quinta-feira, 15 de setembro de 2022

VIVO BEM SEM A RAINHA DE INGLATERRA?

Pedro Tadeu* | Diário de Notícias | opinião

Uma autopromoção de um programa da rádio Observador na sexta-feira perguntava: "Como vamos viver sem a Rainha Isabel II?". Depois deixava um número de telefone a convidar os ouvintes a discutir tal putativa orfandade com os jornalistas José Manuel Fernandes e Helena Matos.

Esta pequena vaga do maremoto mediático que se seguiu ao falecimento, na véspera, da monarca britânica, com uma torrente de jornalistas, comentadores, historiadores e diplomatas portugueses a lançar ondas e ondas de relatos, comentários e textos sobre o tema, numa inundação asfixiante que se vai prolongar, pelo menos, até ao dia do funeral da monarca britânica (e para o qual, de resto, também contribuo), deixou-me perplexo.

A pergunta colocada pelo Observador pressupõe que eu, cidadão português, não-britânico, eleitor de uma República que gritou na versão original do seu hino "contra os bretões, marchar!, marchar!", devo sentir a falta da rainha Isabel II?

Que mecanismos criam esta expectativa de simpatia lusitana para com a mãe do agora Carlos III?

Porque se comportam tantos jornalistas portugueses como se fossem súbditos e devotos da monarquia inglesa?

Uma das vantagens dos pensadores políticos do século XIX é que muitos deles diziam claramente ao que vinham, com muita pouca malícia - os que queriam a revolução escreviam-no, preto no branco; os que procuravam manter o statu quo dos poderosos do costume também não enganavam ninguém.

Conheça a insuficiência dos apoios às famílias face ao aumento da inflação

ESMOLAS NÃO COMBATEM A POBREZA, PERPETUAM-NA

Pensões, cheques, energia, transportes, rendas: veja as nove medidas de apoio do Governo contra o "brutal" aumento de preços

Fechadas as medidas, nove, António Costa levou-as ao Presidente e apresentou-as aos portugueses. Uma a uma, conheça todas as medidas apresentadas para apoiar as famílias face ao aumento da inflação

António Costa reconheceu esta segunda-feira um “brutal aumento da inflação” e apresentou um novo pacote de medidas, abrangente, de apoio às famílias para fazer face à crise. Aqui listamos e explicamos o essencial de cada uma dessas medidas.

Entrega de 125 euros por pessoa, para quem tenha um rendimento bruto mensal até 2700€. Será pago em outubro, diretamente aos contribuintes;

Adicional de rendimento de 50 euros por criança ou jovem até aos 24 anos - aplicado a todos os dependentes (a quem viva, por exemplo, com os pais). Será pago em outubro;

Apoio adicional de meia pensão, paga apenas uma vez, para todos os pensionistas que tenham pensões com atualização obrigatória por lei (face à subida da inflação). Será pago em outubro;

Proposta de descida do IVA da electricidade, de 13% para 6%, a partir de outubro 2022 e e até dezembro 2023;

Gás: o já anunciado mecanismo de transição para o mercado regulado vai assegurar, garante o Governo, redução de 10% na conta do gás. De acordo com o Executivo, esta será a poupança mínima para um casal com 2 filhos;

Prolongamento - sem mais - das medidas de apoio à redução dos preços dos combustíveis. De acordo com o Governo garantirá menos 16 euros na gasolina e menos 14 euros no gasóleo - isto num depósito de 50 litros. A medida extraordinária vai durar até ao final deste ano;

No próximo ano o Governo limitará a 2% os aumento das rendas. A limitação da atualização das rendas (que seria pela lei superior a 5%), terá compensação no IRS/IRC dos senhorios;

No próximo ano haverá manutenção do preço dos passes urbanos e das viagens CP em 2023

Por fim, também no próximo ano, este será o aumento proposto pelo Governo das pensões:

4,43% para pensões até 883 euros brutos;

4,07% entre 886 e 2649 euros;

3,53% para outras pensões sujeitas a atualizações.

