sábado, 21 de janeiro de 2023

Mandatário do Chega causou perdas de centenas de milhares de euros a 20 pessoas

PORTUGAL

Empresa de Pedro Arroja rescindiu unilateralmente contratos com os clientes lesados. A CMVM não soube, o Banco de Portugal não tinha de saber, os clientes não foram informados e o economista nunca foi responsabilizado. O que falhou?

Ana Patrícia Silva | Setenta e Quatro

Quando João Pedro Fernandes trocou as leituras de jornal da secção de política pelas do mercado financeiro, o contexto social e económico de Lisboa era outro. Em 2000, sentava-se com o pai à conversa no quiosque Central, no centro de Oeiras, para consultar as cotações da Bolsa de Valores no Jornal de Negócios. Começou a interessar-se pelo mercado financeiro e a equacionar investir. João Pedro Fernandes estava longe de imaginar o que lhe iria acontecer.

Enquanto os jornais eram folheados pelos dois, no início do milénio, as bolsas norte-americana, japonesa e portuguesa, entre outras, viviam o rebentar da bolha das empresas .com. Nesse ano, relembra-se Fernandes, “a BVLP [Bolsa de Valores de Lisboa e Porto] registou a maior queda dos últimos dez anos. Os índices PSI20 e PSI30 perderam à volta de 13% e 11%, arrastados pelas empresas de telecomunicações e tecnologia”. A curiosidade financeira aguçou-se (que mundo era este?) e onde há riscos também há enormes proveitos. Porque não apostar contra a própria bolsa?

Houve quem tenha tido esta ideia “inovadora”, vendendo-a. A bolha financeira continuava a causar ondas de choque quando Pedro Arroja, professor universitário, diretor-executivo de uma empresa de investimento em ativos financeiros e futuro mandatário nacional do CHEGA, a aproveitou para fazer crescer o seu negócio. E, anos depois, em 2006, a empresa Pedro Arroja - Gestão de Patrimónios, S.A. estava sedimentada e o economista parecia ganhar notoriedade em diversas zonas de influência, como jornais, universidades e grandes instituições como a Associação Industrial Portuense e o Centro de Documentação de Estudos Europeus.

Os caminhos de João Pedro Fernandes e de Pedro Arroja não tardaram a cruzar-se. Depois da morte do pai, em 2006, João Pedro encontrou em Arroja a segurança necessária para celebrar o seu primeiro contrato de gestão de carteira. “Não tendo grande formação, conhecimentos ou experiência relativamente a mercados financeiros e a produtos de investimento, recorri a um serviço de gestão de carteiras”, explica ao Setenta e Quatro. A supervisão do Banco de Portugal e da Comissão de Mercados e Valores Mobiliários (CMVM) sobre esta sociedade anónima reforçava a convicção de ter feito a escolha certa.

Assinados os contratos com duas modalidades, um para equities, que não tinha rentabilidade fixa, e o outro para commodities, onde as ordens eram dadas pelo cliente, João Pedro Fernandes esperava um ano bem diferente daquele que viveu. Seguiram-se 12 meses de perdas de dinheiro avultadas, num total de 150 mil euros, que nunca foram recuperadas. Meses que se tornaram 12 anos sem respostas a muitas perguntas. 

Não foi o único a viver esse pesadelo: se a CMVM reconhece ter conhecimento de quatro queixas com as mesmas características que a de Fernandes contra a Sociedade Pedro Arroja, ao Setenta e Quatro foram denunciadas 20. Fernandes foi o primeiro nome a abrir uma lista de lesados que perderam milhares de euros em depósitos, ativos e comissões indevidas que nunca reaveram. E Pedro Arroja nunca foi responsabilizado.

RESCISÃO UNILATERAL? A HISTÓRIA QUE COMEÇA PELO FIM

Dois anos depois de Fernandes assinar um contrato com a empresa de Pedro Arroja, o mundo financeiro sofreu o maior terramoto desde a década de 1930. O banco Lehman Brothers faliu e, num efeito dominó, outras instituições financeiras arriscavam-se a ir pelo mesmo caminho, mergulhando a economia norte-americana (e mundial) no caos. A administração norte-americana resgatou instituições financeiras e os governos europeus seguiram-lhe os passos. 

