sexta-feira, 2 de setembro de 2022

Angola | DE CABINDA AO CUNENE

Luciano Rocha* | Jornal de Angola | opinião

A frase "De Cabinda ao Cunene, do Mar ao Leste, um só Povo, uma só Nação", proferida por Agostinho Neto, no interior do país, antes da Independência, face a manobras divisionistas, num ápice ecoou pela Terra Mãe. 

Como levadas pelos ventos do Leste, as palavras de Neto espalharam-se por Angola inteira com perguntas à consciência de cada um e respostas dadas pelos "ventos do sertão". Nem todos, contudo, as escutaram. Outros houve a fingirem não ter ouvido ou simplesmente alteraram significados aos vocábulos.

A frase, síntese de uma das formas de determinação e patriotismo, tornou-se, de modo natural, "palavra de ordem" usada praticamente em todos os discursos e documentos estatais, de sindicatos, estudantes,  associações desportivas, moradores, até em conversas informais de familiares ou amigos.  Extravasou para festas de casamento, aniversários, baptizados, óbitos, missas, kombas, nascimentos. Em resumo, expandiu-se velozmente, mas foi perdendo a força do sentimento genuíno, em ocasiões sem conta, de quem as profere, como  se pronunciasse ou escrevesse o próprio nome ao apresentar-se a um desconhecido ou no final de um vulgaríssimo formulário.

A verdade é que a frase de Neto, dita antes da proclamação da Independência Nacional, revelou-se, desde o primeiro instante, arma importantíssima de várias gerações que sonharam - continuam a sonhar -  com uma Nação una e indivisível na qual as diferenças - locais de nascimento, origens sociais, escolaridade, profissões, tons de epiderme, idiomas, pronúncias, ideologias políticas, formas de observar credos religiosos - jamais fossem causa de divisão de filhos da mesma pátria. Ao invés os unisse na diversidade, que nos caracteriza.

Desde o momento em que Neto disse a frase, também ela espelho do sonho de ontem e hoje de tantos angolanos, mas, igualmente, profética, aconteceram várias tentativas de dividir o território pátrio, pondo à prova a determinação da angolanidade espelhada em várias gerações de patriotas nas frentes de batalha e nas sombras da clandestinidade: a libertação da Terra Mãe dos jugos colonial e neo-colonial.

As causas que preocupavam  Agostinho Neto  e companheiros de sonhos não se circunscreviam às divisões de terras e gentes, mas, outrossim ao racismo, regionalismo e apetência pela divisão das classes sociais. Por isso, a frase emblemática também refere que a Angola nova, então  prestes a nascer, teria um só Povo, numa só Nação.

Os objectivos protagonizados na frase de Neto têm sido cumpridos, de uma maneira geral, embora, aqui e ali, as manifestações de índole xenófoba  e racista continuem a ocorrer, de modo mais ou menos discreto, por vezes até de onde menos se esperava. O que são sinais evidentes de que o combate àqueles sintomas de discriminação tem de ser mais eficaz  e o ensino, em todos os níveis, há-de ser sempre dos principais meios.

Os angolanos são, na esmagadora maioria, afectuosos, de fácil convivência. Acolhem os estrangeiros com simpatia, confraternizam, bebem e comem com eles, casam com eles, são bem aceites em grupos de amigos e famílias. O desconhecimento de idiomas não lhes impede kimbembas calorosas, com muita gargalhada pelo meio. Não rasguemos este nosso "cartão de apresentação", com exemplos  que se dispensam.

Manuel Rui, escritor e poeta, sublinhou, há uma semana, nesta mesma página, na crónica habitual de quinta-feira, que "Angola é uma África diferente e mais nova que está a nascer".  Ouso acrescentar: não a tornem velha antes do tempo, nem queira fazer esquecer hábitos bons.

*Luciano Rocha -- Jornalista

Sem comentários:

Mais lidas da semana