Artur Queiroz*, Luanda
Aleluia é mesmo o António Ferreira, figura ímpar do Jornal de Angola que hoje faz cem anos. Esteve à frente da cabeça comercial com assinalável êxito. Como também era jornalista resolvemos explorar essa sua qualidade para melhorarmos as receitas. Apresentámos ao José Ribeiro, director-geral da Empresa Edições Novembro, um projecto que incluía a produção de dois suplementos temáticos mensais e uma página especial diária. Feitas as contas, esses produtos iam render em publicidade meio milhão de dólares todos os meses!
Aleluia pôs a sua máquina a trabalhar e ficou decidido que o primeiro suplemento era sobre a Província do Huambo. Vesti o camuflado e parti com a equipa para o objecticvo. Fizemos o trabalho que rendeu muito dinheiro em publicidade inserida e redigida. Filho único.
O Jornal de Angola estava morto e já só saía para a rua (dois mil exemplares) para justificar os postos de trabalho e os fundos estatais. Alguém se lembrou do José Ribeiro para evitar o desastre definitivo. Pediram-me um parecer e eu aconselhei ao encerramento do jornal. Mas se a decisão fosse continuar, então o melhor era privatizá-lo. Como estava, só envergonhava o proprietário. José Ribeiro entrou na empresa e ressuscitou o morto. Nada de especial, ele era e ainda é o melhor quadro da comunicação social angolana, área da Imprensa. Eu fui reforçar a equipa ainda que já estivesse a cair da tripeça.
Ao mesmo tempo nasceu uma Redacção Sombra que tinha como objectivo manter o rigor mortis do Jornal de Angola. Tinha que continuar morto, custasse o que custasse. Fizeram 30 por uma linha! A tutela decidiu transformar a Direcção-Geral num Conselho de Administração. José Ribeiro propôs António Ferreira (Aleluia) para administrador da área comercial. Desconseguiu. Nem foi nomeado administrador não executivo. Os mandantes impuseram Vítor Silva que era director do Novo Jornal. Pela primeira vez na História da Imprensa Mundial o director de um jornal privado foi administrar uma empresa pública que editava jornais concorrentes. Mesmo assim o morto ressuscitado não teve segunda morte.
Os artistas das sombras conseguiram eliminar o Aleluia. Sabotaram tudo quanto era mudança. Numa Redacção totalmente informatizada, os mentores do jornal morto e sombrio fizeram um concurso público para admitir revisores! Como se estivéssemos em meados do século XX.
Depois de sucessivos fracassos para matarem o jornal, pegaram fogo às instalações. O incêndio começou num cabo eléctrico em “sobrecarga” na sala da informática! A tragédia não aconteceu porque um guarda novato fez as rondas todas mesmo as da madrugada. Sem ninguém na empresa, ao passar em frente à dependência onde estava o computador central e toda a maquinaria informática sentiu um forte cheio a queimado. Alertou imediatamente os bombeiros e o fogo foi apagado depois de destruir totalmente o equipamento.
Não alastrou para outras dependências e sobretudo não tingiu o depósito de combustível, nesse dia cheio com milhares de litros. Queriam mesmo matar o jornal mas também pegar fogo às instalações, porque alguém queria comprá-las para construir um arranha-céus. José Ribeiro opôs-se e a governadora Francisca Espírito Santo classificou o edifício como património da cidade. Hoje, dia do centenário do Jornal de Angola, não esqueçam a sua intervenção.
Uma equipa fabulosa conseguiu que nesse dia e nos dias seguintes não houvesse perda das edições. Os editores iam buscar material à ANGOP ou ao Centro de Imprensa Aníbal de Melo e editavam. A hora de fecho foi escrupulosamente respeitada. Os esforçados técnicos da informática, com a Sistec, refizeram tudo em três dias, trabalhando 24 sobre 24 horas. O morto não voltou a morrer. Mas a Redacção Sombra ficou furiosa. Os suplementos e as páginas especiais morreram l viraram fretes. O copy-desk foi atacado violentamente. A produção sabotada. Mas o morto está aí vem vivo, faz hoje 100 anos.
Leio a edição do centenário e fico feliz. Gil Semedo celebra 30 anos de carreira. Os Jornalistas foram informados sobre oportunidades académicas no estado terrorista mais perigoso do mundo. A Embaixada dos Estados Unidos da América (EUA) em Angola convidou profissionais para uma sessão informativa sobre o Ensino Superior. A peça é ancorada cm uma fotografia retirada do Facebook da legação diplomática. O embaixador Tulinabo Mushingi estava presente. O empresário e músico Big Nelo comemorou os oito aninhos do filho. Angola vai ter academias de marketing e publicidade. Uma janela de primeira página informa que o “Presidente João Lourenço felicita governos e povos da Coreia e Índia”.
