domingo, 9 de março de 2014

PELO FIM DA PENA DE MORTE NO BRASIL – Paulo Teixeira




A ditadura que sobreveio ao golpe de 1964 produziu 426 mortos e desaparecidos. A maioria das mortes “oficiais” foi justificada por um artifício do regime militar: uma medida administrativa designada “auto de resistência”, ou “resistência seguida de morte”. Era o salvo-conduto para que policiais matassem opositores do regime: o simples registro de um “auto de resistência” relegava às gavetas da polícia a investigação sobre o homicídio.

Quase 30 anos passados da posse do primeiro governo civil, o ato administrativo continua intocado e é considerado legítimo por autoridades policiais e judiciárias. Hoje, na mira da arma da policial está, em grande maioria, uma população civil jovem, majoritariamente negra e, não raro, sem antecedentes criminais.

O auto de resistência segue como entulho da ditadura. A motivação política foi substituída por um forte viés social. Em abril de 2008, ao justificar o assassinato de nove pessoas pela PM na favela de Vila Cruzeiro (Rio), o coronel Marcus Jardim assim expressou a filosofia que norteia esses assassinatos: “A PM é o melhor inseticida social.”

A ideia que legitima a ação de maus policiais é a de que pobreza, cor da pele e criminalidade são sinônimos. A sociedade incorporou esses preconceitos – ou os preconceitos da sociedade contaminaram as policias? A geografia desses assassinatos prova isso. O relatório “Segurança: tráfico e milícia no Rio de Janeiro” examinou 12.560 autos de resistência ocorridas no Rio na década de 90 e concluiu: todas as mortes em ações policiais ocorreram nas favelas; 65% dos assassinados levaram pelo menos um tiro nas costas ou na cabeça, ou seja, foram sumariamente executados. Os mortos foram sentenciados à morte num julgamento em que o policial é o juiz e o carrasco.

Entre janeiro de 2010 e junho de 2012, 2.882 pessoas foram mortas pela polícia nos estados do Rio de Janeiro, Mato Grosso do Sul, Santa Catarina e São Paulo, numa média de três por dia (no ano passado chegou a cinco). Os EUA, no mesmo período, tiveram 410 desses casos. Em Nova York, a polícia atirou em 24 pessoas e matou oito em 2011. Naquele ano, o Rio teve 238 mortos por policiais; em São Paulo, 242.

Em 2012, eu e os deputados Fabio Trad (PMDB-MS), Protógenes Queiroz (PCdoB) e Miro Teixeira (Pros-Rio) apresentamos à Câmara projeto de lei (PL 4471) que acaba com o auto de resistência; obriga a preservação da cena do crime, a perícia imediata e a coleta de provas; e define a abertura de inquérito logo após as mortes cometidas por policiais. Fica vetado também o transporte das vítimas em “confronto” com os agentes, que devem chamar socorro especializado.

O estado de São Paulo, no ano passado, tomou medidas para coibir a violência policial, em resposta a uma realidade de elevação constante das mortes em autos de resistência. Em 2012, o estado registrou 546 mortos, contra 439 em 2011.

Relatório da Human Right Watch de julho de 2013 registrou que, em 2012, 95% das pessoas feridas em confronto e transportadas por policiais morreram no trajeto ou no hospital. No início de 2013, o governo proibiu o registro dos autos de resistência e impediu que os policiais socorressem as suas vítimas. Em um ano, foi registrada queda de 39% dessas mortes no estado, e 47% das ocorridas na capital.

A aprovação do projeto estenderá as medidas tomadas por São Paulo ao país. E será um tiro de morte em um dos mais perversos entulhos que o país carrega da ditadura, a licença para matar.

Paulo Teixeira*, em Vermelho

* É deputado federal pelo PT de São Paulo

Brasil: DILMA, LULA E AS INTRIGAS DA MÍDIA



Altamiro Borges, Brasília – Correio do Brasil, opinião

Nem a ombudswoman da Folha, Suzana Singer, aguentou tantas futricas e intrigas para jogar DilmaRousseff contra Lula. Nos últimos dias, vários “calunistas” de aluguel do tucanato destilaram veneno para inventar uma grave crise entre a presidenta e o ex-presidente. Talvez movidos pelas recentes pesquisas, que apontam a possibilidade de reeleição de Dilma Rousseff já no primeiro turno em outubro próximo, eles resolveram jogar na divisão do campo governista. A Folha tucana liderou a campanha de fofocas, o que levou sua ombudswoman a criticar a cobertura. Para ela, o jornal abusou de declarações “off the record”, com base no anonimato e no sigilo da fonte, para instigar a cizânia. Vale conferir o seu artigo:

Na segunda-feira, a Folha informava na capa que o ex-presidente Lula anda criticando o governo Dilma em conversas com políticos e empresários. Lula teria dito que confia na reeleição de sua ex-ministra, mas que ela precisa mudar em 2015. A atual equipe econômica estaria com o “prazo de validade vencido”.

