terça-feira, 30 de janeiro de 2024

Aniversário de Luanda em Tempo de Genocídio -- Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

O capitão general Paulo Dias de Novais fundou Luanda no dia 25 de Janeiro de 1576. Os primeiros portugueses chegaram à Ilha do Cabo e lá assentaram arraiais. Só mais tarde passaram para a base do morro onde está a Fortaleza de São Miguel.

Em 2014 publiquei o livro “Luanda Arquivo Histórico” (Edições Novembro) onde incluo textos publicados no Jornal de Angola e material produzido há muitos anos mantido em arquivo pessoal. Desses textos mando hoje dois, um sobre os primeiros comboios em Angola (o caminho-de-ferro começou em Luanda) e outro fala da primeira fábrica de tabacos que foi também a primeira unidade fabril estabelecida na então colónia.

Hoje devia ser um dia de festa para quem ama Luanda. Mas é um dia de luto. O assassino Blinken foi recebido no Palácio da Cidade Alta com a subserviência dispensada aos governadores colonialistas. Tete António trata o genocida do Povo Palestino por “Antony”, tu cá tu lá. A TPA descobriu um norte-americano que vive em Angola há 20 anos. Ernesto Bartolomeu esteve à conversa com ele durante meia hora, no início do noticiário das 20 horas de hoje! Todos lambendo o chão pisado pelos gringos!

A tristeza carrega uma ténue esperança. Africell, operadora de comunicações ao serviço do estado terrorista mais perigoso do mundo, espalhou por Luanda, neste dia do 448º aniversário da nossa cidade, grandes cartazes com a fotografia do assassino e genocida Blnklen. Ficámos a saber por que razão João Lourenço e seus ajudantes estão a destruir a UNITEL. A nossa operadora, que nasceu em Angola, cresceu em Angola, criou riqueza para Angola e milhares de postos de trabalho a angolanos. O Aguinaldo Jaime, criado para todo o serviço, foi enviado para a empresa com a missão de acabar com ela. 

Assim a quota de mercado da UNITEL passa para a Africell. Agora só falta saber quem ao nível do Executivo vai facturar com esse crime económico sem perdão. Nada de falinhas mansas. O que estão a fazer com a UNITEL é um crime económico gravíssimo. Para beneficiar a Africell que dá as boas-vindas ao assassino e genocida Blinken em grandes cartazes. Se a moda pega, os sicários da UNITA vão encher as ruas das nossas cidades com cartazes agradecendo ao criminoso de guerra Jonas Savimbi ter andado a matar angolanos ao serviço dos racistas da África do Sul e do estado terrorista mais perigoso do mundo.

No tempo do colonialismo, os Blinken que chegavam de Lisboa iam à rebita e comiam funje. O assassino e genocida também foi comer funje e disse que a fuba é um alimento muito nutritivo. David Bernardino, médico especialista em saúde pública e que sabia muito de nutricionismo, dizia o contrário. 

O pirão é pouco nutritivo. Para as crianças e adultos ficarem bem alimentados, David Bernardino, assassinado pelos esbirros de Savimbi, receitou leite em vez de água na confecção do pirão! E ia todos os dias à Empresa de Lacticínios de Angola (ELLA) na Cela, recolher tambores de leite desnatado. Só não tinha a gordura, todos os outros nutrientes estavam intactos. Distribuía o leite pelas Mamãs dos bairros pobres da cidade do Huambo. Claro que o assassino e genocida Blinken sabe tudo de funje. Come grandes funjadas com o Biden! 

O governador do protectorado fez um discurso arrebatador. E disse que “África deve garantir a sua segurança alimentar”. Mas como, assassino e genocida? O estado terrorista mais perigoso do mundo e seus cúmplices comem tudo e não deixam nada. África é saqueada sem dó nem piedade pelas grandes potências ocidentais. O Corredor do Lobito nas mãos dos bandoleiros serve para saquear melhor as riquezas da República Democrática do Congo e da Zâmbia! E Com a ajuda de João Lourenço! É muito capanga exaurindo o continente africano!

O senhor director do Centro de Ciência de Luanda, Domingos Neto, garantiu ante as câmaras da TPA que Blinken gostou muito de funje e seus condutos. O funje é científico. Angola vai exportar mandioca aos milhões de toneladas para os EUA! Estamos salvos.