Portugal não ficou à margem e as empresas financeiras também sofreram prejuízos avultados, consequência da economia globalizada e financeirizada. A fragilidade financeira da banca e da finança abriam os telejornais, os comentadores tentavam explicar os meandros da finança e faziam-se análises aprofundadas que enchiam os relatórios de contas das empresas. Uma delas foi a Pedro Arroja - Gestão de Patrimónios S.A. As perdas foram significativas: o primeiro trimestre de 2008 agravou-se em comparação com os dois anos anteriores, nomeadamente na atividade de Gestão de Carteiras. 

“O balanço da atividade em 2008 é negativo. De um modo geral, registaram-se menos valias nas carteiras dos clientes”, lê-se no texto que abre o Relatório de Contas de 2008. Seguiram-se várias explicações, apresentaram-se diversos fatores para esse balanço financeiro, e todas acabaram a responsabilizar a bolsa norte-americana e britânica, tendo aqui e ali referências à bolsa portuguesa. No final, o relatório foi claro: assinalou um decréscimo de valor ativo de 300 mil euros. 

Mas nem tudo estava perdido, havia que desbravar um caminho novo e, mais uma vez, inovador, e para isso a empresa de Arroja tinha uma solução: o desenvolvimento de estratégias relevantes para “superar e melhorar o panorama no mercado financeiro português”. Mas, no entretanto, em janeiro de 2008, a empresa já tinha avançado com cessações contratuais, impedindo que os seus clientes recuperassem o dinheiro investido. 

“Omitindo factos contratuais relevantes à minha relação com a empresa cessaram o meu contrato de gestão de carteira unilateralmente sem qualquer explicação”, declara João Pedro Fernandes, um dos 20 lesados denunciados ao Setenta e Quatro. 

Como foi esta situação possível? Neste tipo de negócio talvez só consigamos perceber o famoso “segredo”. O resto não se consegue explicar. A CMVM não soube, o Banco de Portugal não tinha de saber, os clientes não foram informados. Sabe-se que tudo começou com a compra de um produto de mercado financeiro, seguiu-se um contrato assinado por ambas as partes e, depois, uma renovação do documento anual. E os pormenores? Não são públicos.

UM PRODUTO INOVADOR DE POUCA DURA

Dois anos antes da queda do Lehman Brothers, o mercado financeiro era apresentado com grande vitalidade, como se fosse um El Dorado dos tempos modernos. E a especulação era a sua espinha dorsal. “O Nasdaq vai subir ou descer? O investidor é que decide em que sentido vai apostar. Depois é só esperar pelo fecho da bolsa de Nova Iorque para saber se duplicou o investimento ou perdeu tudo”, lê-se no Público de 26 de março de 2006. O título da notícia era: “Pedro Arroja lança produto financeiro similar a aposta”.

Este produto financeiro “inovador” criado pela empresa Pedro Arroja - Gestão de Património S.A era indicado para “quem gostava de investimentos de alto risco” ou, do outro lado da moeda, era “impróprio para cardíacos”. Chamava-se Satellite e era muito semelhante a uma aposta. “Ao contrário de outros produtos financeiros mais conservadores, que implicam montantes elevados e imobilizações prolongadas, a subscrição do Satellite pode ser feita através de um investimento reduzido [mínimo de 250 euros] e diariamente”, explicou Pedro Arroja ao Público aquando do lançamento do produto. Os investimentos acumulavam-se e, no final, ascenderam a centenas de milhares de euros. 

Apesar de não ser difícil compreender de que se tratava este produto financeiro, a maioria dos investidores particulares limitava-se a assinar e a depositar o seu dinheiro para que o gestor de carteira o fizesse render. A empresa titular vendia aos investidores um pouco por todo o mundo. Primeiro em Portugal e depois em Espanha. Fazia-o através de contratos de securitização, que consistem em agrupar vários tipos de ativos financeiros convertendo-os em títulos negociáveis no mercado de capitais interno e externo. 

