quarta-feira, 22 de novembro de 2023

Angola | Os Desafios da Pobreza – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

Exterminar a pobreza é o grande desígnio nacional. O MPLA apresentou-se a votos prometendo aos eleitores entrar neste combate até à vitória. O seu programa fundador passa por esse objectivo. Produzir mais riqueza e distribuí-la melhor é o ponto de partida. O problema é que em 2017 quem criou postos de trabalho e riqueza foi perseguido. Espoliado. Cilindrado. Quem não fugiu a tempo foi preso. Não se esqueçam do empresário Carlos São Vicente. A sua prisão está a sair muito cara aos angolanos.

No fim de cada legislatura milhões de angolanos têm de, pelo menos, subir além do limiar da pobreza. Ter mais qualidade de vida, o que se traduz, acima de tudo, no resgate da sua dignidade. Estamos a marcar passo ou a cair maciçamente na mais ultrajante pobreza. Ao mesmo tempo o poder político, com a chancela do MPLA, está a vender Angola à peça. Vai tudo, desde o Corredor do Lobito ao petróleo. Quem vende joias em tempo de penúria não está propriamente a vender. Está a desbaratar. A política vigente promove o empobrecimento como nunca se viu. Nem os militares escapam. Vera Daves entra alegremente na tragédia. 

Ninguém me confunda com os populistas. Eu sei que criar riqueza só é possível com muito trabalho. Todos somos chamados a dar mais e melhor, nos nossos empregos. Assiduidade e produtividade são as metas que cada qual tem de atingir, todos os dias, mês a mês, até final da nossa vida activa. Se todos assumirmos este compromisso, a pobreza perde espaço e milhões de angolanos passam a viver com dignidade. 

O problema é que o Executivo está a destruir postos de trabalho com as suas políticas contra o interesse nacional. Com a sua conversão ao clientelismo mais rasteiro. Nada existe aquém e além Carrinho. O Presidente João Lourenço é o patrão dos patrões. O político dos políticos. O líder partidário intangível. A direcção do MPLA deixou-se enredar numa teia de mediocridade que ameaça reduzir a sua influência a um Move Angola de segunda.

Lutar contra a pobreza é preciso muito mais do que conversa oca e gestos teatrais ou penteados de Dona Vera Daves. O Executivo tem que adoptar políticas sociais adequadas. Não o faz. O Orçamento Geral do Estado para 2024 é mais do mesmo. Milhões de angolanos vão ficar ainda mais para trás. Só ficam bem o pai querido bandido e os tripulantes do Carrinho.

Ninguém veja nisto populismo. Sou contra. Defendo que não podemos cair no assistencialismo ou na caridade. Cada ser humano tem o direito à autonomia em todos os aspectos da sua vida. Os que vivem abaixo do limiar da pobreza só podem recuperar a dignidade através de um emprego remunerado, habitação digna, água potável, energia, cuidados de saúde, educação, lazer, acesso à cultura. O Executivo de João Lourenço não quer garantir estas condições mínimas. Pelo contrário. Vai continuar a bater na tecla do assistencialismo e da caridade.

Combater a pobreza exige, desde logo, melhor organização das empresas, uma gestão inteligente e equilibrada, investimentos reprodutivos, sobretudo no mundo rural, onde fazem mais falta, porque é lá que existem as maiores bolsas de pobreza. É nas comunidades rurais que há mais angolanos vivendo abaixo do limiar da pobreza e em condições precárias. Onde estão os empresários? Onde estão os projectos? Só conversa afiada e hinos de louvor a João Lourenço. Mais um ano perdido desta legislatura. 

O Executivo nada tem feito (ou fez muito pouco desde 2017) para incluir no tecido social milhões de angolanos que vivem nas zonas que mais sofrem com as assimetrias regionais. A desertificação humana está a agravar-se. Porque continuam a faltar instrumentos técnicos e financeiros que permitam às comunidades rurais viver do seu trabalho. Para mudar de uma forma irreversível a vida de milhões de famílias angolanas é necessário crédito agrícola bonificado a sério. Apoio ao escoamento da produção sem pedir licença ao Carrinho, mas criando uma rede comercial rural. 

O apoio à produção é importante para combater a pobreza. A disponibilidade de crédito é fundamental para as famílias e as pequenas e médias empresas. A mecanização da agricultura é essencial. A distribuição de sementes com qualidade e ferramentas de trabalho valem ouro nas comunidades em que nada existe. Pouco se vê. Só conversa afiada e cânticos de louvor a João Lourenço. 