A reportagem foi toda construída com declarações “off the record” (“fora dos registros”), feitas em condição de anonimato a pedido dos entrevistados. São citados “interlocutores do mundo político e empresarial”, pessoas da “equipe de Lula” e um “amigo próximo do ex-presidente” (http://folha.com/no1416735).

O segundo destaque de política, nesse mesmo dia, eram as preocupações de empresários com o intervencionismo na economia e com a formação do ministério de um eventual novo mandato de Dilma. Mais uma vez, tudo “off the record”. Os anônimos eram “líderes do agronegócio”, “o dirigente de uma grande indústria”, “banqueiros de peso” e “empreiteiros” (http://folha.com/no1416741).

Declarações anônimas são um instrumento importante do jornalismo, porque, muitas vezes, não há outra forma de obter uma informação valiosa. Só que seu uso não pode ser banalizado, deve ser um último recurso da reportagem.

Quando dá espaço a vozes sem dono ou crava uma informação baseada em “a Folha apurou…”, o jornal está exigindo um voto de confiança do leitor. É como se dissesse: “Não posso contar quem afirmou isso nem como consegui o dado, mas está correto, acredite”.

A informação “off the record” costuma ser negada no dia seguinte e aí o jornal garante que as fontes são “seguras”. No caso das críticas de Lula a Dilma, na própria segunda-feira, a presidente gentilmente mandou a Folha parar de fazer fofoca: “Eu acho que vocês podem tentar de todas as formas criar qualquer conflito, barulho ou ruído entre mim e o presidente Lula, que vocês não vão conseguir”.

O ideal é que a declaração anônima seja o ponto de partida de uma apuração maior, que o repórter busque documentos e entrevistas que comprovem o que foi dito. Nas reportagens sobre as ressalvas à gestão Dilma, dá para entender a dificuldade de convencer o entrevistado a mostrar a cara, mas é inegável que textos assim, sem nenhum nome citado, parecem intriga.

Para diminuir essa má sensação, o jornal deveria explicar por que aceita reproduzir declarações de gente invisível. Algo na linha “a Folha aceitou o anonimato porque os empresários temem represálias do governo” ou “a Folha ouviu quatro petistas e dois banqueiros, que não revelaram seus nomes porque Lula pediu sigilo nas conversas”.

Aposto que, se exigir que o “off” seja justificado, o jornal constatará que ele é, muitas vezes, dispensável. A presença de anônimos deveria reduzir-se ao mínimo necessário.

Apesar das ponderadas críticas da ombudswoman, a Folha não fez qualquer autocrítica e manteve sua linha de “intrigas”. O mesmo ocorreu em outros veículos.

A coluna de futricas de Felipe Patury, na revista Época, chegou a afirmar que “quase metade dos deputados do PT defende ‘Volta Lula”, sem apresentar provas.

Até Nelson Motta, que deixou de lado suas críticas musicais para virar um franco-atirador da oposição, escreveu no jornal O Globo, na sexta-feira (28), que “alguns oposicionistas já preferem até a volta de Lula aos riscos da continuação de Dilma. Aceitam abrir mão de um candidato de oposição em favor de Lula só para se livrar de Dilma e de sua equipe, seu estilo e sua gestão econômica”.

O tucaninho disfarçado de colunista global afirma, no maior cinismo, que “os mais cínicos dizem que teria saído mais barato ao país ter dado um terceiro mandato a Lula”. Na sua visão tacanha – que beira o machismo –, Dilma “tem ideias próprias [sobre a economia], é ‘desenvolvimentista’ com DNA marxista/brizolista”. Para ele, a proposta do “volta Lula” decorre dos erros da atual presidenta. “A tragédia anunciada da Venezuela e o avanço da Argentina para o abismo confirmam a falência do modelo bolivariano e o desastre do kirchnerismo, que têm em comum, além do esquerdismo e da incompetência na gestão econômica, a perseguição à imprensa e aos adversários políticos”.