O assassino Blinken disse hoje em Luanda que “esta guerra começou no dia 7 de Outubro com o ataque do HAMAS a Israel”. Ninguém o interpelou. Ninguém o confrontou com a verdade. Não, assassino e genocida! Não há guerra nenhuma na Faixa de Gaza. O que existe é um genocídio levado a cabo pelos nazis de Telavive, financiados, armados e municiados pelo trio assassino Blinken, Biden e Austin.

A guerra dos nazis de Telavive contra os povos do Médio Oriente começou há 70 anos. Israel ocupa ilegalmente a Palestina há mais de 50 anos. É preciso ter lata para vir a Luanda vender mentiras aos angolanos. Nenhum jornalista invectivou o assinado mentiroso. 

Luanda faz hoje anos! Com o assassino Blinken à solta no Palácio da Cidade Alta e no Palácio do Comércio (Ministério das Relações Exteriores).

Por favor, leiam o que diziam os presidentes e secretários de Estado dos EUA ao ditador Mobutu. Era o campeão da paz em África! O Zaire era o país mais importante de África para Washington. A CIA tinha mais força em Kinshasa do que em Langley, a sua sede da Virgínia. Mobutu, para o estado terrorista mais perigoso do mundo, era um grande democrata! João Lourenço está a receber os mesmos elogios. Faz o mesmo papel. Espero sinceramente que não tenha o mesmo fim.

Leiam dois textos que vos envio e que têm a ver com a capital angolana.

* Jornalista

ANIVERSÁRIO DE Luanda

Os Primeiros Anos do Comboio em Angola

 O primeiro “esboço” de caminho-de-ferro em Angola é de Pompílio Pompeu de Carpo, que em 1848 decidiu ligar Luanda a Calumbo por comboio, um meio de transporte revolucionário e que na época dava os primeiros passos. O autor, natural da ilha da Madeira, era homem dado a revoluções. Foi preso por atentar contra a coroa portuguesa e veio cumprir pena na Fortaleza de São Miguel.

O madeirense era homem culto e teve um papel importantíssimo na Imprensa Angolana. Era proprietário da tipografia que imprimiu o Boletim Oficial, o primeiro jornal angolano. Para recuperar a liberdade, ele ofereceu-a ao governador Pedro Alexandrino da Cunha. Dinamizou o Teatro Provindência, foi panfletário e polemista. Falava fluentemente o inglês e tornou-se agente comercial com ligações privilegiadas à praça de Londres, que na época era o primeiro mercado mundial de matérias-primas. Por isso fez fortuna fácil e rápida.

Em 1848, apresentou o projecto do caminho-de-ferro aos comerciantes de “Loanda” Silvano Francisco Luís Pereira e Eduardo Germak Possolo. Pompílio de Carpo ainda conseguiu incluir na sociedade herr Shut que era o cônsul honorário de Portugal em Hamburgo e facilitava a aquisição de locomotivas “Henchel” e as carruagens. As famosas locomotivas inglesas ficavam por conta do autor do projecto. Quem fizesse melhores condições, fornecia o material circulante.

Pompílio Pompeu de Carpo era mais dado ao teatro e ao jornalismo, por isso o projecto do caminho-de-ferro entre Luanda e Calumbo ficou para segundo plano. Os sócios também se desinteressaram, porque os custos das locomotivas e vagões eram elevadíssimos.

O governador-geral José Baptista de Andrade retomou o projecto em 1862. Mas pouco adiantou porque não conseguiu atrair capitais privados e os cofres públicos estavam depauperados. Mas em 5 de Agosto de 1873, o então ministro do Ultramar e da Marinha, Andrade Corvo, ordenou ao governador-geral de Angola que iniciasse de imediato a execução de projectos que dotassem Angola de “viação pública”. 

Em Luanda nada aconteceu. O ministro insistiu em 5 de Fevereiro de 1874. O governador ignorou as ordens. Pressionado por Lisboa, em Dezembro assinou um decreto que aprovava o contrato para construção do caminho-de-ferro de Calumbo, entre o Governo-Geral de Angola e um consórcio formado por poderosos comerciantes e industriais de Luanda: Augusto Garrido, Alberto da Fonseca Abreu e Costa, José Jacinto Ferreira da Cruz, proprietário da Fábrica de Tabacos Ultramarina, Ângelo Prado, Matoso da Câmara e Isaac Zagury.