Portugal | OLHO POR OLHO E DENTE POR DENTE, DISSE ELA

É curioso que, querendo atingir o Governo, os senhorios apontam armas aos estudantes. Fazem mal, mas raciocinam bem. Este é um assunto da responsabilidade do Governo.

Carmo Afonso* | Público | opinião

Esta semana a porta-voz da Associação Lisbonense de Proprietários, Diana Ralha, admitiu que pudesse ser lida como “olho por olho e dente por dente” a decisão concertada dos proprietários de não colocar casas no mercado de arrendamento e sobretudo para estudantes.

Esta decisão dos proprietários é uma retaliação ao anúncio do Governo de fixar em 2% a atualização das rendas no início do próximo ano. Os números apontariam para um aumento muito superior – cerca de 5,43% - mas é certo que António Costa também anunciou uma medida de compensação integral para os senhorios: a diferença, entre o aumento máximo que poderão aplicar e o aumento que resultaria da inflação, será convertida em benefício fiscal em sede de IRS ou IRC dos proprietários.

O Governo fez a sua parte. Interveio no mercado para proteger o interesse de quem arrenda casa e ainda acautelou os interesses dos senhorios. Sucede que esta intervenção foi uma exceção num mercado imobiliário completamente dominado pelas suas próprias dinâmicas. A ver: temos o mercado imobiliário que resultou do jogo da oferta, e sobretudo da procura, puro e duro. Dificilmente se encontra melhor exemplo do liberalismo a funcionar e dos respectivos efeitos.

Os senhorios têm efetivamente o poder de fazer mossa. É que, antes dessa decisão de vender casas em vez de as disponibilizar para arrendamento, a situação já era gravíssima. Agora a escassez de oferta levará a um novo aumento dos preços e ditará que muitos nem terão casa.

Os estudantes precisam de alojamento e têm direito a ele. Sucede que o aumento do número de estudantes a ingressar nas universidades não tem sido acompanhado pelo aumento da oferta de alojamento estudantil público. Há muito que os estudantes recorrem ao mercado de arrendamento. É certo que algumas empresas privadas construíram residências universitárias, mas a preços altos e incomportáveis para grande parte das famílias portuguesas. Não combateram a crise, beneficiaram dela.

Em 2018 a situação dos estudantes, em Lisboa, já era insustentável: preços a cerca do dobro do resto do país e escassez de quartos. Neste momento, e o problema agora alastra-se ao resto do país, estamos à beira da rotura.

Angola | O TÚNEL CONTRA A DEMOCRACIA – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

As eleições de 24 de Agosto foram contestadas pela UNITA e os accionistas da sociedade civil, muito antes de serem marcadas. Vários dirigentes do Galo Negro e os vândalos da democracia pagos com os diamantes de sangue diziam que o Presidente da República tinha medo de ir a votos. 

A pretexto da pandemia não seriam marcadas eleições. Os pasquins pagos pelas embaixadas amigas (União Europeia) e a mafia de George Soros garantiam que João Lourenço ia manter-se no cargo sem ir a votos. Quando passaram das marcas, o Chefe de Estado informou que nunca foi considerada a possibilidade de adiar as eleições. E na altura certa marcava a data.

O alarido continuou, ainda mais aceso. Até Adalberto da Costa Júnior entrou no circo, fazendo o papel de palhaço pobre, sabendo nós que estava a receber milhões por baixo da mesa e tem acesso aos milhões dos diamantes de sangue, escondidos algures no espaço da União Europeia e dos EUA. Vá lá saber-se porquê, os milhares de milhões roubados ao Povo Angolano pela UNITA nas zonas diamantíferas, não entram nas contas do combate à corrupção. 

A conta dos milhares de milhões de prejuízos causados pela rebelião do Savimbi nas destruições de bens públicos e privados, após as eleições de 1992, também não são apresentadas aos devedores. Os crimes de guerra dos sicários do Galo Negro foram esquecidos. Vivem na total impunidade. E acreditam que mesmo vandalizando a democracia, continuam impunes. 

