terça-feira, 30 de maio de 2023

Angola | A Recuperação dos Meus Activos -- Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

A cereja está colocada no topo do bolo. Foi divulgada a lista dos cidadãos angolanos que têm contas bancárias em Portugal recheadas com milhões. Hélder Pita Grós pediu e aí vai disto. Espreitei para o rol de milionários e fiquei frustrado. Faltam lá os nomes de Álvaro Sobrinho e Artur Queiroz. Dos outros não falo, nunca quis saber da vida alheia. De mim vou falar ao estilo de confissão ante um padre pedófilo e tarado sexual.

Um dia passava na Mutamba e fui assalto pelas saudades do meu amigo Armindo Alves de Oliveira mais conhecido por Espinha, alto funcionário da Fazenda. Entrei no edifício, pé ante pé. Um funcionário da segurança quis saber onde ia e eu despistei-o: Vou cumprimentar a Dona Vera. Via verde. Eis que vejo um camone com sotaque texano a descer as escadas. Trazia maços de dinheiro a sair dos bolsos, pendurados nas orelhas, no regaço, guardados nas bainhas das calças. Efeitos da nova parceria com os EUA. Um maço caiu e eu apanhei-o, como quem não quer a coisa. Já nem quis saber do gabinete do Espinha ou da Dona Vera.

Como é meu uso e costume comecei a gastar o kumbu à toa, tipo boçal do dinheiro. Sobraram 36 euros e guardei-os no banco. Quando soube que não estava na lista os angolanos investigados pelo Pita Grós fui ao multicaixa, tirei o saldo e lá estava a marca do roubo: 36,75 euros. Alto lá, Eu só roubei 36. Os 75 cêntimos são meus. Daqui envio um apelo angustiado à Dona Eduarda Rodrigues, chefe do Serviço Nacional da Recuperação de Activos, para me facilitar o IBAN da instituição. Decidi devolver a massa. A partir de agora só aceito dinheiro honesto. Limpinho como o dos amigos e amigas do Presidente João Lourenço.

E que tal um negócio como aquele que foi bolado pelo Mais Velho Neves, pai do Artur Neves, sonoplasta, poeta, músico e cantor? Ele era funcionário do Serviço de Geologia e Minas. Um dia resolveu passar a Licença Graciosa em Portugal, para os filhos conhecerem a terra dos seus ancestrais. A esposa era Cuanhama. Como o dinheiro era pouco, fez uma combina com o mata bois no matadouro do Bungo. Ele guardava-lhe os cornos das rezes abatidas. Quando embarcou com a família levava no porão um caixotão cheio de chifres. 

Enquanto duraram as férias o Mais Velho Neves fazia candeeiros com os cornos e vendia as suas obras. Assim sustentou a família durante quase meio ano de lazer em Portugal. Eu posso fazer candeeiros com os meus, tenho uns 40 ou 50 pares. Mas como são virtuais, os candeeiros e as luzinhas são imaginários. Para o negócio dar certo vou convidar o senhor ministro da Comunicação Social para meu sócio. Eu entro com a matéria-prima e ele faz a comunicação institucional. Se vendermos um candeeiro por cada sala de cada gabinete ministerial, ganhamos uma fortuna. Candeeiro imaginário vai ser um sucesso! Ganhamos fortunas.

Ao voo do pássaro sempre vos digo que o mata bois do matadouro municipal do Bungo tinha uma filha lindíssima, morena, cabelos longos a caírem em cascata sobre os ombros. Fomos namorados. Íamos namorar para o adro da Igreja da Nazaré. Depois de cada beijo ela benzia-se, ajoelhava à porta (sempre fechada) do templo e rezava três vezes Ave Maria Cheia de Graça e Pai Nosso. Parece que a penitência lhe foi dada pelo senhor padre durante uma confissão e ela adoptou-a para sempre. De cinco em cinco minutos a menina ajoelhava e rezava. Depois voltava a beijar.

O nosso romance acabou quando me convidou para irmos à missa dominical na Sé. Disse-lhe que não podia aceitar o convite porque estou de relações cortadas com o dono da casa. Perdi aquela que podia ter sido minha mulher para toda a vida. Os piores conflitos são mesmo os religiosos e os que metem dinheiro. Tremendas perdas! 

Agora vou ser um homem honesto. Acabou-se a corrupção. Se o negócio dos candeeiros virtuais não der, já tenho outro em mente. Vou vender, a prestações, programas de luxo nas celas do Estabelecimento Prisional de Viana. Quando o presidente eleito em 2027 começar a meter na prisão ministros, ministras e outra criadagem, já sabem que vão ter celas de luxo. Para o senhor ministro das Águas tenho um programa de jacúzi e piscina na cela de Viana. O senhor ministro dos transportes, se quiser ter uma detenção de luxo, compra-me um programa que inclui viagens de trotinete entre a cela e o pátio do recreio. O ministro do Petróleo pode desfrutar de ar condicionado e luz perpétua.

Tenho um programa para cada pasta ministerial. O senhor secretário Edeltrudes pode adquirir a prestações suaves (tem que ser já, porque está e promoção…), um programa que inclui massagista vietnamita e cozinheira brasileira. O governador Luís Nunes, dado o seu poder de compra, pode adquirir um programa que inclui viagens diárias ao Mussulo. Todos os ministros têm direito a uma catorzinha renovável diariamente. As senhoras detidas têm direito a um vibrador a pilhas com três velocidades. Se este negócio não der certo, desisto. Pode ser que João Lourenço me dê trabalho na Fazenda Matogrosso, a sua Barcelona. que não tenha o mesmo fim do seu antecessor. Pensando bem, já não vou devolver os 36 euros à Dona Eduarda Rodrigues. Os ricos que paguem.

A lista dos angolanos milionários que têm contas bancárias em Portugal fez-me lembrar os velhos tempos do Negage. Os colonos vociferavam: Os pretos são todos uns ladrões. Mas eles é que roubavam os pretos forte e feio. Os pretos não gostam de trabalhar. Mas os pretos é que trabalhavam como escravos e eram pagos com fuba podre, peixe podre, porrada se refilares. Lá por Lisboa, se há angolanos com milhões nos bancos é porque roubaram! Portanto devolvem a massa ao Pita Grós e associados. Se os pretos não gostam de trabalhar como podem ser ricos? E isso de sigilo bancário é só para brancos. O bem bom é para brancos.

Lembram-se da EFACEC? O Pita Grós mandou arrestar a empresa porque foi comprada com dinheiro roubado aos cofres públicos. Foram ver e afinal a proprietária (Isabel dos Santos) pediu dinheiro emprestado aos bancos portugueses para a compra. Hoje já se sabe porquê. A empresa ia construir todos os equipamentos da barragem de Caculo Cabaça. Antes que o negócio dos actuais donos de Angola fosse por água-abaixo, foi preciso fazer esse truque. Agora os alemães vão fornecer os equipamentos. Um banco alemão vai financiar. Tomou o lugar dos angolanos BFA e do BIC. Estão a ver? Fica muita gente com comichões milionárias em nome do combate à corrupção. O negócio contra a corrupção está a dar triliões!

Viver não custa nada. O que custa é saber viver. E o que se leva desta vida é a vida que se leva. Eu só faço merda. Mas não contem com os meus 36 euros. Arrependi-me antes de devolver.

* Jornalista

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