As entidades que supervisionavam a Sociedade Pedro Arroja atribuíam-lhe nota máxima nesses contratos. Os contratos continham toda a informação do produto, direitos, deveres e obrigações de ambas as partes. “A legislação em vigor exigia que a colocação deste tipo de produtos fosse feita através de um contrato escrito, onde o risco das operações fosse claramente identificado”, explica Ricardo Arroja, economista, ex-membro da administração das sociedades do universo Arroja, e filho de Pedro Arroja, na mesma altura em que o produto foi apresentado. 

Estas operações eram legais, o problema é que a base estava minada. O responsável pelas decisões de investimento da sociedade insistia em dizer que este produto era inovador quer pelo “reduzido montante investido”, quer pelo “potencial de valorização”, mas tudo indica não o ter sido. 

Dois anos depois da apresentação de Satellite, a empresa registava uma queda de 350 mil euros anuais (de capital e montante passivo) entre os anos 2007 e 2008, como refere o Relatório de Contas que a empresa publicou em 2009

A rentabilidade do produto de gestão de ativos mostrava-se negativo e o “rácio da eficiência” era cada vez menor. No mesmo documento, é possível ver que os seus prejuízos financeiros já rondavam os 60%. Como seria de esperar, os resultados da sociedade Arroja seriam afetados. O volume de carteira de clientes decresceu em quase 25%, o equivalente a uma perda de 370 mil euros.

Como iria, então, a empresa dar resposta aos seus clientes? E justificar as suas perdas? Contornando a lei.

ONDE COMEÇAM AS FALHAS?

Se o relatório feito pela empresa de Arroja era elucidativo dos tempos que se viviam, foi nas rescisões contratuais com os clientes, sem qualquer explicação, que a confusão começou. Os clientes passaram a encontrar um muro de silêncio do outro lado da linha. 

No final de dezembro de 2007, os clientes recebiam uma certificação pela Diretiva dos Mercados de Instrumentos Financeiros (DMIF), reconhecida pela empresa onde investiam, categorizando-os como investidores profissionais ou não profissionais. Dependendo da sua classificação, poderiam investir a título único, isto é, sem a necessidade de um gestor de carteira, o que implicaria outro tipo de contrato. Nestes casos, tratava-se de investidores não-profissionais e, por isso, o contrato subscrito iria renovar novamente, como acontecia até então. 

No contrato assinado entre os clientes e a empresa, na cláusula que abrange a “duração”, a obrigatoriedade de um aviso prévio é clara: “o contrato vigora a partir da data de entrega dos primeiros ativos até ao último dia do ano civil, considerando-se automaticamente renovado no primeiro dia de cada ano”. 

Destaca-se ainda que “salvo se for revogado por qualquer uma das partes ou pelos respetivos sucessores, herdeiros ou representantes legais em qualquer momento, mediante carta registada com aviso de receção enviada com a antecedência mínima de quinze dias, relativamente à data em que a revogação produzirá efeitos”. 

É então que, entre janeiro e fevereiro de 2008, João Pedro Fernandes, assim como os outros 19 clientes, vêem os seus contratos cessados sem qualquer tipo de aviso prévio ou motivo. Em que moldes estas situações poderiam acontecer? 

Ricardo Arroja nada quis acrescentar sobre o tema. No entanto, não deixou de reconhecer que “foi um produto que abriu portas à liberdade de relação contratual com os clientes e, nesse sentido, era obrigatória uma gestão clara desde os intermediários mais diretos [gestores de carteira] e, consequentemente, a administração”, lê-se na mesma entrevista em que apresentava o produto em questão. 

É sabida a dependência que os investidores não institucionais têm perante os intermediários financeiros. Jorge Duarte, economista da Deco Proteste, explica que, “principalmente quando os seus conhecimentos são limitados, essa dependência [clientes e intermediários financeiros] aumenta quando falamos, como acontece neste caso, da negociação de produtos complexos no âmbito da gestão de carteiras”. O caso do Banco Espírito Santo é um dos casos que tão bem retrata esta dependência: milhares de pessoas foram lesadas ao acreditarem nas palavras dos seus gestores de conta, muitas delas perdendo as poupanças de uma vida. 