Um dia, como quem não quer a coisa, João Lourenço marcou as eleições para o dia 24 de Agosto. Dois conselheiros de Estado, que colaboraram com os abusos da UNITA, ficaram muito indignados porque o Presidente da República não ouviu ninguém e marcou a data que achou mais conveniente. Ismael Mateus e Fernando Pacheco ficaram todos enxofrados. 

Marcada a data das eleições, a UNITA e accionistas da sociedade civil, quase todos suspeitos de terrorismo urbano, começaram a falar de fraude eleitoral. Os sicários do Galo Negro puseram em causa a empresa contratada pela Comissão Nacional Eleitoral para fornecer os materiais necessários. Eles pensam que organizar eleições para 14 milhões de eleitores num país que é maior do que Portugal, Espanha, França e Bélgica todos juntos, é como na Jamba. Ainda hoje contestam a empresa contratada. E o processo já acabou. Todos os pretextos lhes servem para vandalizar a democracia. 

O Estado tem feito pesados investimentos para melhorar o sistema eleitoral. Na antiga fábrica de refrigerantes dos Coqueiros foi construído o edifício da Comissão Nacional Eleitoral. Os equipamentos são do mais moderno que existe. Quando decorriam as obras, Adalberto da Costa Júnior pôs a circular que estava a ser construído um túnel secreto, que ligava a sede da Comissão Nacional Eleitoral ao Palácio da Cidade Alta, onde seria montado um posto de adulteração dos resultados eleitorais.

 Um político, seja ele qual for, que faz tal afirmação publicamente perde imediatamente toda a credibilidade. Os Media financiados pela mafia do George Soros, pela União Europeia e pelo lóbi da UNITA nos EUA, amplificaram a aldrabice. No dia da inauguração da sede da Comissão Nacional Eleitoral, o Presidente da República desafiou os políticos da Oposição a mostrarem onde ficava o túnel secreto. Assobiaram para o lado, E Adalberto não apareceu. Sabia que ia ser confrontado com a aldrabice.

A fantasia do túnel saiu da pauta mas a partir da inauguração da sede da CNE, nunca mais se calaram com a fraude eleitoral. Hoje o vandalismo da democracia continua com a força toda. Os terroristas urbanos ao serviço da UNITA defendem “manifestações” permanentes nas grandes cidades até o poder cair na rua. Nem escondem! E a direcção do Galo Negro dá gás aos golpistas reiterando que houve fraude eleitoral e o MPLA perdeu as eleições! É assim desde 1992 e piora sempre que há eleições. Osandji yokupupa kaipw’ ovoña: galináceo que costuma esvoaçar não perde as penas. Traduzindo para a sabedoria popular: Quem é maldoso, nunca deixará a maldade.

Amanhã o Presidente da República toma posse, juntamente com a Vice-Presidente, Esperança Costa. Assim ditaram os resultados eleitorais, numas eleições limpas, livres e justas. Na sexta-feira tomam posse os deputados eleitos. Acaba o circo da fraude, dos túneis, da fuga às eleições. Afinal não há túnel nenhum. Não há fraude. O MPLA é especialista em vitórias retumbantes e nunca perdeu eleições. Venham elas!  

A democracia angolana está gravemente amputada porque o partido que lidera a Oposição odeia a liberdade. Vandaliza o regime democrático. Não sabe participar no jogo democrático. Assim a alternância é impossível. Porque a alternativa ao MPLA não pode ser um partido que traiu o Povo Angolano desde a sua origem, quando aceitou reforçar os Flechas da PIDE. Depois foi uma unidade especial das tropas do regime racista de Pretória. É um partido dirigido por políticos que queimaram mulheres e crianças vivas na Jamba. A alternativa não pode ser uma organização política que recorre ao terrorismo urbano desde o aparecimento dos “revus” na cena política.

Os angolanos do Planalto Central explicam porque voltaram as costas a Jobas Savimbi e à UNITA: Valimbile v’omweño  umwe wokuto-mboka k’ahuku. Bandearam-se para uma vida de saltar de crime em crime. 

