Angola | AS CIDADES ESTADO E O DOUTOR TUTI FRUTI – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

Tebas, Atenas, Esparta e Tróia são as cidades estado da velha Grécia. Marcaram a vida cultural, social, política e económica de toda a Europa. Vieram depois as repúblicas marítimas de Itália (século X ao século XIII), Amalfi, Pisa, Génova e Veneza. Donas e senhoras do comércio na Europa.

Génova teve laços estreitos com Portugal, a antiga potência colonial de Angola. Manuel Pessanha (Emanuele Passagno, Pessagno, Pezagno ou Pizagno) foi o almirante fundador da marinha de portuguesa, contratado pelo rei D. Dinis. Em rigor, Lisboa foi igualmente uma cidade estado, quando se tornou o grande empório das especiarias do Oriente. Nos dias de hoje temos as cidades estado de Singapura, Hong-Kong, Macau (Cidade do Santo Nome de Deus) e Vaticano. 

Luanda nasceu como fortaleza e após o triunfo dos Liberais em Portugal foi elevada à categoria de cidade estado. O Senado da Câmara Municipal governava Angola, no período que mediava entre a saída de um governador-geral e a chegada do seguinte. Por vezes, eram anos de governo. 

A cidade estado ganhou estatuto especial quando os luandenses decidiram que Angola é Luanda, capital Mutamba e o resto é paisagem. Hoje é uma cidade estado com dez milhões de habitantes, mais do que Portugal, a antiga potência colonial, ou países como Bélgica, Grécia, Luxemburgo, Malta, Escócia, Irlanda ou País de Gales.  Andorra tem menos habitantes do que o Marçal.

O Partido Abstenção, que ganhou as eleições de 24 de Agosto com mais de 55 por cento dos votos, averbou em Luanda mais de sete milhões de eleitores, que se recusaram a votar. A UNITA ficou em segundo lugar com mais de um milhão de votos e o MPLA teve 650 mil votos expressos. Isto quer dizer que a Cidade Estado é território de abstencionistas. 

Se tivermos em consideração que essa tem sido a postura de sucessivos governos provinciais, só podemos concluir que nada abalou a normalidade. O problema é que ela tem de ser abalada.

As Forças Armadas Angolanas libertaram o Norte de Angola das bases da UNITA nos anos 80. O general Apolo, agora eleito deputado pelo Galo Negro (faz uma farra todos os dias na sua casa em comoração da saborosa eleição) queria criar uma Jamba na região fronteiriça do Quimbele. Foi escorraçado. Derrotadíssimo. Ness altura impunha-se que os refugiados da guerra das províncias nortenhas regressassem às suas terras de origem. 

Isso não se fez porque antes era necessário criar condições dignas às populações: escolas, postos e centros de saúde, hospitais, serviços públicos eficientes, abastecimento de água e electricidade, enfim, tudo o que dá qualidade de vida das populações. Em 2002, quando o mesmo general Apolo se entregou às FAA e ajudou a retirar das matas os rebeldes da UNITA, com Savimbi de balas trespassado, impunha-se que os refugiados de guerra das províncias do Centro, Leste e Sul de Angola regressassem às suas terras de origem. Pouco ou nada se fez. Agora é a hora. 

Luanda foi considerada cidade estado por Ernesto Melo Antunes, em 1975, numa reunião do MFA na Arrábida. Tenho testemunho directo desse facto. O almirante Rosa Coutinho confidenciou a um dos seus colaboradores directos, que uma das heranças mais problemáticas que os portugueses iam deixar aos angolanos, era a cidade estado de Luanda. Percebe-se porquê. Tinha meio milhão de habitantes mas só menos de 100 mil usufruíam de qualidade de vida, A esmagadora maioria da população vivia nos musseques, onde não existia saneamento básico, água e luz. Nada.

Hoje é preciso olhar para a cidade estado, tendo em conta que mais de metade dos eleitores não foi votar, por protesto, desilusão ou mesmo opção política de castigar os governantes, A situação agrava-se quando sabemos que os abstencionistas são quase todos militantes, amigos e simpatizantes do MPLA. Confiemos na sabedoria dos políticos eleitos para enfrentarem este magno problema.

O Ismael Mateus hoje deu a tactica ao Presidente João Lourenço, nas páginas do Jornal de Angola. Disse-lhe como deve estruturar o executivo. Pelos vistos não gosta de Manuel Nunes Júnior, ministro de Estado para a Coordenação Económica. O escriba recomenda o seu despedimento e a extinção do ministério. Mas, surpresa das surpresas, recomenda que o titular do poder executivo contrate o Doutor Tuti Fruti (Feijó), porque ele é o maior. Está dado recado. Começou a dança das cadeiras.

O meu querido Jornal de Angola é uma caixinha de surpresas, Publicou um texto do engenheiro Bernardo Campos sobre o Processo Kimberley, que serviu para acabar com o financiamento de guerras em África com os diamantes de sangue. Escreveu o senhor engenheiro: “Como sabemos, as décadas de 80 e de 90 foram tristemente marcadas pelo advento dos chamados ‘diamantes de sangue’ que resultaram em conflitos armados e golpes de Estado em África, como foram os casos de Angola, Libéria, Serra Leoa e República Centro-Africana”.

Sim, sabemos, senhor engenheiro. Em Angola, os ladrões dos diamantes de sangue foram os sicários da UNITA. A rebelião após as eleições de 1992 foi armada e financiada com o dinheiro dos diamantes roubados. Os ucranianos foram os “parceiros” no armamento da UNITA por conta da União Europeia e EUA. E por isso mesmo a ONU aplicou pesadas sanções aos dirigentes do Galo Negro. 

Um dos sancionados foi Adalberto da Costa Júnior. Não custa nada dar a informação toda. Porque sonegar esta parte importante tem o seu quê de manipulação.

Aguardemos então pela tomada de posse do Doutor Tuti Fruti. A hora é da kamanga!

*Jornalista