Diante da onda de intrigas da mídia, a própria presidente Dilma Rousseff fez questão de rechaçar os boatos. Direto de Bruxelas, onde participou da Cúpula Brasil-União Europeia, ela afirmou em entrevista aos jornalistas brasileiros: “Eu acho que vocês podem tentar de todas as formas criar qualquer conflito, barulho ou ruído entre mim e o presidente Lula. Mas vocês não vão conseguir… A imprensa é livre e tem direito de expressão e eu e o presidente Lula não temos divergências a não ser as normais”. Apesar do desmentido categórico, a Folha tucana estampou o título canalha na matéria: “Dilma minimiza divergências com Lula”. Ela não minimizou, mas negou. Os conselhos de Suzana Singer não servem mesmo para nada!

*Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB

Brasil: Mais Médicos supera meta e vai atingir 51 milhões de pessoas até abril




Total de profissionais participantes da ação será de mais de 14,9 mil – meta do ministério da Saúde era de 13 mil; por outro lado, cresce a polêmica judicial sobre diferença de remuneração para os cubanos em relação aos R$ 10 mil pagos aos demais médicos

 Brasil 247 – Carta Capital

O governo federal comemorou, nesta quarta-feira (6), a superação da meta prevista pelo ministério da Saúde em relação ao Mais Médicos. O programa encerrou seu quarto ciclo de seleção com a inclusão de mais 5.479 profissionais – sendo 4 mil cubanos e 1.078 brasileiros que optaram por migrar do Programa de Valorização da Atenção Básica (Provab). O grupo conta ainda com 401 candidatos selecionados pelo edital, sendo 197 com diplomas do Brasil e 204 formados no exterior.

Com as novas contratações, o País terá mais de 14,9 mil médicos trabalhando pela iniciativa, atendendo 51 milhões de pessoas até abril. O número supera a meta inicial prevista pelo governo, que era de 13 mil profissionais atingindo 44,8 milhões de brasileiros até o próximo mês. Nessa nova etapa, os cubanos passam a receber um salário 25% maior (R$ 1.245), por meio de ajuste proposto pelo governo brasileiro à Opas (Organização Panamericana de Saúde).

No mesmo dia em que os números foram divulgados pelo ministério da Saúde, no entanto, a oposição reforçou sua ofensiva contra o programa. O DEM atua em duas frentes: o líder do partido na Câmara, deputado Mendonça Filho (PE), protocolou ontem na Procuradoria-Geral da República representação por crime de responsabilidade contra o ministro da Saúde, Arthur Chioro, e seu antecessor, Alexandre Padilha; o partido quer ainda discutir o programa em diversas comissões da Casa, numa proposta de que o programa seja revisado.

Mendonça Filho alega que o Ministério da Saúde não poderia ter repassado mais de R$ 500 milhões ao governo cubano, que paga apenas 25% desse valor aos médicos que vêm trabalhar no Brasil. O parlamentar afirma que o programa viola leis trabalhistas porque os cubanos recebem menos do que os outros médicos do programa e, segundo ele, têm sua vida controlada. "É uma ação que cria no Brasil uma situação de semiescravidão. Porque os cubanos não têm liberdade de ir e vir. Precisam de autorização até para se relacionar com outras pessoas e têm uma remuneração ridícula", criticou o parlamentar.

O líder do Democratas afirmou ainda que o ex-ministro Alexandre Padilha mentiu ao afirmar que o programa é idêntico ao realizado por outros países. Essas mentiras teriam sido evidenciadas por reportagem apresentada pelo Jornal Nacional. A reportagem informa que o programa está sendo investigado pelo Ministério Público do Trabalho pelas denúncias de violação de leis trabalhistas. O Jornal Nacional teria demonstrado ainda que no Chile e na França, que também contrataram médicos cubanos, essa contratação foi feita diretamente e que os profissionais recebem o mesmo que os médicos de outras nacionalidades.

Em coletiva de imprensa concedida na semana passada, quando anunciou o reajuste dos salários dos cubanos, o ministro Arthur Chioro negou que o modo de vida desses médicos seja controlado de alguma forma no Brasil.