A UNITA tem agora no seu programa imediato, vandalizar a democracia. Também vai perder. Jonas Savimbi decidiu viver saltando de crime em crime. Teve um encontro fatal com o braço longo da Lei nas matas do Lucusse. Adalberto da Costa Júnior e os vândalos da democracia pagos com diamantes de sangue e outro dinheiro sujo, também vão perder. Até ao fim da semana vão ser derrotados pelas forças democráticas, Nem sequer vão ter espaço para estrebuchar. O problema é saber até quando vamos suportar o vandalismo à nossa democracia. É urgente traçar as linhas vermelhas que UNITA e seus sicários não podem passar. 

*Jornalista

JOÃO LOURENÇO TOMA POSSE EM ANGOLA

Investidura do Presidente reeleito de Angola, João Lourenço, está decorrer na Praça da República, em Luanda. Autoridades, chefes de Estado e de Governo de vários países estão presentes.

A cerimónia de investidura do Presidente reeleito de Angola está a decorrer em Luanda, perante 12 chefes de Estado e dezenas de outros representantes, mas sem a presença do principal líder da oposição, que contestou os resultados das eleições de 24 de agosto.

Depois de deixar o palácio presidencial, João Lourenço chegou à Praça da República acompanhado da primeira-dama, Ana Dias Lourenço, passando revista às tropas, em parada. O Presidente reeleito fará a seguir o juramento à Nação. Logo após a assinatura do termo de posse e respetivos termos individuais.

Em seguida, será a vice-Presidente, Esperança Costa, vai realizar os mesmos atos. 

Diferente de 2017, a cerimónia de hoje não é aberta ao público. O acesso ao local da investidura é apenas por convite. Cerca de 15 mil convidados acompanham o evento.

Angola | AS CIDADES ESTADO E O DOUTOR TUTI FRUTI – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

Tebas, Atenas, Esparta e Tróia são as cidades estado da velha Grécia. Marcaram a vida cultural, social, política e económica de toda a Europa. Vieram depois as repúblicas marítimas de Itália (século X ao século XIII), Amalfi, Pisa, Génova e Veneza. Donas e senhoras do comércio na Europa.

Génova teve laços estreitos com Portugal, a antiga potência colonial de Angola. Manuel Pessanha (Emanuele Passagno, Pessagno, Pezagno ou Pizagno) foi o almirante fundador da marinha de portuguesa, contratado pelo rei D. Dinis. Em rigor, Lisboa foi igualmente uma cidade estado, quando se tornou o grande empório das especiarias do Oriente. Nos dias de hoje temos as cidades estado de Singapura, Hong-Kong, Macau (Cidade do Santo Nome de Deus) e Vaticano. 

Luanda nasceu como fortaleza e após o triunfo dos Liberais em Portugal foi elevada à categoria de cidade estado. O Senado da Câmara Municipal governava Angola, no período que mediava entre a saída de um governador-geral e a chegada do seguinte. Por vezes, eram anos de governo. 

A cidade estado ganhou estatuto especial quando os luandenses decidiram que Angola é Luanda, capital Mutamba e o resto é paisagem. Hoje é uma cidade estado com dez milhões de habitantes, mais do que Portugal, a antiga potência colonial, ou países como Bélgica, Grécia, Luxemburgo, Malta, Escócia, Irlanda ou País de Gales.  Andorra tem menos habitantes do que o Marçal.

O Partido Abstenção, que ganhou as eleições de 24 de Agosto com mais de 55 por cento dos votos, averbou em Luanda mais de sete milhões de eleitores, que se recusaram a votar. A UNITA ficou em segundo lugar com mais de um milhão de votos e o MPLA teve 650 mil votos expressos. Isto quer dizer que a Cidade Estado é território de abstencionistas. 

Se tivermos em consideração que essa tem sido a postura de sucessivos governos provinciais, só podemos concluir que nada abalou a normalidade. O problema é que ela tem de ser abalada.

