aos quadros técnicos que ficaram em Angola, após a Independência Nacional. Leiam o que ele afirmou:
“Há muitos angolanos que fazem tudo, dão o máximo da sua energia, da sua capacidade mental paras nos convencerem que um antigo dirigente da FUA (Frente Unida de Angola) pode pertencer às estruturas do Estado. Nós não aceitamos. Os agentes da PIDE, da FRA, da FUA e da Revolta Actriva estão no poder. Não podemos aceitar que estejam ao serviço do Estado”.
Misturar agentes da PIDE e militantes da FRA (organização de extrema-direita defensora da independência branca) com antigos membros da FUA e da Revolta Activa é uma insanidade mental. E o brigadeiro era insano. Mas também ministro da Administração Interna. Serviu-se do poder para perseguir e destruir os órgãos do Poder Popular. Para prender as e os militantes dos CAC e da OCA. Para prender antigos membros da Revolta Activa. Ou correr com eles dos cargos que desempenhavam. Estrou a lembrar-me de um administrador da TAAG (Passos) que foi simplesmente corrido. Penderam o padre Joaquim Pinto de Andrade! Se Agostinho Neto não tivesse travado Nito Alves, toda essa gente seria fuzilada.
A questão da FUA merece uma análise à parte. Nito Alves era um ignorante sem remissão. Por isso não sabia que a FUA se fundiu no MPLA e grande parte dos seus dirigentes aderiu ao partido. Estou a falar do engenheiro Sócrates Dáskalos que na época deste discurso incendiário era governador de Benguela. Ou do escritor Pepetela (Artur Pestana) que era vice-ministro da Educação mas até entrou no MPLA, mesmo antes da extinção da FUA. Nito Alves também atacava o engenheiro Fernando Falcão que sendo da FUA, não aderiu ao MPLA. Mas fez parte da Junta Governativa do almirante Rosa Coutinho e na época do discurso ameaçador, era o responsável do Porto do Lobito.
Brigadeiro Nito, me desculpa recordar estas coisas. Com o teu golpe causaste a morte de algumas centenas de angolanas e angolanos. Mas se triunfasses, aí sim, teríamos 30, 50, 100 mil ou um milhão de mortos. Temos de estar gratos a todas e todos que enfrentaram os golpistas e os derrotaram. Fecho esta parte com um naco do discurso de Nito Alves: “Um país que quer avançar para o socialismo tem que atravessar uma fase de transição. Mas seja qual for a forma da transposição desta etapa há uma realidade incontestável: Temos de usar a violência revolucionária contra todos os que se opuserem”. Claro que a violência revolucionária do 27 de Maio de 1977 foi uma manifestação pacífica das massas.
Só mais esta pérola do brigadeiro Nito na defesa da liberdade de imprensa: “O jornal da OCA representa uma ameaça permanente à independência nacional e ao povo de Angola. Por trás dele estão mãos criminosas que têm de ser detectadas e punidas com toda a severidade”. Custa assim tanto agradecer a todas e todos que enfrentaram e derrotaram os golpistas? Eu agradeço. Porque me permitiram continuar a exercer a minha profissão. Como não sou brigadeiro nem golpista, tenho de vergar a mola para comer…
Arsénio Mesquita (Shianouk).
Dizem os seus biógrafos que aderiu ao MPLA em 1972 e foi combater na I Região
Política e Militar. Organizem-se. Em 1972, os nossos combatentes estavam
remetidos à condição de sobreviventes. Em
Shianouk apareceu por lá em 1972, só para atrapalhar. Alguém tem de explicar o que comandava ele, se já não existia actividade guerrilheira. A direcção política e militar do golpe, para além de ter feito dele comandante de esquadrão de uma guerrilha inexistente, também o nomeou comandante da IV Região no Huambo (a missão era arrastar as suas tropas para o golpe no centro do país). Os golpistas triunfantes fizeram agora dele herói nacional e general. Esperemos que alguém explique isso ao brigadeiro Nito Alves. As ossadas dele devem estar furiosas por ter sido patenteado abaixo do Shianouk. Uma maka mundial!
*Jornalista
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