Iniciativa eleitoral

Para o deputado José Guimarães (PT-CE), um dos vice-líderes do seu partido, as iniciativas do Democratas são motivadas pela proximidade das eleições. Ele afirmou que é importantíssimo garantir a implantação completa do Mais Médicos. Para o parlamentar, a reação ao programa se deve a uma postura elitista, que não admite que a população pobre tenha um bom atendimento. "Eles não conhecem o País. Porque quem conhece o Nordeste brasileiro e o Norte desse imenso Brasil, sabe, todos sabem da importância desse programa para atender as pessoas de baixa renda, as pessoas dos lugares mais distantes desse imenso Brasil", disse José Guimarães.

Com Agência Câmara

Angola - Cabinda: RAUL TATI ACUSA POLÍTICOS PORTUGUESES



Folha 8 – 1 março 2014

O padre Raul Tati, da dio­cese de Cabinda, que lan­çou esta semana, em Lisboa, um livro sobre a Igreja do enclave, acusa os políti­cos portugueses de terem “abandonado os cabindas” e só se preocupam com o território quando estão na oposição.

“No meu livro retrato as diversas posições que os políticos portugueses to­maram e o que nós vemos é que, durante todo este tempo, quando se está na oposição defende-se uma coisa e quando se está no poder já não se lembra daquilo que se defendeu quando se estava na oposi­ção”, disse o autor do livro “Cabinda -- Percurso his­tórico de uma igreja entre Deus e César 1975-2014”.

De acordo com o sacer­dote, o Governo angolano exerce um poder colo­nial sobre o território de Cabinda desde a inde­pendência, acusando os sucessivos executivos de Lisboa de “irresponsabili­dade” pelo abandono em relação à questão, traindo o espírito e a letra do Tra­tado de Simulambuco.

O documento foi assina­do entre Portugal e o rei de Cabinda em 1885 e que colocava o território sob o estatuto de protectorado de Lisboa e que segundo os cabindas continua em vigor.

“A tónica constante dos portugueses é que a ques­tão de Cabinda é uma questão interna de Angola e que a questão da desco­lonização está concluída e não há mais nada a fazer”, lembrou.

“Nós sabemos que alguns políticos que hoje estão no poder em Portugal, como é o caso de Paulo Portas, fez referências a Cabinda muito interessantes quan­do esteve na oposição. Por isso, é que a gente diz: onde é que estará a coerência?”, criticou o padre Raul Tati, referindo-se às posições dos políticos portugueses sobretudo durante o pe­ríodo em que vários portu­gueses foram feitos reféns pelo FLEC, em 2001.

“Essa sempre foi a tónica dos governos sucessivos de Portugal em relação a Angola, tirando talvez o consulado de Mário Soares - que não tem muitas afini­dades políticas com gover­nantes actuais do MPLA. Mas creio que quase todos os governos de Portugal têm tido uma espécie de reverência excessiva em relação ao regime de An­gola”, sublinhou.

Raul Tati disse ainda que ultimamente assiste-se a uma certa subserviência marcada por acontecimen­tos económicos “que estão a falar muito mais alto”, e que fizeram com que posi­ções de compromisso fos­sem “esquecidas” ao longo dos anos.

O livro sobre a história da Igreja em Cabinda trata os principais acontecimentos do território desde 1975 e que incluiu um documen­to da igreja, firmado por cinco sacerdotes cabindas, que alertaram “Portugal e o mundo”, antes dos Acor­dos de Alvor (assinado entre Portugal e os três movimentos de libertação angolanos em Janeiro de 1975) para uma situação que se estava a tornar cada vez mais dramática.

“Nesse documento denun­ciavam que estava iminen­te em Cabinda um grande drama que era preciso evi­tar. Um banho de sangue, a ocupação, e apelavam a razões históricas. Reivindi­cavam também a legitimi­dade de Cabinda para uma descolonização à parte, tendo em conta o Tratado de Simulambuco”, expli­cou o autor do livro.

O enclave de Cabinda é palco desde a indepen­dência de Angola, em No­vembro de 1975, de uma luta pela independência, desencadeada ao longo dos anos por diferentes facções cabindas, restando actual­mente somente a FLEC de Nzita Tiago, que ainda mantinha uma resistência armada residual à adminis­tração por parte de Luanda e a que renunciou em Maio de 2013 em troca de auto­nomia.

Separada de Angola pelo rio Congo, Cabinda possui significativos recursos na­turais, em que as reservas petrolíferas representam cerca de metade da produ­ção diária de 1,8 milhões de barris de petróleo angola­nas.