Em 1877 o ministro Andrade Corvo veio a Luanda, viajando no navio “Índia”, da Marinha de Guerra. Foi acompanhado por uma equipa de engenheiros liderada pelo major Manuel Rafael Gorjão. iamparte do grupo Arnaldo de Novais, Gualberto Bettencourt Rodrigues, Henrique Santos Rosa, Neves Ferreira, Domingos de Figueiredo e Frederico Torres. Estes técnicos, por ordem do ministro, recebiam salários muito acima do normal e eram pagos por um “saco azul” e não pela folha de salários da administração colonial. Nada lhes faltava. Eles tinham que “desencalhar” o comboio a todo o custo. Mas o objectivo agora era levar o comboio até ao Lucala. E o projecto mudou de nome: Caminho-de-Ferro de Ambaca.

Com destino à Funda

Os técnicos perderam muito tempo a discutir o traçado da linha. Uns defendiam que ela devia ser complementar aos transportes fluviais através do rio Cuanza. Outros queriam que a linha fosse autónoma. Face às desinteligências, a construção efectiva da linha apenas começou em 31 de Outubro de 1886. O director das obras era João Burnay, um experimentado engenheiro em ferrovias. Era tão competente que em 31 de Outubro de 1888 foi inaugurado o percurso de 45 quilómetros entre Luanda e a Funda.

O governador decretou feriado e o comércio de Luanda fechou para todos irem à Estação da Cidade Alta ver partir o comboio, puxado por uma moderna máquina Armstrong. Em seguida, arrancou a construção do Caminho-de-Ferro de Malange e ao mesmo tempo o Ramal do Golungo Alto.

No Dombe Grande começa a ser construída a linha de 17 quilómetros, para o posto do Cuio. No sul arrancaram as obras do Caminho-de-Ferro de Moçâmedes em direcção ao Lubango, vencendo a serra da Chela, considerada intransponível. Mas para as famosas máquinas alemãs Henchel e Koppel não havia impossíveis.

Do Lobito ao Cubal

O inglês Robert Williams descobriu as minas de cobre do Katanga e percebeu que só podia retirar o minério pelo porto do Lobito. Propôs ao governo português a construção de um caminho-de-ferro até à fronteira com o então Estado Independente do Congo ou Congo Belga. Em 1902, foi assinado o contrato de concessão por 99 anos. Portugal, de imediato, criou o distrito da Lunda e nomeou seu primeiro governador o então major de infantaria, Henrique de Carvalho, profundo conhecedor da região. Bruxelas e Lisboa travavam uma renhida disputa fronteiriça. Os portugueses responderam com a extensão da autoridade do Estado a todo Leste de Angola.

Em Março de 1903 começaram os trabalhos na linha, a partir do Lobito. A saga da construção do CFB é um romance! Operários europeus, desde portugueses a gregos e italianos, trabalhavam de sol a sol no assentamento dos carris. Milhares de angolanos derramavam o seu suor no canal ferroviário. Em 1908, aconteceu História: GForam inaugurados os primeiros 197 quilómetros entre o Lobito e o Cubal.

Quem vê nessa saga heróica os dias de hoje, está a ver bem. A reconstrução do CFB teve a mesma coragem e a mesma força que permitiram concretizar os mesmos sonhos de há cem anos. O Corredor do Lobito é património dos Angolanos. Não dos ladrões mancomunados com o poder. Ainda em 1908 a linha avançou para o Cuma (Ukuma). E em 31 de Julho de 1911, há mais de 100 anos, o comboio saiu do Lobito, todo engalanado, só parando na estação do Lepi. Estavam construídos 360 quilómetros de linha!

Os que Rasgam Caminhos

Os operários da via-férrea trabalhavam noite e dia para levar o comboio até à fronteira, que naquele tempo ainda não estava estável nem definida. E em 4 de Setembro de 1912, o comboio chegava ao Huambo, nesta altura ainda uma espécie de acampamento dos ferroviários.