No número do centenário encontrei uma ligeiríssima falha na página “on-line” onde se descreve assim o aniversariante: O Jornal de Angola é um jornal diário angolano publicado em Luanda, sendo o mais antigo ainda em circulação do país, bem como o de maior audiência, com uma quota de 53,6%, em 2016. Publicado e de propriedade da editora Edições Novembro, está sob controlo do Estado angolano desde 1975. Fundação: 16 de agosto de 1923 (99 anos). Alguém se esqueceu de alterar 99 para 100 anos. Festa é festa!
Mas fiquei feliz quando vi na edição de hoje, na orelha direita da primeira página uma vinheta com a legenda: Ano do Primeiro Centenário. A Ilustração é de Casimiro Pedro. Fiquei derretido de alegria quando li na página de Cultura que esta tarde é lançado um livro de prestígio intitulado: JORNAL DE ANGOLA UM SÉCULO DE JORNALISMO PROFISSIONAL. Vou levantar o véu da obra. Abre com um texto assinado pelo Presidente da República. Depois um texto de apresentação do ministro da tutela. Um prefácio de Drumond Jaime.
Os capítulos. Primeiro: História da Imprensa e do Jornalismo Angolano. Textos produzidos para a formação dos profissionais da casa. Segundo: Um Século de Notícias (Recolha de notícias marcantes desde o primeiro número até à actualidade). Terceiro: Reportagens que Fizeram História (desde o primeiro número à actualidade). Quarto: Os Nossos Cronistas (desde o primeiro número à actualidade). Leiam demoradamente este capítulo.
Nunca se esqueçam que alguns directores são também homens de Letras: Fernando Costa Andrade (Ndunduma), Arnaldo Santos, David Mestre, Luís Fernando e João Melo. O ministro da Cultura, Filipe Zau, forneceu algumas “crólicas”. Este capítulo é em cheio! Quinto: Um Jornal na Literatura (Recolha de poemas, críticas literárias e contos do Suplemento Literário dirigido por Carlos Ervedosa. Biografia de Carlos Ervedosa). Sexto: Os Recursos Humanos (Fotos e legendas do Conselho de Administração, jornalistas da Redacção Central e Redacções Provinciais, gráficos, direcções da empresa e serviços de apoio). Cada jornalista da empresa publica um texto dedicado ao centenário. Por favor, guardem um livro para mim.
Logo à noite, na gala de honra, prestigiada com a presença do Presidente da República, a Empresa Edições Novembro vai anunciar a edição das obras dos nossos génios literários do futuro: Pedro da Paixão Franco, Augusto Bastos, Assis Júnior, Agostinho Neto, Mário António, António Jacinto, Mário Pinto de Andrade, Viriato da Criz, Luandino Vieira, Jofre Rocha, e tantos outros que vão ser editados pela empresa proprietária de um jornal centenário.
Eu fui convidado para a gala mas não posso ir porque exigem traje de cerimónia e eu só tenho um kikutu que o Luciano Rocha abandonou em minha casa, fantasia chinesa a imitar veludo. Não consigo abotoá-lo porque a barriga alargou alarvemente. Pançudo!
Na gala de logo à noite o Presidente João Lourenço vai usar da palavra. O ministro da tutela faz um breve discurso e revela que o Jornal de Angola chegou aos cem anos graças ao Presidente João Lourenço. O governador de Luanda (o Jornal de Angola nasceu e continua a viver na capital!) vai falar da importância do Presidente João Lourenço no Jornalismo Angolano do Século XIX. Palpitante. Filipe Zau vai explicar o que significa existir no país um jornal centenário que teve um papel decisivo na promoção da Literatura Angolana.
A Dona Vera Daves também vai botar discurso. Devidamente trançada aproveita a gala para anunciar mais cortes no sector público da comunicação social. O líder da UNITA também está presente. E soube que vai surpreender! No final da gala dos cem anos do Jornal de Angola ele e os seus colegas da direcção do Galo Negro fazem um a imensa fogueira com a edição do dia do aniversário e tudo quanto é notícia impressa. Aproveitam o fogo para queimar mulheres. São todas umas bruxas…
Nota importante. Estou a cair da
tripeça. Já confundo velocidade com precipitação. E penso que este texto tem um
grãozinho de ficção e subjectividade. Acho que estou a perder graça e objectividade.
Uma coisa é certa. Neste dia de festa para o Jornalismo e os Jornalistas, no noticiário
da TPA às 13 horas não foi feita qualquer referência aos cem anos do
Jornal de Angola. Nem uma “nota” do ministério da tutela. Nada! O ódio aos
jornais e jornalistas está
*Jornalista
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