sábado, 17 de fevereiro de 2024

Angola | Kiombos e a Mágica Mirita – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

O povo fez uma caçada com redes e cães. As crianças batiam latas e apitavam. Os adultos batiam com paus e catanas no chão. Algazarra ensurdecedora. Os animais selvagens eram empurrados para o rio Seke. Não tinham outro caminho. Depois daquele caçada, o senhor Moka salvou da mortandade uma cria de kipite que ainda mamava mas ficou sem a mãe. Ofereceu-me o bebé. Fazia-lhe leite em pó. Pedro Sumbula cortou paus e construímos uma paliçada. No canto do cercado, um telhado de capim e uma cama. 

O kipite adorava rama de batata-doce. Fizemos uma lavra junto à lagoa das cobras, alimentada por um fio de água cristalina que pingava noite e dia. Aquela era a água que bebíamos em casa. O animal estranhou quando fui para as aulas, no Uíge. Só voltei nas férias de Natal e ele dava-me marradinhas de alegria. Sentava-se ao meu lado. Seguia-me como se fosse a minha cadela Negrita. Finalmente tinha encontrado um amigo que não apontava o dedo e sentenciava: És um matumbo do mato! Até ir estudar para a cidade do Uíge vivi sempre no mato. Uma vantagem que poucos compreendiam. E ainda não compreendem!

Um dia fui à lavra apanhar rama e estava tudo destruído. Nem os nazis de Telavive conseguiam tanta destruição. Foram os kiombos que caíram na plantação, comeram e estragaram. Não ficou nada. O meu amigo António Kiangala disse que os javalis são assim, comem e estragam. Não deixam nada. São uns destruidores. Fizemos rapidamente nova plantação. O kipite foi criado com rama de batata-doce e não queria comer outra coisa. Era um caprichoso. E os kiombos vinham sempre, pela calada da noite, destruir as plantações!

Angola está a ser atacada furiosamente. Não fica nada em pé. Tudo o que foi criado no sonho da Liberdade, tudo o que nasceu da luta do Povo pela Dignidade é destruído. Afinal ainda há pior do que os ataques dos kilmbos às lavras. 

O nosso campeão da paz em África está em silêncio sobre o que se passa no Kivu. A cidade de Goma foi cercada por forças rebeldes. Milhares de pessoas fogem com as suas imbambas. Para trás ficam seus bens e os mortos. Angola tem no Leste da República Democrática do Congo uma força de paz. Mas agora há guerra aberta. 

Os militares angolanos vão ser força de guerra? Não sabemos. Ninguém informa. Porque a situação no terreno perturba o título de “campeão da paz”. Parece mentira mas é verdade. Há centenas de angolanos em missão de paz, caíram numa situação de guerra e não sabemos o que vai acontecer a seguir.

Angola tem na União Africana um procurador-adjunto jubilado, Pascoal Joaquim. O Grupo de Trabalho do Conselho de Direitos Humanos da ONU emitiu um parecer que põe em causa o processo e os métodos do chamado “combate à corrupção”. Carlos São Vicente é vítima de prisão arbitrária. O processo que levou à sua condenação está cheio de ilegalidades.

O senhor Pascoal Joaquim diz que os estados-membros da União Africana estão muito felizes com o combate à corrupção em Angola. Ignora as prisões arbitrárias e os atentados à Declaração Universal dos Direitos Humanos cometidos em Angola. O país que o senhor procurador-adjunto jubilado representa está em vias de se tornar um Estado pária! Nem milhões de kiombos foçando nas plantações causam tão graves prejuízos.

As autoridades angolanas estão a ser criticadas por responderem fora de prazo (muto para lá da data!) ao Grupo de Trabalho do Conselho de Direitos Humanos da ONU no processo do empresário Carlos São Vicente. Nada de injustiças! Isso é para os kiombos que queriam matar à fome o meu kipite de olhos negros redondos. A resposta chegou tarde e mal, exactamente para não ser considerada nem apreciada. 

O que iam mandar se nada têm? Há um papel sem assinatura, falso, que serviu de “prova” à condenação. Há gestores da Sonangol que declararam em Tribunal que nada sabiam sobre a perda da maioria das acções na AAA Seguros SA. Coitados. São analfabetos. Não sabem ler as actas das assembleias gerais da empresa. Não sabem sequer que existe o Diário da República.

As autoridades angolanas Iam mandar o depoimento do doutor, doutor, doutor, doutor Aguinaldo Jaime? O criado para todo o serviço a troco de um punhado de dólares e o tacho de PCA não serve para coisas sérias. Imprestável. Não pode. O Aguinaldo é uma piada de mau gosto. Um boneco articulado que se move às ordens de quem dá mais. 

Ainda bem que o Estado Angolano respondeu fora de prazo ao Grupo de Trabalho do Conselho de Direitos Humanos da ONU. Se respondesse dentro do prazo o prejuízo era ainda maior. A desgraça era ainda mais terrível. Os estragos dos kiombos eram insanáveis.

O Estado Angolano continua a não publicitar a decisão do Conselho de Direitos Humanos da ONU. É uma pena. Porque os Media públicos guardam o mesmo silêncio. E isso é mortífero para a sua credibilidade. Quem de direito pode remeter-se ao silêncio face a um parecer que arrasa os métodos e processos do combate à corrupção. Mas os jornalistas nada têm a ver com esses apertos. Ao silenciarem o parecer estão a dar razão a quem diz que os Media públicos não dão notícias, apenas propalam ordens superiores. Nem 100 milhões de kiombos causavam tantos danos ao Jornalismo Angolano.

As autoridades competentes podem ignorar o parecer. Podem censurar a ONU. Afinal o ocidente alargado também censurou os Media e os jornalistas da Federação Russa. É uma prática corrente nas “democracias” neoliberais. Angola está na vanguarda desses atropelos! Os nossos servidores públicos levam a lição ao extremo de prescindirem do bom senso e do sentido de Estado. Em 2027 tudo isso é passado e Angola segue em frente. Os jornalistas não podem. Porque ao fazê-lo estão a desistir da profissão. Antes mortos que desistentes! A notícia é a nossa vida. Reportar os factos é a nossa profissão.

Sentido de Estado mostrou o Ministério da Juventude e Desportos. O senhor presidente da Federação Angolana de Futebol, quando os Palancas Negras ultrapassaram a fase de grupos no Campeonato Africano, declarou que a tutela não disponibilizou verbas para a Selecção Nacional. Fez acusações gravíssimas. Não teve resposta. Quando o troféu foi entregue aos novos campeões africanos, quando festa acabou, veio a resposta.

No dia em que a nossa Mirita, campeã de andebol, considerada a melhor atleta do mundo na modalidade, foi demitida de ministra da Juventude e Desportos, a secretária-geral do Ministério chamou os jornalistas e revelou os números. Parcela a parcela divulgou quanto a Federação Angolana de Futebol recebeu para o CAN. O senhor presidente mentiu, manipulou. É a fruta da época. Os kiombos foçaram na verdade até destruírem a plantação. Mas a verdade foi reposta, A Federação Angolana de Futebol recebeu sim, até ao último cêntimo. 

Termino agradecendo à nossa Mirita tudo o que nos deu. Sobretudo este orgulho de sermos angolanos. Obrigado Palmira Barbosa. Nem todos os kiombos do mundo conseguem derrubar-te! És a pérola do Desporto Angolano.

Já agora desejo a Rui Falcão felicidades e boa sorte no desempenho do cargo de ministro da Juventude e Desportos. Ele merece mais do que ninguém. Os Palancas Negras vão ao Mundial de Futebol!

* Jornalista

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