A formação é uma componente essencial. Só vemos feiras de vaidades e fogo de vista. Ilusionismo barato. As comunidades rurais precisam de aprender novas técnicas e conhecer novos métodos, para arrancarem da terra os produtos que vão garantir a sua subsistência mas também para produzirem excedentes que lhes garantam algum rendimento. Pouco se vê. O combate à pobreza passa pela formação técnica e profissional. Só truques para os responsáveis meterem dinheiro ao bolso. 

A saúde é fundamental no combate à pobreza. As regiões mais deprimidas, aquelas onde existem maiores bolsas de pobreza, só podem crescer se existir um sistema de saúde eficaz. Andam a construir hospitais de ponta em vez de espalharem postos e centros de saúde aos milhares. 

Senhoras ministras e senhores ministros, os doentes não produzem. Quem está mal alimentado rende pouco. As famílias que vivem sem condições de habitação e higiene, dificilmente saem da miséria. O combate à pobreza passa obrigatoriamente pelo alargamento dos cuidados de saúde a todas as comunidades, sobretudo às que vivem isoladas e em condições muito precárias. Pouco ou nada se vê.

Médicos, enfermeiros e outros técnicos de saúde têm uma palavra decisiva no combate à pobreza. Os postos e centros de saúde, os hospitais municipais, provinciais e gerais têm de funcionar em pleno. Onde há cuidados de saúde, a pobreza diminui. Comunidades saudáveis produzem melhor e têm mais recursos. Pensem nisso no intervalo dos festins de propaganda..

Outra frente fundamental é a Educação. A pobreza é filha da ignorância e da falta de cultura. O valor de um ser humano mede-se pela sua sabedoria. Quem é inculto e sabe pouco, mesmo que tenha muitos bens materiais, é pobre. A riqueza está na sabedoria de cada um. E é preciso ter um espírito aberto, porque aprender, é até morrer. 

Muitos problemas económicos que Angola hoje enfrenta têm origem na ignorância. A delapidação dos recursos é uma consequência da falta de sabedoria por parte de quem tem a obrigação de geri-los bem, ao serviço do bem-estar social, do progresso e da felicidade de todos os angolanos. Os professores são tratados como roboteiros sem ofensa aos roboteiros. Não vejo melhoras substanciais no Orçamento Geral do Estado para 2024. As nossas professoras e os nossos professores continuam atirados para as profundezas da pobreza. Em 2024 ficam a ganhar menos dez por cento. 

Cada escola que abre nas aldeias mais recônditas é uma vitória retumbante sobre a pobreza. Cada criança que entra na escola é um agente de combate à pobreza. Durante esta legislatura devíamos combater a pobreza levando para os bancos das escolas milhões de crianças. Mesmo que a qualidade do ensino ainda não tenha atingido o nível desejável, é importante que as crianças e jovens frequentem as escolas de todos os níveis. Não se vê nada para além dos penteados e gestos teatrais de Dona Vera Daves. E o discurso agressivo da tutela

Quando tivermos milhões de universitários, vai nascer uma comunidade científica que garante ao país investigação e desenvolvimento. Só então podemos falar numa derrota completa da pobreza. Enquanto não existir uma massa crítica, Angola será um país que promete muito, com importantes recursos naturais para ser rico, mas que na verdade é pobre. Não vejo uma aposta séria no Ensino Superior. Só se vê arrogância da tutela.

O combate à pobreza faz-se com mais trabalho, mais produção, mais empenho de todos, nas empresas, nas fábricas e nos serviços. Mas também é preciso combater as bolsas de pobreza com saúde, educação, informação e cultura. Por isso, para produzir mais riqueza e distribuí-la melhor, temos de aprender mais, ser mais saudáveis, mais assíduos e produtivos. Todos temos de dar muito mais para no fim da legislatura podermos olhar para o lado e sentirmos o grande orgulho de vermos menos compatriotas pobres. 

Como a corrupção é combustível do sistema política e económico que estamos com ele, sugiro que se deixem de fantasias e coloquem o combate à pobreza em primeiro lugar. Até 2027 ainda falta muito tempo. Tem a palavra o MPLA. E quando fala o MPLA o FMI mete a viola no saco e vai roubar outros fregueses. Pode levar atrelada toda a tralha que finge governar mas não governa. Os pais queridos que desbaratam o petróleo. Vamos acabar com o comboio malandro fingindo que empurramos para ele andar, mas não empurramos.

*Jornalista

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