Em 18 de Outubro de 1913 o comboio do CFB puxado por uma moderna e potente Armstrong, apitava no Chinguar. As quitandeiras ofereciam aos viajantes cestinhos de morangos e loengos. Os registos marcam até aqui, 519 quilómetros de linha, desde o porto do Lobito.

Logo a seguir rebentou a I Guerra Mundial. Os portugueses ra todos os seus recursos para combater os alemães que na época ocupavam a Namíbia (Damaralândia). Os ingleses fizeram um esforço financeiro gigantesco para combater o inimigo alemão. Os trabalhos pararam. Os que rasgam caminhos ficaram sem trabalho e fixaram-se nas estações ao longo do canal ferroviário que já funcionava. Foi assim que o Huambo cresceu e se fez cidade.

Quando foi assinado o armistício no palácio de Versalhes (Paris) a Europa estava destruída e sem dinheiro. As obras do CFB estiveram paradas dez anos. Mas em 1923 ra, com uma força de trabalho mais reduzida. Em 31 de Janeiro de 1924, o comboio chegou ao Cuito (Sila Porto). Mas as obras continuavam. Em Setembro de 1925 o comboio chegou ao rio Cuanza e passou para o outro lado, através de uma ponte em ferro com 160 metros! O registo revela que estavam tão construídos 725 quilómetros de linha. A fronteira estava cada vez mais perto. Mas ainda não se sabia qual era.

A ponte foi projectada para o comboio. Mas o Governo-Geral de Angola fez um acordo com o CFB e pagou à parte os trabalhos que permitiram que a ponte servisse também para peões e automóveis.

Os que rasgam caminhos passaram rapidamente o Munhango e Luena (Vila Luso). Seguiram em direcção à fronteira. Portugal e Bélgica discutiam o traçado exacto da fronteira Leste.

Em 1927 foi assinado o Tratado de Luanda. Portugal conseguiu incluir em Angola a chamada “Bota do Dilolo”, uma área de 3.500 quilómetros quadrados, entre o Luau e um pouco mais abaixo do saliente do Cazombo. Imediatamente fica definido o ponto de chegada do comboio: Luau, até àquela data território do Congo Belga.

No dia 11 de Janeiro de 1929, o comboio saído do Lobito entrou triunfante na estação do Luau. Tinha acabado de percorrer 1.347 quilómetros. No Tratado de Luanda está incluída uma Convenção sobre livre a circulação de pessoas e mercadorias belgas através do CFB. Afinal o comboio é estratégico para os dois lados. O canal ferroviário entre o Lobito e o Lau é nosso. Construído por nós há mais de cem anos. Reconstruído por nós quando terminou a guerra. Os bandoleiros que se apoderaram do Corredor do Lobito não podem roubar o que é nosso! Ninguém no governo tem poder para oferecer o nosso património colectivo.

De Luanda a Malange

A linha de Ambaca (de Luanda à margem direita do rio Lucala) ava a funcionar. A linha de Malange e o ramal do Golungo Alto estavamão em construção.

A linha do Lucala a Malange arrancou em força, numa extensão de 148 quilómetros e os primeiros 140 quilómetros, até Matete, foram inaugurados em 8 de Setembro de 1907.

O percurso entre Matete e Malange abriu ao tráfego em 1 de Setembro de 1909, há 115 anos.

O ramal do Golungo Alto, tem 31 quilómetros. Os primeiros 14, entre Canhoca e Cambondo, ficaram concluídos em 28 de Agosto de 1913. A linha ficou completa, em 20 de Outubro de 1915.

Em 1918 todas as linhasforam integradas numa nova empresa: Caminho-de-Ferro de Luanda.FoiÉ construído nesse ano, o ramal de Calumbo. Estava realizado o sonho de Pompílio Pompeu de Carpo. O CFL também integrou a antiga linha do Bengo, até Catete e a chamada bolsa de Cassoalala. A nova empresa ficou a gerir 617 quilómetros de via-férrea.

Do Namibe ao Lubango

A “febre” do caminho-de-ferro chega ao sul de Angola. Os alemães tinham um projecto de ocupação do território até pelo menos à margem sul do rio Cunene. E depois construir uma via-férrea que nascia num porto a construir na Baía dos Tigres ou Tombwa e penetrava o interior de Angola até ao Cuando Cubango, descendo depois para a Namíbia e África do Sul.