“Nesses casos, mais do que ter produtos de mercado e gestão de carteiras, tratava-se de pessoas que eram influenciadas pelo seu gestor de conta - era quase quem geria a carteira - que acabava por lhes vender produtos que não tinham a segurança que era anunciada”, explica. 

Em 2015, Pedro Arroja criticou no canal Porto Canal a “passividade do Governo”, em relação ao desaparecimento do BES e às centenas de lesados que resultaram da sua resolução: “milhares e milhares de pessoas viram traída a confiança (que o Estado deveria ter garantido) na mais antiga instituição bancária do país e, de um momento para o outro, as poupanças de uma vida esfumaram-se”. As poupanças e investimentos de alegados possíveis 20 lesados da Sociedade Arroja parecem ter passado pelo mesmo processo: esfumaram-se.

Mesmo que o tema mercados financeiros ainda viva num lugar nebuloso, os mercados não deixam de estar acessíveis para pessoas com poucos recursos. Aos olhos de Jorge Duarte, economista da Deco Proteste, “há cada vez mais formas de investimento e, por isso, torna-se difícil escolher corretamente e não cair em determinadas armadilhas”. 

Pode-se chamar a estes casos uma "armadilha" ou um “descuido”? Se os contratos de uma empresa não estão a ser cumpridos devidamente, não deveria ser garantida a necessidade das supervisoras responsáveis intervirem? 

Desde 2008, depois da rescisão do seu contrato, que João Pedro Fernandes tenta contactar a empresa. “Nunca consegui obter nenhuma resposta durante meses”, conta. Foi então que o lesado pediu explicações ao Banco de Portugal, uma das entidades supervisoras, que o remeteu para a CMVM, uma vez que a matéria em causa, declaram, não é da sua competência.

Junto da CMVM, em junho de 2008, destacam-se perdas que rondavam entre os 200 e os 300 euros mensais. Segundo a Comissão, “não lhe [João Pedro Fernandes] foram de todo desconhecidas“, pois através da página Pedro Arroja Sociedade - hoje impossível de consultar - tinha acesso a toda a informação atualizada e em tempo real. “Enfatizamos que neste site, mais precisamente, na página exclusiva do Satellite é possível aceder e automaticamente ver a posição, a cotação, hora de entrada e entre outras informações que disponibilizamos de cada um dos ativos transacionados no Produto”, escrevem em resposta à queixa apresentada. No entanto, nunca mencionam a rescisão indevida do contrato. 

Depois de várias vezes lhe ter sido colocada a pergunta, sem qualquer resposta, a CMVM assegura no seu site que a alteração do contrato tinha de ser comunicada previamente ao regulador (que gere e supervisiona as sociedades e o mercado financeiro português). "Nas transações de ações de instituições de crédito os contratos determinados, por lei, para este tipo de produtos, exigem um prazo exercício do direito de livre resolução é de 14 dias, exceto para contratos de seguro de vida e relativos à adesão individual a fundos de pensões abertos, em que o prazo é de 30 dias", lê-se no artigo 20º, no código da CMVM, dedicado ao direito de livre resolução do contrato

De facto, e segundo a lei, apenas as alterações de capital superiores a 10% são consideradas “participações qualificadas”. Mas a lei diz também que o regulador deve ser informado se eventuais alterações contratuais possibilitarem “exercer influência significativa na gestão do cliente ou empresa participada”. Mesmo assim, a CMVM afirmou em todas as respostas dadas a João Pedro Fernandes que a empresa em nada tinha falhado.

Se a CMVM acreditava ser da total responsabilidade do cliente, já a Associação de Investidores e Analistas Técnicos do Mercado de Capitais (ATM) discorda. “De acordo com os estratos de cliente a que tivemos acesso, é sistomélica a cobrança diana de ‘repartição de ganhos financeiros’, que corresponde, alegadamente, a partilha de rentabilidades obtidas diariamente à taxa de 20%, contrariando o disposto contratualmente que pressupõe uma cobrança mensal que incide sobre os resultados da carteira”, lê-se em documento de análise do contrato.

