Miguel Guedes* | Jornal de Notícias | opinião
A espiral inflacionista não vai abrandar ao som de "The queen is dead" dos The Smiths. A inflação não entenrecerá a caminho da convergência de 2% com a Zona Euro que António Costa deseja e projecta, como se de "brutal" ou "duradoura" voltasse a ser "transitória", pelo facto de, durante alguns e largos dias, as notícias migrarem para o Reino Unido no caminho oposto ao Brexit. Nem a guerra na Ucrânia suspende, nem o preço excessivo da energia diminui, nem o SNS assiste. "London calling", aqui estaremos, fatidicamente.
As medidas politicamente sustentadas em calmantes e economicamente temerárias com que o Governo procura responder à perda do poder de compra pela aceleração da inflação atiram uma esmola para dentro do edifício inflacionista, à espera que as pessoas se levantem e andem. Mas nada de bíblico existe nestes 2400 milhões de euros que não se possa desmontar às peças. Se uma das grandes preocupações do Governo é não prejudicar o défice e a dívida deste e do próximo ano, combinando medidas que respondam à urgência mas não alimentem a espiral de inflação, é difícil entender como não tributa os lucros excessivos de algumas empresas que continuam a lucrar com a crise, à semelhança do que acontece em muitos países europeus e como é proposto por Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia.
A reunião extraordinária do Conselho de Energia da EU acontece hoje e com a tributação dos lucros excessivos em cima da mesa, propondo-se a definição de limites máximos para as receitas de algumas empresas do sector. A posição portuguesa de ambiguidade sobre algo que é elementar e arrecadaria receitas públicas levanta sérias dúvidas sobre se o pacote "Famílias, primeiro" é um mero calmante social para conter a contestação ou se se desfaz, apenas, numa pequena resposta económica com truques.
É indiscutível que são positivas, ainda que minguadas, as medidas relativas à limitação da subida das rendas e dos transportes em 2023. Assim como aquelas preconizadas para os clientes do mercado livre do gás, para o IVA da electricidade e para os combustíveis. Já o "falso aumento" de pensões que poderá acabar por comprometer o valor a receber pelos pensionistas para sempre é uma demonstração de falta de clareza inaceitável que nos toma, a todos, por vítimas de iliteracia económica. Uma habilidade impensável e sub-reptícia do Governo que só poderá vir a ser compensada por um aumento extraordinário das pensões em 2023. Que, sabemos, dificilmente acontecerá.
O debate sobre o valor de 125 euros, atirado para a conta de muitos cidadãos não pensionistas em Outubro, é escusado. Para aqueles que já perderam cerca de um salário à custa da inflação, o montante dispensa adjectivos maiores. E Isabel Jonet, presidente do Banco Alimentar, já sintetizou a medida com etiqueta, propondo uma pedagogia que ajude os cidadãos a gerir o apoio de 125 euros. A piada está feita, também de uma só vez
*Músico e jurista
- O autor escreve segundo a antiga ortografia
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