A loja de diamantes do Estado angolano e do marido de Isabel dos Santos




Foi uma nova "joia para a coroa" de Isabel dos Santos, escreve a revista Forbes. Empresa de Sindika Dokolo, marido da filha do Presidente angolano, terá adquirido com a estatal Sodiam grande parte de uma joalharia suíça.

Um novo caso envolve a comercialização de diamantes em Angola e a filha do Presidente, Isabel dos Santos.

De acordo com uma investigação da revista norte-americana Forbes, a filha do Presidente, através do seu marido Sindika Dokolo, estabeleceu uma parceria com o Estado angolano para a aquisição da prestigiada joalharia suíça De Grisogono.

A publicação escreve que a empresa Victoria Holding Limitada, com sede em Malta, adquiriu, já em 2012, 75% das ações da De Grisogono. Por sua vez, a Victoria Holding terá sido constituída através de uma outra empresa de Sindika Dokolo em parceria com a empresa estatal angolana de diamantes Sodiam.

Assim, segundo a Forbes, através desta empresa estatal de comercialização dos diamantes angolanos, as pedras preciosas estão a ser canalizadas para a joalharia suíça, na posse de familiares do Presidente José Eduardo dos Santos.

A DW África ouviu o jornalista e ativista angolano Rafael Marques, um dos autores do artigo da Forbes.

DW África: Este é um caso de conflito de interesses?

Rafael Marques (RM): Não, é um caso específico do saque de recursos naturais do país, porque a Sodiam, a empresa que detém o exclusivo da comercialização dos diamantes em Angola, é uma empresa pública, cuja administração é nomeada e exonerada pelo Presidente da República e que só pode agir em função de uma política traçada pelo próprio chefe de Estado. Logo, a Sodiam não poderia ter feito uma parceria com Isabel dos Santos sem a autorização do Presidente da República.

A Sodiam, por exemplo, está obrigada por lei a prestar contas públicas das suas atividades. [Mas] foi preciso descobrir esta operação secreta entre a Sodiam e a empresa detida por Isabel dos Santos e o seu marido, Sindika Dokolo, na República de Malta. E [o tema] mantém-se como segredo de Estado em Angola, não se fala no assunto.

Os diamantes estão agora a ser canalizados dos cofres do Estado angolano, neste caso, para uma joalharia que Isabel dos Santos adquiriu na Suíça, a De Grisogono. E não há um retorno público para os cofres do Estado angolano.

DW África: Em que medida é que o povo angolano em geral volta a ser prejudicado neste caso?

RM: Nós estamos a falar de um negócio de um bilião de dólares anuais. Estas receitas não são contabilizadas de forma transparente para os cofres do Estado.

Por outro lado, o que é importante afirmar aqui é que nas Lundas se vive uma situação dramática de violação constante dos direitos humanos, de uma miséria extrema; um processo de espoliação até mesmo das terras para agricultura de subsistência das comunidades locais. E o que vemos são os diamantes explorados nesta região beneficiarem exclusivamente não o Estado angolano, mas Isabel dos Santos e outros operadores que merecem os favores do Presidente da República.

DW África: Este não é o primeiro caso descoberto que envolve a comercialização de diamantes e a família presidencial angolana. Na sua opinião, por que é que as autoridades em Angola continuam a fechar os olhos a estas supostas ilegalidades?

RM: As autoridades angolanas não fecham os olhos a esse tipo de ilegalidades. O Presidente da República, que detém o poder absoluto, é o principal promotor e beneficiário da pilhagem dos recursos do Estado angolano, ele e a sua família. Logo, não está a fechar os olhos, porque os olhos estão bem abertos a saquear o país.

DW África: Perante a descoberta deste tipo de casos, tem havido alguma reação por parte das autoridades?

RM: A reação foi apenas por parte do genro do Presidente da República, Sindika Dokolo, que é o marido de Isabel dos Santos, a dizer que os africanos têm todo o direito de ser ricos e que isto é uma questão de inveja. Eu também descobri nesta investigação que Sindika Dokolo não faz estes investimentos como africano, fá-lo como cidadão dinamarquês, porque a sua mãe é dinamarquesa.

Então, ele fá-lo como cidadão europeu para beneficiar das vantagens, mas, depois, quando se tem de justificar o saque, assume-se como africano. É uma situação de hipocrisia.