Isto significa que, ao ser cobrada a "comissão variável" (ou mesmo que apenas calculada) sobre a rentabilidade diária, gera-se uma distorção dos valores investidos ou ganhos pelo cliente, apurados mensalmente. Ou seja, Fernandes termina o mês com rentabilidade negativa e vê ser-lhe cobrada mesmo assim uma "comissão variável" que pode ultrapassar largamente os 20% do próprio saldo da carteira. 

Ao final de seis meses, João Pedro Fernandes viu a sua carteira, entregue para gestão, desvalorizar quase 100%. Mesmo sem pôr em causa a idoneidade de nenhum das partes envolvidas, a ATM não deixa de reconhecer que houve “um grande descuido perante os deveres do intermediário financeiro em informar e proteger os interesses do seu cliente”. Este descuido custou uma perda de mais de 100 mil euros ao lesado e a impossibilidade de retirar qualquer valor em ativos, dada a rescisão unilateral que se constata. Resumindo, João Pedro Fernandes perdeu todo o seu dinheiro. 

Consultor das empresas do pai há mais de uma década, Ricardo Arroja nada quis acrescentar novamente sobre estes acontecimentos e, por isso, seguiram-se várias tentativas de contacto junto do diretor executivo da empresa e fundador da Sociedade. O primeiro contacto com Pedro Arroja foi feito em novembro, mas todas as tentativas de contacto com o Setenta e Quatro foram rejeitadas ou ficaram sem resposta. 

Sem meios para avançar judicialmente e sem qualquer intervenção a seu favor por parte da CMVM, João Pedro Fernandes viu-se de mãos e pés atados. “Com todas as despesas que um processo judicial destes acarreta, era me impossível avançar de qualquer outra forma”, lamenta. Daí ter esperado quase uma década para se recompor financeiramente e ter, recentemente, feito uma nova intervenção, agora com toda a documentação disponível e com os meios de regulamentação e supervisão supostamente mais robustos. 

UMA NOVA TENTATIVA (FALHADA)

Em março de 2016, João Pedro Fernandes voltou a bater à porta da CMVM. Uma nova reclamação foi aberta. Mas o lesado voltou a não ter sucesso no reconhecimento da sua queixa, e as respostas dadas não o deixaram de surpreender.

Por um lado, ele verificou que a empresa onde investiu grande parte do património familiar não existe mais, tendo dado lugar à AMP Gestão de Ativos - Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Mobiliário S.A., também de Pedro Arroja. E, por outro lado, percebeu que se a entidade reguladora que não supervisionou a sua rescisão contratual voltava a legitimar as empresas de Arroja. 

Quando os atuais acionistas da AMP adquiriram a totalidade das ações representativas do capital da Pedro Arroja, “não existiam quaisquer contratos em vigor celebrados pela Sociedade”, escreve a CMVM no e-mail de resposta à reclamação de João Pedro Fernandes. A supervisora chega a mencionar que “a AMP não possui informação referente ao contrato de intermediação financeira que V.Exa. celebrou com a Pedro Arroja”. 

O Setenta e Quatro confirmou junto da CMVM o período em que a Comissão supervisionou as empresas do economista. “A Pedro Arroja — Gestão de Patrimónios, S.A., foi uma sociedade gestora de patrimónios autorizada pelo Banco de Portugal e registada como intermediário financeiro na CMVM a 6 de abril de 2000”, respondeu. 

No caso da Pedro Arroja - Gestão de Fundos de Investimento Mobiliário, S.A., sucedida pela AMP Gestão de Ativos - Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Mobiliário S.A. a 26 de fevereiro de 2014, “foi uma sociedade gestora de fundos de investimento mobiliário autorizada pelo Banco de Portugal e registada como intermediário financeiro na CMVM a 10 de julho de 2003”, conclui por e-mail. 

O caso já era confuso, mas as respostas às reclamações tornaram-no ainda menos claro. Se o cliente fez um contrato de gestão de carteiras com a empresa que se dedicava à gestão de patrimónios a que se devem as afirmações da CMVM, na reclamação de 2016, onde mencionam que a empresa em questão terá sido sucedida pela AMP Gestão de Ativos — Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Mobiliário S.A.? 