Desumanidades: Morte de Isabel II reacende debate sobre passado colonial em África

Líderes de todo o continente africano prestaram homenagem a Isabel II, que morreu a 8 de setembro, aos 96 anos. A morte também gerou críticas ao legado colonial, num continente onde a Grã-Bretanha tem uma longa história.

morte da rainha Isabel II provocou reações mistas em todo o continente africano, que colonizou durante séculos. Vários chefes de Estado africanos prestaram homenagens solenes, mas outros líderes foram mais críticos relativamente às ações e ao legado colonial da Grã-Bretanha.

monarca britânica fez várias viagens a África durante os 70 anos de reinado, visitando cerca de 20 países em todo o continente.

O presidente da Comissão da União Africana (UA), Moussa Faki Mahamat, enviou as "mais profundas condolências" do bloco "à família real e ao povo do Reino Unido e dos países da Commonwealth" pela morte da rainha.

Em vários países africanos membros da Commonwealth, as bandeiras oficiais estiveram a meia-haste durante sete dias em honra da falecida rainha.

GENOCÍDIO NA NAMÍBIA: OPOSIÇÃO EXIGE NOVO ACORDO COM BERLIM

Maior partido da oposição da Namíbia está a exigir da Alemanha um novo acordo de compensação pelo genocídio dos povos Herero e Nama durante a era colonial. Mas Berlim não vê necessidade de renegociação.

Na Namíbia, a oposição está a exigir a renegociação e reestruturação de um controverso acordo com a Alemanha sobre o genocídio dos povos Herero e Nama, entre 1904 e 1908, naquele que foi o primeiro genocídio do século XX, e que causou mais de 100 mil mortos.

O Governo alemão, no entanto, não vê necessidade de renegociar a Declaração Conjunta com a Namíbia e a recusa gerou ainda mais ressentimento.

O presidente do maior partido de oposição da Namíbia, Movimento Democrático Popular (PDM), McHenry Venaani, escreveu uma carta aberta à ministra dos Negócios Estrangeiros alemã, Annalena Baerbock, onde apela a que o acordo seja "reestruturado".

"Temos esperança em pessoas como a Baerbock, que mostrou credibilidade enquanto era candidata [a chanceler da Alemanha, em 2021]. Quero ver se ela mostrará o mesmo agora enquanto ministra. Porque agora tem autoridade", diz Venaani.

POBREZA ENERGÉTICA

Anabela Fino*

«Sendo Portugal um dos países com temperaturas mais amenas da Europa, o facto de cerca de 22,5% da sua população, quase um quarto, viver em situação de pobreza energética – cerca de três vezes a média europeia – atesta o nível de pobreza do País e o fosso que nos separa da ficção propalada por Bruxelas.»

Pobreza energética, assim se chama «à incapacidade de milhares de famílias custearem as suas necessidades de conforto térmico, para aquecer ou arrefecer as suas casas de forma adequada», é um flagelo que afecta entre 1,9 a três milhões de pessoas em Portugal. Segundo os dados oficiais, cerca de 660 a 740 mil pessoas vivem em situação de pobreza energética severa e entre 1,2 a 2,3 milhões pessoas em situação de pobreza energética moderada.

Quer isto dizer, sem eufemismos, que em Portugal ainda se morre de frio e de calor, sobretudo nas zonas rurais e entre a população idosa, sendo que a pobreza energética potencia ainda o agravamento de doenças crónicas e complicações respiratórias ou cardiovasculares, aumentando a mortalidade.

Diz o Índice de Pobreza Energética Doméstica Europeia (2019) que Portugal é o 4.º país europeu mais pobre energeticamente, só atrás da Eslováquia, Hungria e Bulgária, com cerca de 75% das habitações sem condições de isolamento térmico.
De referir que mais de 50 milhões de famílias na UE se encontram em idêntica situação, o que é revelador, pelo menos, das desigualdades vigentes na pretensa «casa comum».

