Rosália Amorim* | Diário de Notícias | opinião
Europa tem de se reinventar todos os dias. O velho e, aparentemente, tranquilo continente é o mesmo onde decorreram duas grandes guerras mundiais e que este ano viu eclodir mais um conflito; é o mesmo que assistiu a uma fragmentação com a separação do Reino Unido do resto do bloco (e que esta semana viu cair a sua primeira-ministra, Liz Truss), e o mesmo que assiste ao crescimento dos extremismos políticos no coração das suas grandes praças políticas e económicos, como é o caso, por exemplo, de Itália.
A velha Europa, referência para o mundo de uma certa civilização, sofisticação, paz, conhecimento e Estado social, tem, na verdade, "demónios que batem à nossa porta com frequência e repetição", como enfatizou esta semana Paulo Portas. O regresso de uma guerra à Europa e os efeitos da pandemia e do conflito na Ucrânia, que ninguém soube antecipar, "devem levar-nos a ter mais exigência na nossa avaliação e antecipação do risco", acrescentou o ex-vice-primeiro-ministro e atual comentador na conferência da GS1, que decorreu na quinta-feira na Nova SBE, em Carcavelos.
"Falar em previsões como se fossem promessas" é perigoso, porque a realidade se altera de forma drástica no dia a dia. Realismo é preciso, sempre com os pés bem assentes na terra. São várias as economias que demoraram mais de dois anos, ou até mais de três, a recuperar das consequências económicas da pandemia - já a Irlanda foi uma exceção e num só ano recuperou. Talvez possamos aprender mais com aquele país, sem complexos religiosos ou ideológicos.
Hoje as instituições internacionais reveem em baixa os crescimentos previstos para 2022 e 2023 nas grandes nações europeias. Temos pela frente meses que irão exigir muita energia para enfrentar marés e ventos adversos, mas temos também a resiliência e o engenho a favor dos portugueses. Além de, claro, geograficamente o país se situar distante do cenário de guerra, o que poderá constituir algum tipo de mais-valia em termos de atração de turismo e de investimento.
As oportunidades para Portugal não se resumem, contudo, ao nosso pequeno retângulo. Há séculos que somos um país de descobertas e do Atlântico, e não devemos esquecer esse ADN. África e Brasil são blocos económicos que vão crescer, ao contrário de todos os outros. "Esta é a oportunidade de África, e é bom que a Europa olhe para lá", dizia o mesmo orador esta quinta-feira. Ora, se há nação europeia que pode fazer bem esta ligação, é Portugal.
Pouco tem sido dito quanto à estratégia nacional de relação futura com o continente africano. A braços com tantos problemas na Europa, os órgãos de soberania focam-se, tantas vezes, em apagar fogos, em comentar polémicas ou em fazer pura gestão de crise da comunicação. Que saibamos, desconhece-se um desígnio nacional. Se não o encontrarmos no nosso minúsculo retângulo, que África nos inspire, com toda a sua capacidade de resiliência, superação e ambição. A cor laranja da terra africana pode transmitir-nos a energia que, qual fado, pode estar em falta para navegar na espuma dos dias. O cheiro intenso dessa mesma terra, quando molhada por uma chuvada tropical, é terreno fértil para fazer crescer projetos, investimentos ou oportunidades em privatizações, como será o caso em Angola durante o próximo ano.
A globalização ficou ameaçada com a pandemia e volta a estar periclitante com a guerra. Na opinião de Paulo Portas, o "Ocidente tende a relacionar-se cada vez mais com o Ocidente, e a Ásia com a Ásia", mas não deixemos que o mainstream nos condicione às nossas fronteiras e nos amarre. Portugal é demasiado pequeno para a grandeza da alma lusitana. E sem uma visão atlântica vamos, inevitavelmente, perder muitas oportunidades.
*Diretora do Diário de Notícias
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