Os portugueses, conhecedores dos planos alemães, em 28 de Setembro de 1905 começaram a construir uma linha entre o porto do Namibe e o Lubango, numa extensão de 248 quilómetros. Em 19 de Fevereiro de 1907 estavam construídos os primeiros 67 quilómetros. Em Maio de 1916 o comboio estava na Bibala (Vila Arriaga) numa extensão de 186 quilómetros. E aí ficou durante sete anos.

O comboio só chega ao Lubango em 31 de Maio de 1923. A empresa ainda construiu alguns quilómetros de linha em direcção à Chibia, mas o projecto foi abandonado. O canal
ferroviário para o Cuando Cubango, arrancou muito mais tarde.

Comboio do Café

A região da Gabela começou a marcar pontos na produção de café. Um grupo de fazendeiros e comerciantes, liderado pelos proprietários da fazenda CADA, decidiu construir uma via-férrea até Porto Amboim, numa extensão de 106 quilómetros. Os primeiros 80 quilómetros, até Carlaongo, foram inaugurados em 1 de Julho de 1925.

A linha do Caminho de Ferro do Amboim ficou concluída em 1931. Em 1933 transportou 985 passageiros e 6.780 toneladas de café.

Cada passageiro que viajava nos comboios de Angola pagava 0,01 tostão por quilómetro, em terceira classe. Em segunda, 0,03 e em primeira, 0,05. Cada tonelada de carga geral custava 0,06 tostão. Mas produtos como o café, milho e sisal tinham uma redução de 50 por cento, o que fazia do caminho-de-ferro um meio de transporte muito barato.

Bandoleiros viciados no saque de África e que apostam na fome dos africanos apoderaram-se do Corredor do Lobito. Quem os ouvir pensa que elesque inventaram os comboios e construíram os nossos canais ferroviários. Tudo mentira. Tudo fumos espessos de corrupção com a cumplicidade do poder. Um dia a Justiça dirá a última palavra.

A Primeira Fábrica de Tabaco em Angola

Artur Queiroz*, Luanda

A primeira grande unidade fabril em Angola nasceu em Luanda. Manipulava tabaco e pode dizer-se que marcou o nascimento da era industrial na então colónia. O comerciante José Jacinto Ferreira da Cruz, um português que fez fortuna no Brasil, foi o fundador, em 1876, de “uma casa para fabrico de tabacos” em local que se desconhece. Só em 1884 ele alugou amplas instalações junto à igreja dos Remédios (Sé de Luanda) e montou a maquinaria moderna que tinha trazido de Portugal.

Na época, Luanda limitava-se à parte Norte da Cidade Alta e ao bairro dos Coqueiros. No outro extremo, e excêntrico ao núcleo urbano, existia o Bungo. Nada mais. Em Angola existiam 9.200 europeus, na maioria funcionários públicos ou militares. O comércio vivia das kitandas e meia dúzia de armazenistas. A indústria não existia.

José Jacinto emigrou para o Brasil e por lá fez fortuna. Antes de regressar a Portugal fez uma viagem a Angola para analisar possibilidades de negócio. Visitou a Mussumba do Muatiânvua, servindo-se dos bons ofícios do então major Henrique de Carvalho que era uma espécie de embaixador de Portugal na Lunda e fez importantes estudos etnográficos e sociológicos da região Leste de Angola. 

O empresário, um ano mais tarde e já a residir em Portugal, regressou a Angola, embarcando no vapor “La Plata” que fez escala em São Tomé. Ladislau Batalha, desiludido com a política, tinha abdicado do seu lugar de deputado e viajava para a ilha onde queria “tomar notas” para um romance. Na viagem fez amizade com José Jacinto. Batalha e Henrique de Carvalho, mais tarde, publicaram biografias de José Jacinto Ferreira da Cruz.

O empresário desembarcou em Luanda no mês de Agosto de 1876 com toda a maquinaria necessária para montar uma fábrica de tabacos. A primeira grande indústria que nasceu em Luanda foi apetrechada com modernas máquinas de pique do tabaco, prensas, estufas e embaladoras. Conhecedor das dificuldades em Luanda, trazia máquinas modernas de tipografia onde imprimia as embalagens dos produtos. O “design” era moderno e arrojado. 

