quinta-feira, 2 de fevereiro de 2023

Portugal | A ENTREVISTA DA INSTABILIDADE

Miguel PoiaresMaduro | TSF | opinião

Os primeiros-ministros não dão entrevistas com frequência. Quando o fazem é, quase sempre, para anunciar uma novidade importante e marcar a agenda em redor desse anúncio. Não foi o caso da entrevista do primeiro-ministro à RTP esta semana. Não houve qualquer novidade. O mais próximo disso foi o anúncio de um anúncio ao dizer que o governo irá em breve apresentar um plano para a habitação.

O único objetivo que encontro para a entrevista era procurar marcar um momento de viragem face aos casos e instabilidade que têm dominado o governo e procurar matar a especulação crescente sobre a estabilidade e o futuro deste. Acho que esse objetivo não foi atingido.

António Costa nunca conseguirá virar a página enquanto mantiver um governo associado a tantos casos e, ao mesmo tempo, acabar sempre por procurar desvalorizar os casos. É verdade que reconheceu que o governo se pôs a jeito, mas para além dessa afirmação, procurou sobretudo evitar discutir esses casos regressando à tese de que não interessa discuti-los pois o que preocupa os portugueses são os resultados da governação. É um equívoco do PM achar que esses casos e casinhos não são relevantes para o povo português. Independentemente do juízo - bom ou mau - que se faça dos resultados deste governo (e o meu juízo é mais mau do que bom) esta tese do PM é perigosa e um erro.

⁃ Perigosa porque numa democracia a legitimidade nunca pode decorrer apenas dos resultados, como aliás o Deputado Rui Tavares disse no debate parlamentar em que António Costa já o tinha defendido. Há até o risco de se confundir com o famoso "rouba mas faz". Não sendo isto seguramente o que o PM queria dizer a ideia de que só interessam os resultados e não a legitimidade e integridade dos processos de decisão é perigosa em democracia.

⁃ Mas é também um erro porque a probabilidade de obtermos melhores resultados aumenta quanto melhores forem os decisores e a qualidade dos seus processos de decisão. Dizer que não nos devemos interessar pelos processos de escolha dos membros do governo, a sua integridade e a qualidade dos seus processos de decisão é o mesmo que dizermos que não nos devemos preocupar com a escolha do plantel de uma equipa de futebol porque o que interessa mesmo são os resultados em campo. Ora, os resultados em campo dependem muito da qualidade dos jogadores e dos processos de seleção dos mesmos e é por isso que os adeptos se importam com eles.

Que o primeiro-ministro falhou o seu objetivo resulta claro também das declarações do Presidente da República no dia seguinte. Antes da entrevista saíram informações de que o Presidente considera as europeias como decisivas para decidir o futuro do governo e uma eventual dissolução da Assembleia da República. Ao recordar que vários partidos maioritários já perderam as eleições europeias sem isso implicar a queda do governo, oprimeiro-ministro pretendeu matar esta especulação, mas, logo no dia seguinte, o Presidente da República veio associar essa circunstância a um governo em funções mas politicamente morto. Esta troca de galhardetes entre PM e PR representa algo de novo, mas também confirma que o PR pretende preservar aquilo que os casos do governo lhe trouxeram: uma inversão na relação de poder entre PR e PM e maioria. Após as eleições a autoridade política de PM e PS parecia intocável com a maioria absoluta impossível de ser questionada pelo PR. Após estes casos a maioria depende do PR e este pretende que assim continue.

Uma última nota sobre algo diferente. Na entrevista, o PM afirmou que as investigações mais recentes na Câmara Municipal de Lisboa, e que podem vir, pelo menos indiretamente, a envolver o seu atual Ministro das Finanças estão associadas à criação pelo Ministério Público de uma equipa especial de investigação em consequência de um jornal (o Correio da Manhã) se ter constituído assistente no processo. O PM afirmou que o processo estava parado à cinco anos e que foi a constituição do Correio da Manhã como assistente que (cito) "levou o Ministério Público a constituir uma equipa especial de cinco magistrados". A ser verdade, isto seria muito grave e exige uma explicação da PGR porque a decisão de investigar um processo (ou o ritmo e recursos que lhe são destinados) não podem variar em função da constituição como assistente de um jornal. O que o PM afirmou significa que, ou o Ministério Público não estava a investigar adequadamente até passar a existir o envolvimento de um jornal ou que se deixou condicionar por esse envolvimento passando a dar uma importância a essa investigação que ela não merecia. Se não é verdade, então é muito grave que o PM tenha dito tal coisa. Em qualquer caso, é inaceitável num Estado de Direito. Que isto não se discuta é incompreensível para mim.

Imagem: RTP 

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