terça-feira, 28 de março de 2023

Portugal | SEDE DE PUNIR PARA FUGIR AOS PROBLEMAS

Jorge Machado* | Diário de Noticias | opinião

Fomos recentemente confrontados com uma atitude de 13 militares da Armada, do NRP Mondego, que além de incomum, não foi, de certeza absoluta, tomada de ânimo leve. Ao formar no cais, estes militares, com vários anos de experiência e provas dadas de empenho e compromisso com a missão militar, assumiram que o NRP Mondego não tinha as condições mínimas de segurança para cumprir a missão que lhe foi atribuída. Importa reafirmar, pelo que é público, que estes militares não são inexperientes ou sem provas dadas. Os militares em causa têm uma vasta experiência e conhecem o NRP Mondego como ninguém até porque muitos deles receberam o navio quando foi adquirido em segunda mão, pelo que a sua opinião devia ser tida em conta. Aliás, a guarnição do Mondego recebeu há pouco tempo um louvor. É neste contexto, que reduzir o enfoque deste problema a uma questão disciplinar, é errado. Mais errado é quando, em boa verdade, os militares já foram sujeitos a um castigo público, e inédito, diga-se, por parte do Alm. Gouveia e Melo. Alguém ainda terá de explicar se tal ato cumpriu os regulamentos militares.

Dito isto, centremo-nos nas questões de fundo e essas têm a ver com anos de desinvestimento na componente material, humana e social das forças armadas. E quando dizemos desinvestimento queremos dizer também mau investimento. Saltando por cima se para Portugal e as missões constitucionais a opção submarinos deveria ter sido uma prioridade, é uma evidência que a opção de comprar submarinos topo de gama (aliás, só comprámos 2 porque não havia dinheiro para mais) arrastou consigo encargos de manutenção volumosos e hoje assistimos a dificuldades várias de os «aguentar». Não teria sido possível outra opção de modelo, mais barato, mais de acordo com as nossas possibilidades? E o mesmo não se pode dizer dos helicópteros EH - 101? As opções adotadas relativas ao Arsenal do Alfeite conduzindo-o ao estado em que está a necessitar de investimento na sua modernização e em contratação de pessoal, foram tomadas obedecendo a que critérios? O processo dos denominados Patrulhões que, tantos anos depois, continua sem ter fim à vista, resulta de quê? De tal modo que se anda a comprar navios em 2ª mão para conseguir corresponder aos mínimos necessários. E poderíamos prosseguir ilustrando, por exemplo, com a ausência de meios de defesa terra-mar e terra-ar, etc. A conceção prevalecente de adquirir uns equipamentos pessoais, incluindo a arma que substituiu a G3, e alguns meios de deslocação com vista às missões externas, para a partir daí mostrar serviço, ignorando ano após ano o estado de degradação dos meios afetos às missões da componente nacional, diga-se assim para facilitar, conduziu ao que se conhece. A sobrecarga das guarnições dos navios é um facto relatado várias vezes, mesmo no âmbito da Comissão Parlamentar de Defesa. Há muitos anos os militares sabiam que teriam de embarcar, que ali estariam dois anos, desembarcariam, etc. Há muito tempo que o salta de navio em navio é prática corrente, dada a escassez de pessoal. Acresce que ainda por cima, com meios com deficiências várias. A desqualificação da Condição Militar ao longo dos anos. A não revisão das tabelas remuneratórias como se os militares não tivessem família, filhos e contas para pagar. Os perfis de carreira desajustados da realidade atual. Estar 20 anos num mesmo posto é aceitável e motivador? Criar, há anos, o posto de Cabo-Mor na Marinha e ainda estar por definir as suas funções? Um oficial engenheiro no Exército poder ascender, e bem, a CEME, mas isso não poder suceder na Marinha ou na Força Aérea, não é arcaico? O estado da saúde militar (todos nos lembramos dos sinos a tocarem a rebate no final do ano passado) que tem vindo a degradar-se. Um Sistema de Avaliação gerador de injustiças. Tudo isto e muito mais tem sido, ano após ano, desde há muitos anos, exposto, alertado, exemplificado. Qualquer cidadão que acompanhe esta realidade sabe que assim é e, por maioria de razão, qualquer deputado da Comissão Parlamentar de Defesa sabe que assim é. Temos visto muitas notícias a darem conta de centenas de enfermeiros e médicos entregarem declarações de escusa de responsabilidade por não lhes serem garantidas as condições de exercício profissional e com isso poderem causar dano à vida de algum cidadão. Não se está a defender que aos militares lhes seja dada a mesma prerrogativa, mas perante o ato praticado ninguém se interroga sobre o que conduziu aquilo? A reação é, castigo!? Disciplina!?

No meio disto lá apareceu notícia de um despacho a autorizar despesas para manutenção e lá apareceu notícia sobre aprovação da Lei de Programação Militar. Ou seja, atira-se uns números para o éter, mostra-se serviço e siga a Marinha. O problema hoje é mais fundo, porque a degradação e o apodrecimento também o é. E isto nada tem a ver com o profissionalismo dos militares, como não tem nada a ver com o profissionalismo dos enfermeiros, dos médicos, dos cientistas e investigadores. Todos são muito reconhecidos lá fora. Reconhecidos e valorizados materialmente, nas responsabilidades que lhes atribuem, no reconhecimento que lhes prestam, nos cargos funcionais de que os encarregam. O Governo fala muito desse prestígio para Portugal, mas não adota as medidas para esse prestígio ter lugar dentro de portas. O resultado está à vista. Que artigo do RDM ou do CJM se lhes aplica?

*Ex-deputado do PCP da Comissão de Defesa

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