Questionada novamente pelo Setenta e Quatro sobre esta questão, a supervisora afirma apenas: “tal como referimos, a AMP - Gestão de Ativos - Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Mobiliário S.A é sucessora da Pedro Arroja — Gestão de Fundos de Investimento Mobiliário, S.A., e não da Pedro Arroja — Gestão de Patrimónios, S.A.”. 

Gabriela Figueiredo Dias, na época representante da CMVM, não pôs em causa a “astuta e correta supervisão comportamental” que a CMVM faz das entidades que lhe são designadas. No entanto, reconheceu em entrevistas anteriores que a “rescisão unilateral de contratos entre os intermediários e investidores, sem as devidas condições, pode constituir uma ilegalidade”. 

Neste sentido, Magda Canas, especialista em assuntos jurídicos, não deixa de reforçar que "qualquer infração ou prática comercial abusiva praticada pelas instituições supervisionadas, deve ser de imediato comunicada à respetiva entidade reguladora, sem prejuízo do eventual recurso a outras instâncias de resolução do conflito. A lei já baliza os direitos dos consumidores, mas as entidades reguladoras têm um papel fundamental na aplicação da lei". 

A especialista reitera ainda que o pré-aviso da cessação contratual "não é irrelevante quando se trata de denúncia, menos irrelevante será, tratando-se de produtos financeiros". E, continua "estes compreendem um conjunto de obrigações interligadas, as quais requerem um horizonte temporal razoável para também elas poderem cessar. Numa relação contratual há expectativas de ambas as partes, que importa acautelar". 

Por seu lado, Jorge Duarte, atual economista especializado nos mercados financeiros, a partir de contexto generalizado, reconhece que pode ter havido um contorno da lei. “Se é uma atividade de intermediação financeira e de gestão de carteiras tem que ser algo regulado pelo supervisor. E mesmo que haja uma sucessão, se continua a haver um contrato com o cliente, a nova entidade tem que ser supervisionada ou então não poderá continuar a trabalhar com essa pessoa. Além disso, é importante avisar o cliente desta mudança”, explica. Ou seja, no processo poderão ter “contornado a lei”. 

COLAPSO FINANCEIRO OU “MÁ GESTÃO”?

Professor universitário e economista conceituado. Desde cedo que Pedro Arroja viu o seu nome nas mais diversas universidades, o seu nome constava em todos os programas curriculares e de docência na primeira década do século XXI. Foi também nessa altura que a Sociedade Arroja se viu mais do que nunca sedimentada. Em 2005 já se contavam cinco empresas. 

O mandatário nacional do CHEGA nas eleições legislativas de 2022 é o acionista principal da Pedro Arroja - Sociedade Gestora de Participações Sociais (SGPS S.A.) ao deter 81%. Esta empresa é, depois, detentora de 57% de todas as outras empresas do universo Arroja, que se começaram a distinguir no mercado financeiro a partir do final dos anos 1990.

A Gestão de Patrimónios foi o bilhete de entrada que Pedro Arroja precisava, mas as empresas de Consultoria Financeira e Gestão de Fundos de Investimento permitiram que o seu nome deixasse de ser desconhecido nas diversas frentes de mercado.

A estrutura institucional parecia sólida e o grupo de administradores executivos também não variava muito. Todas as empresas eram detidas pelo economista juntamente com Fátima Pereira, responsável pelos serviços jurídicos, Natália Gaspar, oficial de contas, e Ricardo Arroja, analista e responsável pelos investimentos do pai. O quarteto não se dissolveu nos últimos 13 anos. 

O Setenta e Quatro procurou perceber a atual situação de cada uma destas empresas junto da CMVM e do Banco de Portugal. Das cinco, apenas a Pedro Arroja - SGPS, S.A. está em atividade. 

A sociedade com que os alegados 20 lesados estabeleceram contratos foi cancelada, a pedido da própria entidade em 2018, e a AMP Gestão de Ativos - Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Mobiliário S.A. foi vendida em 2014. No entanto, não se ficou por aqui. Viu ainda o seu registo cancelado pelas entidades supervisoras em 2018, na sequência da revogação da autorização do Banco de Portugal. As restantes empresas entraram em liquidação total nos últimos três anos. 