A unidade fabril foi instalada num prédio nas imediações da igreja dos Remédios e no final de 1876 a fábrica já estava a laborar. Em 6 de Outubro de 1884, José Jacinto comprou um grande prédio ao comerciante Filipe José de Sá, que tinha fachada virada para a Marginal. E por lá ficou até mudar para as actuais instalações, na Estrada de Catete.

A zona da cidade escolhida era na época o seu centro cívico mas também industrial. As tipografias onde se produziam os jornais, as suas redacções, também se apinhavam à volta da igreja que mais tarde passou a Sé Catedral.

A biografia de José Jacinto, escrita por Henrique de Carvalho, revela que o agora industrial fez um estágio prolongado na Mussumba do Muatiânvua onde desenvolveu a cultura intensiva de ramas de tabaco. Em 1877, a fábrica de Luanda já era alimentada em mais de 65 por cento por ramas produzidas na Lunda e no Norte de Angola.
O Caminho-de-Ferro de Luanda a Ambaca permitiu que se desenvolvessem no Cuanza Norte e Malange as plantações de tabaco. Na época, o núcleo que mais cresceu na produção tabaqueira estava localizado entre Cacuso e Calandula.

As ramas nacionais eram de qualidade duvidosa mas os tabacos exóticos para os “picados” eram importados dos melhores fornecedores de Havana. José Jacinto soube contratar peritos e apoiou os camponeses que se lançaram nas plantações de tabaco. Em poucos anos as ramas nacionais melhoraram de qualidade e os produtos daquela que em 1904 viria a chamar-se Fábrica de Tabacos Ultramarina (FTU) ganharam grande prestígio no mercado interno. Os “picados” (tabaco em onça) eram apreciados até no estrangeiro.

Flor do Dande

O empresário que fundou a primeira grande fábrica em Angola ganhou a admiração dos luandenses e as forças vivas, em Julho de 1884, indicaram-no para presidente da Câmara Municipal de Luanda. José Jacinto na época já era um homem na casa dos 50 anos, estava a triunfar em toda a linha em Angola.

Em 1886, o picado “Flor do Dande”, que tinha uma embalagem arrojada e moderna, ganhou a medalha de ouro na Exposição de Antuérpia. A fábrica conquistava prestígio internacional e consolidava a sua posição no mercado interno. Para se fazer uma ideia da grandeza da unidade fabril, basta dizer que empregava 50 operários o que na época era raro no mundo.

Nesta fase de grande sucesso, a empresa produzia picados de alta qualidade sendo o “Flor do Dande”, o “Holandez”, o “Meio Forte” e o “Repicado” os mais famosos. Estes produtos eram “fumados” em cachimbo ou em mortalha e a fábrica vendia-os ao quilo. Também foram lançados no mercado os famosos charutos “Jacintos” em caixas de 100. Eram manipulados à mão e conquistaram o mercado de Lisboa. Há referências interessantes aos “Jacintos” em textos de Ramalho Ortigão, Eça de Queiroz ou Jaime Batalha Reis.

Os cigarros eram produzidos em embalagens de 490 unidades, muito coloridas e atraentes. Os “Francês nº1”, “Estrella”, “São Rafael” e “Hermínios” foram as marcas que conquistaram mais sucesso. Os “Hermínios” tiveram longa vida e conquistaram um lugar cimeiro no mercado internacional entre os tabacos negros.

A viúva Lousada

Em 1890, José Jacinto Ferreira da Cruz foi surpreendido com o aparecimento de uma fábrica de tabacos em Luanda, propriedade de uma enigmática “Viúva Lousada”. A imprensa da época, sobretudo O Mercantil, saudou a nova unidade fabril mas Ladislau Batalha, nesta época já a dar cartas no jornalismo angolano nos projectos de Alfredo Troni, escrevia que a nova fábrica não tinha “esmero” na produção de tabaco.

