quinta-feira, 9 de novembro de 2023

Portugal | Oito anos menos um dia

Cristina Figueiredo, editora de política da SIC | Expresso (curto)

Viva. Antes do mais venho pedir-lhe uma ajuda: aqui no Expresso queremos perceber onde ainda lhe falhamos e no que podemos melhorar. Se puder, entre por aqui e responda-nos a estas perguntas. Não demora mais de dois minutos. Obrigada.

Lembro-me como se fosse ontem: estava um dia de sol e, coisa rara, a equipa inteira da editoria Política do Expresso foi até ao Parlamento ver, ao vivo e a cores, História a ser feita. Nessa terça-feira, 10 de novembro de 2015, PCP, PEV e BE juntavam-se ao PS - numa aliança inédita e tão improvável que tivemos mesmo de ver para crer - e votavam favoravelmente a moção de rejeição ao programa de Governo de Pedro Passos Coelho. Era o primeiro e decisivo passo que levaria António Costa, secretário geral do PS - partido que ficara em segundo lugar nas legislativas de 4 de outubro -, à chefia do Governo. Hoje, exatos oito anos menos um dia depois, fecha-se simbolicamente esse ciclo, quando Marcelo Rebelo de Sousa se dirigir ao país, após a reunião do Conselho de Estado (com início previsto para as 15h00), para anunciar a sua decisão sobre o futuro do país, agora que Costa se demitiu do cargo de primeiro-ministro.

Apesar de ser prudente aguardar para confirmar, já ontem a meio da tarde era notícia em todo o lado que a preferência do Presidente da República vai para a dissolução da Assembleia da República e a convocação de eleições antecipadas (para o final de fevereiro ou o início de março), assim correspondendo à vontade da maioria dos partidos ouvidos em Belém. Com excepção do PAN e do PS (que não escondeu que a sua “solução preferencial” seria continuar no Governo, sem eleições mas com outro elenco chefiado por outro primeiro-ministro - da lista socialista constaria Augusto Santos Silva, Mário Centeno ou António Vitorino), todos querem nova ida às urnas e o quanto antes - embora haja tolerância para a eventualidade de “o quanto antes” acabar por se transformar num “o mais tarde que seja possível”. E poderá acontecer assim porque, por um lado, o Presidente entende que é importante para o país o Parlamento para terminar o processo de aprovação do Orçamento do Estado para 2024 - por mais bizarro que a todos possa parecer fazer aprovar um OE que vai necessariamente ser executado por outro Governo; por outro, porque o PS precisa de tempo para eleger o sucessor de António Costa na liderança do partido. E, a este respeito, sabe-se já que Pedro Nuno Santos deve anunciar a sua candidatura até à próxima segunda-feira e provavelmente vai contar com um adversário interno: o ainda ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro, também se está a preparar para avançar. A Comissão Política do PS reúne-se esta noite para analisar a “situação política nacional” - e o futuro do PS é o tema do Expresso da Manhã de hoje. Já o Conselho Nacional da IL (que se reúne no domingo) iria aprovar Cotrim de Figueiredo para cabeça de lista às europeias, mas a crise política veio alterar-lhe os planos.

Isto tudo acontece, é importante não esquecer, porque há uma mega investigação (que hoje já se sabe ter o nome de Operação Influencer) a decorrer, com vários arguidos (entre eles o ex-ministro do Ambiente, João Matos Fernandes, e o ainda ministro das Infraestruturas, João Galamba) e cinco detidos por suspeitas de corrupção e tráfico de influências (entre eles o chefe de gabinete do primeiro-ministro, Vítor Escária, e o melhor amigo de Costa e consultor do Governo, Diogo Lacerda Machado) que só hoje começarão a ser ouvidos no Tribunal Central de Instrução Criminal. Ontem à noite a SIC avançou que nas buscas ao gabinete de Escária foram apreendidos 75.800 euros em numerário. O jornal Observador, por sua vez, deu conta de mais de 20 escutas telefónicas envolvendo o primeiro-ministro que foram validadas e se encontram no processo. De que suspeita, afinal, o Ministério Público? Pode ler um resumo aqui. Já quanto ao processo autónomo que recai exclusivamente sobre o primeiro-ministro, os socialistas aguardam mais explicações da Procuradora Geral da República, cujo comportamento criticam… ma non troppo. Até porque, além de ter acabado com o Governo, a investigação de contornos ainda muito pouco conhecidos já pôs fim ao sonho europeu de António Costa.

OUTRAS NOTÍCIAS, CÁ DENTRO…

A crise política é só areia temporariamente nos olhos de um país com muitos outros problemas sérios: quase dois terços das famílias que pagam empréstimo ou renda da casa estão a sentir dificuldades em suportar essas despesas. E 12% consideram mesmo estar em risco de perder a casa onde vivem, revela um barómetro sobre habitação da Fundação Francisco Manuel dos Santos, divulgado esta quinta-feira.

Promete dar que falar esta frase de Pedro Passos Coelho: “O Chega não é um partido anti-democrático”, afirmou o antigo primeiro-ministro, em resposta a uma aluna da escola secundária Luís Freitas Branco, em Paço de Arcos, onde foi participar numa sessão sobre democracia.

Cristiano Ronaldo já é oficialmente um dos proprietários do Correio da Manhã. A conclusão do negócio foi comunicada esta quarta-feira à CMVM. O grupo Cofina vai passar a chamar-se Expressão Livre.