Por que razão o gestor de ativos e patrimónios desapareceu da ribalta? O que aconteceu para que estas empresas entrassem em liquidação total nos últimos anos? O que é hoje a Pedro Arroja - SGPS, S.A.? Depois de várias tentativas de contacto telefónico para a empresa em questão (Pedro Arroja - SGPS, S.A.), o Setenta e Quatro não obteve qualquer resposta, até porque os contactos em questão já não se encontravam registados na operadora.

O último Relatório de Contas publicado pela empresa, em setembro de 2018, ditava que por “perdas de imparidade” (desvalorização das ações e produtos) em 2016, a Pedro Arroja - SGPS, S.A. teve de investir quase 500 mil euros na Pedro Arroja - Gestão de Património e apenas cinco mil euros na Pedro Arroja - Consultores de Gestão de Contabilidade. 

Ainda assim, e no mesmo ano, lê-se no relatório, que “não possuindo nem exercendo outras atividades em outras áreas de negócio”, a atuação da Pedro Arroja SGPS S.A. esgotava-se na participação social que detém nas sociedades Pedro Arroja Gestão de patrimónios, S.A. e a Pedro Arroja - Consultores em Gestão e Contabilidade, S.A., liquidada em 2021. 

Sem qualquer resposta até então, o Setenta e Quatro foi até ao Palacete da Foz, antigo património familiar de Arroja, sede de todas estas empresas dissolvidas. O Palacete na Avenida de Montevideu, frente ao mar, na portuense Foz do Douro, esteve desde 2015 disponível para venda na Sotheby’s, uma imobiliária de luxo, com um custo acima dos seis milhões de euros.

Sem que houvesse grande disponibilidade para conversas, um dos donos da habitação junto ao Palacete afirmou não ter quaisquer conhecimentos da casa enquanto sede da empresa mãe do universo Arroja. “Nem sequer tenho relação com o grupo Pedro Arroja”, disse. 

A Pedro Arroja SGPS S.A. é tudo o que resta do grupo Pedro Arroja, mas, ao que parece, não tem sede, não tem contactos e os meios de chegar até ela são praticamente inexistentes. Esfumou-se. 

A POLÍTICA QUE “SE SOBREPÔS ÀS IDEIAS” DE ARROJA TEM NOME: CHEGA

Pedro Arroja encerrava as portas de grande parte das suas empresas quando o Chega considerou que era a escolha perfeita para redigir o programa  económico do partido, em 2021. O economista hoje com 68 anos aceitou o convite, invertendo uma posição que há muito assumia: a de os economistas escolherem a carreira política. 

Em 2015, Arroja viu-se em polémica com os seus colegas da Faculdade de Economia do Porto. Disse que os desprezava por escolherem “sempre a carreira política ao invés das ideias”, cultivando uma imagem de economista excêntrico. Cinco anos depois a conversa era outra. De autor do programa económico do CHEGA, passou a mandatário nacional do partido, nunca negando defender algumas das suas ideias mais radicais. “Nunca estive tão próximo de um partido”, disse à Visão. O regresso de Pedro Arroja ao debate político só podia ser com aparato.

Não foi preciso correr o programa económico do partido de extrema-direita a pente fino para destacar a prioridade da “empresa familiar” e a sua semelhança com os negócios de Arroja, mas é certo que a relação do economista com a política aconteceu muito antes. Da Academia passou ao aconselhamento político: foi consultor do governo canadiano nos anos 1980 e desde então que comenta os cenários económicos e políticos portugueses em diversos órgãos de comunicação. 

A notoriedade de Arroja no final da década também chegava pelo estudo que demonstrou que o Porto era negativamente discriminado, em termos de investimento público, face a Lisboa. Arroja tornou-se um herói local. 

Apesar de se manifestar adepto da economia dos Estados Unidos, encontrava “elementos menos conseguidos nessa sociedade”. Na altura, os motins das populações mais pobres de Los Angeles davam que falar e, em entrevista à Visão, Arroja chegou a explicá-los como um problema de família, não deixando de lado ideias abertamente racistas. “Os negros não são capazes de constituir família como tendência geral, como nós constituímos. Têm muitas mulheres. E a pobreza americana, hoje, como nos outros países desenvolvidos, é sobretudo a mulher sozinha com filhos. E a maior parte das famílias negras acabam assim”, disse à revista.

