sexta-feira, 2 de dezembro de 2022

EUA PARALISADOS PELA GUINADA ESTRATÉGICA DO IRÃO

Pepe Escobar [*]

O parlamento do Irão acaba de aprovar a adesão da República Islâmica à Organização de Cooperação de Xangai (SCO), anteriormente consagrada na cimeira de Samarcanda em Setembro último, marcando o culminar de um processo que durou nada menos do que 15 anos.

O Irão já se candidatou a membro do BRICS+ em expansão, que antes de 2025 estará inevitavelmente configurado como a alternativa que realmente importa ao G20 Global Sul.

O Irão já faz parte do Quad que realmente importa – juntamente com membros dos BRICS, Rússia, China e Índia. O Irão está a aprofundar a sua parceria estratégica tanto com a China como com a Rússia e a aumentar a cooperação bilateral com a Índia.

O Irão é um parceiro-chave chinês nas Novas Rotas da Seda, ou Iniciativa Cinturão e Estradas (BRI). Está decidido a concluir um acordo de comércio livre com a União Económica da Eurásia (EAEU) e é um nó chave do Corredor Internacional de Transportes Norte-Sul (INSTC), juntamente com a Rússia e a Índia.

Tudo isto configura o emergir da República Islâmica do Irão à velocidade de relâmpago como grande potência da Ásia Ocidental e da Eurásia, com vasto alcance por todo o Sul Global.

Isto deixou na poeira todo o conjunto de "políticas" imperiais em relação a Teerão.

Por isso, não é de admirar que as vertentes anteriormente acumuladas da iranofobia – alimentadas pelo Império ao longo de quatro décadas – se tenham recentemente metastaseado em mais uma ofensiva de revolução colorida, totalmente apoiada e divulgada pelos media anglo-americanos.

A cartilha é sempre a mesma. O líder da Revolução Islâmica, Ayatollah Seyyed Ali Khamenei, chegou de facto a uma definição concisa. O problema não são os bandos de amotinados inconscientes e/ou mercenários: "a principal confrontação", disse ele, é com a "hegemonia global".

O Ayatollah Khamenei estava de certa forma a refletir o intelectual e autor americano Noam Chomsky, o qual observou como uma série de sanções dos EUA ao longo de quatro décadas prejudicaram gravemente a economia iraniana e "causou enorme sofrimento".

Utilizando curdos como ativos dispensáveis

A mais recente revolução colorida coincide com a manipulação de curdos tanto na Síria como no Iraque. Da perspetiva imperial, a guerra por procuração na Síria, que está longe de ter terminado, não só funciona como uma frente adicional na luta contra a Rússia, como também permite a instrumentalização de curdos altamente dependentes tanto contra o Irão como contra a Turquia.

O Irão está atualmente a ser atacado de acordo com uma variação perversa do esquema aplicado à Síria em 2011. Uma espécie de situação de "protesto permanente" foi imposta em vastas extensões do noroeste do Irão.

O que mudou em meados de Novembro é que gangues armados começaram a aplicar táticas terroristas em várias cidades próximas da fronteira iraquiana, e acreditou-se mesmo que estavam suficientemente armados para assumir o controlo de algumas das cidades.

Teerão teve inevitavelmente de enviar tropas do IRGC para conter a situação e reforçar a segurança na fronteira. Envolveram-se em operações semelhantes ao que fora feito anteriormente em Dara'a, no sudoeste sírio.

Esta intervenção militar foi eficaz. Mas em algumas latitudes, os bandos terroristas continuam a atacar as infraestruturas governamentais e mesmo os bens civis. O facto chave é que Teerão prefere não reprimir estas manifestações indisciplinadas utilizando força letal.

A questão realmente crítica não são os protestos em si:   é a transferência de armas pelos curdos do Iraque para o Irão a fim de reforçar o cenário da revolução colorida.

Teerão emitiu um ultimato de facto a Bagdad:   atue junto aos curdos e faça-os compreender as linhas vermelhas.