“Noite terrível” (escreve a Lídia Paralta Gomes) para o Benfica, que está fora da Liga de Campeões após ter perdido por 3-1 com o Real Sociedad, na quarta derrota em quatro jogos. “Merecemos estar fora”, reconheceu o treinador Roger Schmidt.

O Sporting de Braga também perdeu (para o Real Madrid, por 3-0) mas mantém-se em jogo na Liga dos Campeões, ao preservar o terceiro lugar no grupo C da competição.

…E LÁ FORA

Quase nem demos pela (triste) efeméride, surpreendidos que fomos nesse mesmo dia pela demissão de António Costa, mas já passou um mês desde que se reacendeu, e com que violência, o conflito no Médio Oriente. Nas últimas do conflito, Israel assegura que o Hamas “perdeu o controle” do norte da Faixa de Gaza e o Presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, propõe uma conferência de paz, promovida pela UE, defendendo a solução de dois Estados. E a propósito, saiba aqui quantos países já reconhecem o Estado da Palestina e quantos ainda não o fizeram.

Noutra guerra que mesmo antes da nossa crise política interna já tinha passado para segundo plano, a Rússia está a enviar prisioneiros de guerra ucranianos para as linhas da frente no seu país, para lutarem ao lado das forças russas na guerra contra a Ucrânia.

Três entrevistas que vale a pena ler: esta à escritora russa Lyudmila Ulitskaya - com quem o Expresso se encontrou no festival literário Utopia, em Braga -, que se refugiou em Berlim após a invasão da Ucrânia; esta ao ex-juiz do Tribunal Constitucional espanhol Joaquin Urias sobre a politização da justiça - o tema, que está de regresso em Portugal, há muito que não sai da mesa em Espanha; e esta à escritora italiana (estreante e com apenas 28 anos) Beatrice Salvioni que adverte que “o fascismo não acabou, está em hibernação”.

FRASES

“Pede-se aos mais altos responsáveis do PS que tudo façam para que haja um entendimento em torno de uma candidatura à liderança do partido”

Francisco Assis, em tempos candidato à liderança do PS, em declaração enviada à Lusa após ter almoçado com Pedro Nuno Santos, mais que provável futuro candidato à sucessão de António Costa

“Do nosso ponto de vista, e essa é a solução preferencial, é possível no atual quadro parlamentar prosseguir a experiência governativa”
Carlos César, presidente do PSD, à saída da audiência com Marcelo Rebelo de Sousa

“[É preciso] cortar o mal pela raiz, iniciar um novo ciclo”
Luís Montenegro, líder do PSD, à saída da audiência com o Presidente da República

“Em qualquer circunstância, independentemente das exigências que o senhor Presidente venha a fazer à direita em matéria de Governo, da nossa parte haverá uma atitude proativa e positiva na construção dessa alternativa”
André Ventura, líder do Chega, à saída da audiência com o Presidente da República

“As declarações do presidente do Supremo Tribunal de Justiça são declarações de tasca ou de café”
Manuel Magalhães e Silva, advogado de Diogo Lacerda Machado, sobre o facto de Henrique Araújo ter afirmado que “a corrupção está instalada em Portugal”

PODCASTS A NÃO PERDER

Fim inesperado para a etapa de Costa. A Comissão Política do Expresso (com moderação de Eunice Lourenço e os comentários de David Dinis, Vítor Matos e Liliana
Valente) analisou, ainda na terça-feira, a demissão do primeiro-ministro, que apanhou todo o país de surpresa

Quais são os negócios que levaram à crise política? O que está em causa na investigação? Perguntas a que o último episódio de Economia dia a dia se propõe responder. Teresa Amaro Ribeiro fala-nos do hidrogénio, do lítio e do centro de dados em Sines

Confessa
que os políticos não a inspiram (vá lá saber-se porquê). A astrobióloga Zita Martins, que já trabalhou na NASA e hoje é consultora do Presidente da República para a Ciência, Inovação e Transição Digital, é a convidada de Bernardo Ferrão no último episódio de Geração 70

O QUE ANDO A LER

“Pátrias - uma história pessoal da Europa” (Temas e Debates), de Timothy Garton Ash, o professor de Estudos Europeus da Universidade de Oxford e colunista do diário britânico The Guardian. Originalmente, o autor parte das suas memórias pessoais (diários, apontamentos, leituras, encontros, viagens) para escrever não uma autobiografia, mas uma história da Europa (o seu objeto de estudo de eleição - e de paixão) a partir de 1945 (do fim da II Guerra Mundial) até aos nossos dias (e à guerra na Ucrânia). Uma boa ajuda para compreendermos um pouco melhor este continente em que vivemos e este projeto (que parece cada vez mais utópico) de sermos uma sociedade comum.

Este Curto fica por aqui, 100 anos depois de Adolf Hitler e vários elementos do Partido Nacional Socialista terem tentado um golpe de Estado para conquistar o poder na Baviera, no que ficou conhecido como o Putsch de Munique. E 34 anos depois da queda do muro de Berlim. Assim se faz a História: de recuos que hão-de permitir avanços; de avanços que acabarão por conduzir a novos recuos. Amanhã (hoje ainda, a partir das 23h00, para os assinantes digitais) há Expresso nas bancas. A qualquer hora encontra-o aqui. Tenha um dia bom. 

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