Já sobre o Estado e a economia portuguesa, Arroja tende mais para a privatização. Defende a privatização da polícia, a privatização dos tribunais e o fim da legislação que impede o trabalho infantil. É um fervoroso apologista do Estado mais que mínimo. Chegou até a defender a mercantilização do voto: quem não quisesse votar numas eleições poderia vender o seu voto, tendo mais tarde defendido que o direito ao voto deveria ser apenas permitido a maiores de 35 anos. 

Muito se diz do gestor de ativos e patrimónios, mas ninguém é indiferente aos seus comentários, que se dedicam ao à liberalização das drogas, às críticas à presença de mulheres nas direções partidárias que, como salientou em entrevista à Visão, é “um sinal de degenerescência” e o "milagre económico” de António de Oliveira Salazar.

Não admira, portanto, que Pedro Arroja tenha sido a escolha perfeita para o CHEGA e que o economista aceitasse o repto de braços abertos. 

LESADOS DE PEDRO ARROJA, DEZ ANOS DEPOIS

Passaram-se três meses até que João Pedro Fernandes voltasse a conversar uma última vez com o Setenta e Quatro. Desta vez o fundo da conversa não era o quiosque de um jardim, mas as paredes que o envolviam nos quatros cantos da videochamada. Fernandes vive atualmente em casa dos pais. 

Se em 2008, depois de todo o valor que investiu, esperava concluir a licenciatura que ia a meio, dar a entrada de uma casa, arranjar um bom emprego na área da Ciência Política e das Relações Internacionais. Mas nada disso se concretizou. 

Dez anos não chegaram para que se pudesse recompor financeiramente. Desde então tem estado entre trabalhos temporários e o desemprego. “O dinheiro estava simplesmente parado. Era especulação: o tudo ou o nada. Para mim, ficou-se pelo nada, não pela especulação, mas por quem geria o dinheiro”, garante. 

Talvez lhe restasse bem mais se tivesse tido a oportunidade de reaver parte do dinheiro que tinha em ativos. Não só João Pedro Fernandes, mas todas as 19 pessoas que dão corpo a esta história e se revêem nela. Joana Cunhal, de 38 anos, Ricardo Burestien, de 40 anos, e mais 17 lesados. Nas histórias que o Setenta e Quatro recolheu, as perdas variaram entre os 50 mil e os 150 mil euros na totalidade. “Investimos e o pouco que pudemos reaver, foi-nos vedado”, afirma Joana Cunhal.

A indignação levou anos depois à criação de uma página de Facebook. Foi a partir de 2016, depois de Arroja comentar a postura das deputadas do Bloco de Esquerda no Parlamento, que “O Pedro Roja já enoja” surgiu na rede social. 

Com quase 400 seguidores, foi também a partir de lá que o Setenta e Quatro conseguiu reunir alguns contactos de pessoas que, "de alguma forma", eram lesadas em comentários, políticas ou situações financeiras. 

É neste sentido que o economista de longa data, Jorge Duarte não deixa de reforçar que “o abuso de confiança” e “o desaparecimento de determinados ativos” não deveriam ser comuns nas corretoras ou entidades intermediárias", termina. 

De regresso, João Pedro Fernandes pouco mais tem a acrescentar. Sabe de cor a hora, dia e ano em que falou pela primeira vez com o pai sobre a curiosidade de investir em produtos financeiros, os seus conselhos sobre investir e os cuidados que deveria ter. Sabe também a soma dos dias em que viu Pedro Arroja e a forma como os seus milhares de euros rapidamente se evaporaram. “A sensação que tenho é que tudo parece um sonho. Confiei num sistema que me parecia credível e confiável, fiz o necessário para obter respostas. Apenas fica o sabor amargo de que este país é para ricos. Há imenso trabalho a fazer a nível de transparência e integridade do sistema financeiro em Portugal e lamento que as coisas ainda continuem como há 10 anos ou muito pior."

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