Sendo Portugal um dos países com temperaturas mais amenas da Europa, o facto de cerca de 22,5% da sua população, quase um quarto, viver em situação de pobreza energética – cerca de três vezes a média europeia – atesta o nível de pobreza do País e o fosso que nos separa da ficção propalada por Bruxelas, onde dia 9 tem lugar uma cimeira extraordinária do Conselho Europeu da Energia para «aprovar uma solução europeia que proteja empresas e famílias dos aumentos».

«A prioridade é acabar com a nossa dependência dos combustíveis fósseis sujos da Rússia», diz a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, sem referir qual será a nova dependência, mas deixando implícito que será limpinho qualquer combustível fóssil que não venha da Rússia. Certamente por esquecimento, omitiu que a reforma do mercado da electricidade está em cima da mesa há um ano, mas que então alguns países eram «muito cépticos em relação à mudança de arquitectura do mercado de electricidade».

A prioridade não é, nem nunca foi, acabar com a pobreza energética na UE, onde com guerra ou sem ela os pobres estão ao sabor dos elementos.

A prioridade não é, nem nunca foi, controlar preços, evitar a especulação, desenvolver políticas que tenham em conta os interesses das populações.

A prioridade é «esmagar a Rússia», nem que para isso seja necessário persistir em medidas suicidas que fazem disparar a inflação, empurram as economias para a recessão, tornam a UE ainda mais refém da NATO e dos EUA, e fazem a sementeira da pobreza e da miséria.

No Inverno que se avizinha, para aquecer teremos de atear o descontentamento.

*Publicado em O Diário.info

*Fonte: https://www.avante.pt/pt/2544/opiniao/168802/Fogo-posto.htm?tpl=179

Desastre energético da Europa é provocado por Berlim e Bruxelas, não por Moscovo

F. William Engdahl [*]

Em 22 de agosto, o preço de mercado negociado em bolsa para o gás natural no hub alemão THE (Trading Hub Europe) estava a ser negociado a mais de 1000% acima do que há um ano atrás. A maioria dos cidadãos é informada pelo regime de Scholz que o motivo seria a guerra de Putin e da Rússia na Ucrânia. A verdade é bem diferente. Políticos da UE e grandes interesses financeiros estão a usar a Rússia para encobrir o que é uma crise energética Made in Germany e de Bruxelas. As consequências não são acidentais.

Não é porque políticos como Scholz ou o ministro alemão da Economia Verde, Robert Habeck, nem o vice-presidente de Energia Verde da Comissão Europeia, Frans Timmermans, sejam estúpidos ou ignorantes. Corruptos e desonestos, talvez sim. Eles sabem exatamente o que fazem. Eles estão a seguir um roteiro. Tudo faz parte do plano da UE para desindustrializar uma das concentrações industriais mais eficientes em termos energéticos do planeta. Trata-se da Agenda Verde da ONU 2030, também conhecida como Grande Reinicialização de Klaus Schwab.

Mercado de gás da UE desregulamentado

O que a Comissão da UE e os ministros do governo na Alemanha e por toda a UE estão a esconder cuidadosamente é a transformação que eles criaram na forma como o preço do gás natural é hoje determinado. Por quase duas décadas, a Comissão da UE, apoiada por mega bancos como JP MorganChase ou grandes fundos especulativos de hedge, começou a lançar as bases para o que é hoje uma desregulamentação completa do mercado de gás natural. Foi promovido como a “liberalização” do mercado de gás natural da União Europeia. O que agora permite é a negociação não regulamentada no mercado livre em tempo real para fixar preços em vez de contratos de longo prazo.