Tal como estão as coisas, o Irão está a empregar maciçamente mísseis balísticos Fateh e drones kamikaze Shahed-131 e Shahed-136 contra bases terroristas curdas selecionadas no norte do Iraque.

É discutível se isso será suficiente para controlar a situação. O que é claro é que a "carta curda", se não for domada, poderia ser facilmente jogada pelos suspeitos habituais noutras províncias iranianas, considerando o sólido apoio financeiro, militar e informativo oferecido pelos curdos iraquianos aos curdos iranianos.

A Turquia está a enfrentar um problema relativamente semelhante com os curdos sírios instrumentalizados pelos EUA.

No norte da Síria, são na sua maioria bandos armados que se fazem passar por "curdos". Assim, é bem possível que estes gangues armados curdos, essencialmente tocados por Washington como idiotas úteis, acabem por ser dizimados, simultaneamente, a curto e médio prazo, tanto por Ancara como por Teerão.

Se tudo falhar, rezem por uma mudança de regime

Uma mudança de jogo geopolítica que era impensável até há pouco tempo poderá em breve estar nas cartas: um encontro de alto nível entre o Presidente turco Recep Erdogan e o seu homólogo sírio Bashar al-Assad (lembrem-se do refrão de uma década "Assad must go"?) na Rússia, com mediação de ninguém menos que o presidente russo Vladimir Putin.

O que seria necessário para os curdos compreenderem que nenhum Estado – seja o Irão, a Síria ou a Turquia – lhes oferecerá terras para a sua própria nação? Os parâmetros poderiam eventualmente mudar caso os iraquianos em Bagdad conseguissem finalmente expulsar os EUA.

Antes de lá chegarmos, o facto é que o Irão já virou a geopolítica da Ásia Ocidental do avesso – através dos seus mísseis de cruzeiro inteligentes, drones kamikaze extremamente eficazes, guerra eletrónica e até mísseis hipersónicos de última geração.

Os "planeadores" do império nunca viram isto acontecer:   uma parceria estratégica Rússia-Irão que não só faz todo o sentido do ponto de vista geo-económico, como também é um multiplicador de forças militares.

Além disso, isso está inscrito na Big Picture que se aproxima e no qual o BRICS+ expandido está a concentrar-se:  Integração da Eurásia (e mais além) através de corredores económicos multimodais como o NSTC, gasodutos e comboios de alta velocidade.

O Plano A do Império, sobre o Irão, foi um mero acordo nuclear (JCPOA), concebido pela administração Barack Obama como nada mais do que um esquema de contenção em bruto.

Na verdade, o Trump fez explodir tudo – e já não resta nada:   um renascimento da JCPOA, que tem sido – em teoria – tentado durante meses em Viena, foi sempre um não arranque, porque os próprios americanos já não sabem o que querem dele.

Assim, o que resta como Plano B para os psicos neocon/neoliberais Straussianos responsáveis pela política externa dos EUA, é atirar todo o tipo de bobos da festa – desde os curdos até ao tóxico MEK – para dentro do caldeirão iraniano e, ampliado 24 horas por dia, 7 dias por semana pelos histéricos media mainstream, rezar por uma mudança de regime.

Bem, isso não vai acontecer. Teerão só precisa de esperar, exercer contenção e observar como a virtualidade da revolução colorida acabará por desvanecer-se.

28/Novembro/2022

Do mesmo autor:

  A Guerra na Ucrânia – Guerra Elétrica

[*] Analista geopolítico independente, centrado na integração da Eurásia.   O seu último livro é Raging Twenties: Great Power Politics Meets Techno-Feudalism in the Era of COVID-19.

O original encontra-se em www.presstv.ir/Detail/2022/11/28/693557/Iran-Shanghai-SCO-BRICS-Iranophobia-Kurds-Iraq-Syria-IRGC-missiles-Fateh-Shahed-JCPOA-color-revolution-.

Este artigo encontra-se em resistir.info

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