A viúva, de que nada se sabe para além do nome “Lousada”, aproveitou com grande habilidade a publicidade que lhe estava a ser feita e revelou-se como uma concorrente de peso da futura FTU. Os preços dos picados caíram e os charutos da nova fábrica, feitos à mão, conquistaram o gosto dos luandenses. Os cigarros tiveram pouco sucesso, mas o seu negócio forte era mesmo a venda de tabaco em onça.

A viúva tinha pombeiros e funantes que iam buscar as ramas a Cacuso e Calandula. Só usava ramas nacionais e por isso apenas produzia tabaco negro e meio claro. Acontece que o gosto dominante era pelo tabaco forte o que lhe dava grande vantagem em relação à gigante FTU. As mamãs, na época, enrolavam os seus cigarros e fumavam com a parte acesa dentro da boca. Uma belíssima tela de Albano Neves e Sousa, datada de 1953, mostrava uma mulher luandense a fumar um artístico cachimbo.

José Jacinto, que além de rico tinha influência política, decidiu eliminar a concorrência. Mas a “Viúva Lousada” era uma mulher de armas e não capitulou, pelo contrário, conquistava cada vez mais clientes e começava a fazer sombra à FTU, porque tinha custos baixos e os seus preços eram arrasadores.

O empresário não teve outro remédio e comprou a fábrica à viúva que acabou os seus dias vivendo dos rendimentos. José Jacinto estava outra vez a trabalhar em monopólio. A sua empresa, nesta fase já tinha grande experiência na manipulação de tabacos e apoiava cada vez mais camponeses nas plantações do Norte e da Lunda. Mas o empresário não soube prever que a primeira “grande depressão” em Angola caminhava a passos largos e em 1897 a fábrica entrou em decadência, seguindo o rumo da economia da então colónia de Angola.

Falência do sistema

Angola viveu durante muitos anos do negócio de escravos. E o surgimento de uma grande fábrica em Luanda como a de José Jacinto Ferreira da Cruz não disfarçou a ausência de estruturas económicas na capital e no país. A burguesia negra perdia poder económico a olhos vistos e em 1897 deu-se a falência generalizada. As grandes empresas da época estavam hipotecadas ao Banco Nacional Ultramarino e antes de 1900 estavam todas nas mãos da instituição bancária que accionou as hipotecas.

Em Janeiro de 1897, o poderoso José Jacinto Ferreira da Cruz foi forçado a hipotecar a fábrica ao banco. A hipoteca foi accionada em 1904, no auge da “grande depressão” em Angola. O empresário já doente e cansado faleceu. O seu funeral mobilizou toda a Luanda que acompanhou o féretro entre a igreja do Carmo e o Cemitério do Alto das Cruzes. Mas a fábrica, agora com a designação de FTU, continuou até aos nossos dias e suportou a concorrência de outras empresas de tabacos que entretanto surgiram em Angola.

A erva prodigiosa

O tabaco, conhecido por erva-santa, é oriundo das Antilhas e partiu para o mundo no século XVI, pela mão dos navegadores portugueses. Rapidamente chegou a Angola e ao longo dos séculos foi aumentando o seu cultivo no nosso país. No século XIX, quando surgiu a primeira grande fábrica em Luanda, já existiam ramas angolanas cotadas internacionalmente: Ambaca, Zanga e Lola, uma pequena circunscrição entre Quilengues e a Lucira, que teve grande importância na produção tabaqueira porque os terrenos do vale do rio Bentiaba têm excelentes qualidades para o desenvolvimento da planta. Mais tarde foram cotadas as ramas Longo, Dande e Cuanza.

Por iniciativa de José Jacinto, os camponeses angolanos lançaram-se na produção de ramas de alta qualidade, como os tabacos Havanos, Brasil, Burley, Cincinnaty, Green River, Rodésia e Transval.

As primeiras plantações surgiram na Lunda e logo a seguir chegaram a Ambaca, sobretudo à região de Samba Caju. O crescimento mais importante foi registado na linha de Malange, com os núcleos de Cacuso e Calandula.

A produção de tabaco foi intensificada e nos anos 30 já existiam fábricas em Benguela e no Lubango, com a famosa Sociedade Agro-Pecuária do Chacuto, na Chela.
As plantações de erva-santa foram fonte de importante rendimentos em Angola mas curiosamente os estudos económicos revelam que o nosso país nunca foi um bom mercado de fumadores.

* Jornalista

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