A partir de 2010, a UE começou a promover uma mudança radical nas regras de estabelecimento de preço do gás natural. Anteriormente, a maioria dos preços do gás era estabelecido em contratos fixos de longo prazo para entrega por gasoduto. O maior fornecedor, a russa Gazprom, forneceu gás à UE, principalmente à Alemanha, em contratos de longo prazo indexados ao preço do petróleo. Até os últimos anos quase nenhum gás foi importado por navios de gás liquefeito (GNL). Com uma mudança nas leis dos EUA para permitir a exportação do GNL proveniente da enorme produção de gás de xisto em 2016, os produtores de gás dos EUA iniciaram uma grande expansão da construção de terminais de exportação de GNL. Os terminais levam de três a cinco anos para serem construídos. Ao mesmo tempo, Polónia, Holanda e outros países da UE começaram a construir terminais de importação de GNL a fim de recebê-lo do exterior.

Ao emergirem da Segunda Guerra Mundial como principal fornecedor mundial de petróleo, as gigantes petrolíferas anglo-americanas, então chamadas de Sete Irmãs, criaram um monopólio global do preço do petróleo. Como observou Henry Kissinger durante os choques do petróleo da década de 1970:   “Controle o petróleo e você controlará nações inteiras”. Desde a década de 1980, os bancos da Wall Street, liderados pelo Goldman Sachs, criaram um novo mercado de “petróleo de papel”, ou negociação de futuros e derivativos de futuros barris de petróleo. Criou um enorme casino de lucros especulativos que era controlado por um punhado de bancos gigantes em Nova York e na City de Londres.

Esses mesmos poderosos interesses financeiros vêm trabalhando há anos para criar um mercado globalizado semelhante de “gás de papel” em futuros que eles pudessem controlar. A Comissão da UE e sua agenda do Green Deal para “descarbonizar” a economia até 2050, eliminando os combustíveis de petróleo, gás e carvão, forneceram a armadilha ideal que levou ao aumento explosivo dos preços do gás na UE desde 2021. Para criar esse mercado “único” de controle, a UE foi pressionada pelos interesses globalistas para impor mudanças de regras draconianas e ilegais de facto à Gazprom a fim de forçar o proprietário russo de redes de gasodutos de transporte de gás na UE a abri-los ao gás concorrente.

Os grandes bancos e interesses energéticos que controlam a política da UE em Bruxelas criaram um novo sistema de preços independente paralelo aos preços estáveis ​​e de longo prazo do gás de gasoduto russo que não controlavam.

Em 2019, uma série de diretivas burocráticas de energia da Comissão Europeia de Bruxelas permitiu que o comércio num mercado de gás totalmente desregulado definisse de facto os preços do gás natural na UE, apesar do facto de a Rússia ainda ser de longe a maior fonte de importação de gás. Uma série de “hubs” comerciais virtuais foram estabelecidos para negociar contratos futuros de gás em vários países da UE. Em 2020, o TTF holandês (Title Transfer Facility) era o centro comercial dominante para o gás da UE, o chamado benchmark (preço de referência) de gás da UE [NR]. Notavelmente, o TTF é uma plataforma virtual de negociações em contratos futuros de gás entre bancos e outros investidores financeiros, “Over-The-Counter” (“ao balcão”). Isso significa que é de facto não regulamentado, fora de qualquer troca regulamentada. Isto é fundamental para entender o jogo que hoje está a ser executado na UE.

Em 2021, apenas 20% de todas as importações de gás natural para a UE foram de GNL, com preços em grande parte determinados por negociações de futuros no hub TTF, a referência de gás de facto da UE, de propriedade do governo holandês, o mesmo governo que destroi suas explorações agrícolas com uma alegação fraudulenta de poluição por nitrogênio. A maior parcela de importação de gás europeu veio da Gazprom da Rússia, fornecendo mais de 40% das importações da UE em 2021. Esse gás foi entregue por gasodutos mediante contratos de longo prazo, cujo preço era muito inferior ao preço especulativo da TTF de hoje. Em 2021, os estados da UE pagaram uma multa estimada em cerca de US$30 mil milhões a mais pelo gás natural em 2021 do que se tivessem mantido os preços de indexação do petróleo da Gazprom. Os bancos adoraram. A indústria dos EUA e os consumidores não.Somente destruindo o mercado de gás russo na UE poderiam os interesses financeiros e os defensores do Green Deal criar seu controle do mercado de GNL.

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