Deutsche Welle – 26.02.2014 - Autoria Glória Sousa - Edição Guilherme Correia da Silva / Madalena Sampaio

Angola: Procuradoria diz já ter concluído processo Kamulingue/Cassule




Acusações contra nove indivíduos foram entregues ao tribunal em Janeiro

Voz da América 

A Procuradoria-Geral da República de Angola disse em Luanda que está concluído o processo-crime contra nove presumíveis autores de rapto e homicídio de dois activistas em Maio de 2012.

O anúncio foi feito poucos dias depois dos familiares dos activistas Alves Kamulingue e Isaías Cassule se terem queixado mais uma vez de não estarem a ser informados do andamento do processo.

Os familiares queixam-se ainda de não saberem se as autoridades já encontraram os corpos dos activistvas

Num comunicado, lido no principal serviço de notícias da Televisão Pública de Angola, esclarece-se que o processo-crime instruído pela Direção Nacional de Investigação e Ação Penal (DNIAP), foi remetido ao Tribunal Provincial de Luanda já no passado dia 31 de Janeiro.

Alves Kamulingue e Isaías Cassule foram raptados na via pública, em Luanda, nos dias 27 e 29 de maio de 2012, quando tentavam organizar uma manifestação de veteranos e desmobilizados contra o Governo do Presidente José Eduardo dos Santos.

Os dois, ex-militares raptados foram alegadamente assassinados por agentes da Polícia Nacional e da Segurança do Estado.

Em Novembro as autoridades tinham anunciado quatro prisões e dois dias depois o chefe do Serviço de Inteligência e de Segurança do Estado (SINSE) de Angola, Sebastião Martins, foi demitido do cargo pelo Presidente angolano, José Eduardo dos Santos.

Os motivos da demissão não foram revelados, mas estarão relacionados com o envolvimento de agentes do SINSE no homicídio dos dois ex-militares.

O caso da morte dos dois ex-militares esteve na base da subida da tensão política verificada em novembro passado em Angola, com a realização, no dia 23 daquele mês, de manifestações em vários pontos do país, convocadas pelo principal partido da oposição, União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), consideradas previamente ilegais pelas autoridades.

O segundo maior partido da oposição, a coligação eleitoral Convergência Ampla de Salvação de Angola (CASA-CE), associou-se à causa e, na sequência de uma colagem de cartazes, também em várias províncias, um seu dirigente viria a ser abatido, em Luanda, por efetivos da Guarda Presidencial, por alegada violação do perímetro de segurança do Palácio Presidencial.

O funeral deste dirigente, no dia 27 de novembro, voltou a fazer subir a temperatura política, com os participantes na cerimónia a quase confrontarem-se com a polícia, por insistirem em acompanharem o caixão a pé, numa distância de quatro quilómetros, dentro de Luanda.

No dia seguinte, foi a vez dos deputados das quatro forças políticas da oposição abandonarem os trabalhos do parlamento, em virtude do partido no poder, o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), ter inviabilizado a realização de um debate sobre os acontecimentos.

A PROPAGANDA DOMINA AS NOTÍCIAS



Paul Craig Roberts - Desacato

Gerald Celente chama a mídia ocidental de presstitutes, um termo sagaz que eu uso frequentemente. Presstitutes vendem-se a Washington para acesso e fontes do governo e para manter seus empregos.

Desde que o regime corrupto Clinton permitiu a concentração dos meios de comunicação dos EUA, não há independência jornalística nos Estados Unidos, exceto para alguns sites da Internet.

Glenn Greenwald ressalta a independência que a RT (Russia Today), uma organização de mídia russa, permite a Abby Martin, que denunciou uma suposta invasão da Ucrânia pela Rússia, em comparação com os destinos de Phil Donahue (MSNBC) e Peter Arnett (NBC), ambos os quais foram demitidos por expressar oposição ao ataque ilegal do regime Bush ao Iraque.

O fato de que Donahue tinha o programa com a maior audiência da NBC não lhe deu independência jornalística. Qualquer pessoa que fale a verdade na imprensa estadunidense ou em rede de TV ou na NPR (National Public Radio) é imediatamente demitida.

A RT da Rússia parece realmente acreditar e observar os valores que os estadunidenses professam mas não honram.


Greenwald é totalmente admirável. Ele tem inteligência, integridade e coragem. Ele é um dos bravos, a quem meu livro recém-publicado, How America Was Lost, é dedicado. Quanto a Abby Martin da RT, eu a admiro e tenho sido um convidado em seu programa várias vezes.

Minha crítica de Greenwald e Martin não tem nada a ver com a sua integridade ou seu caráter. Eu duvido das alegações de que Abby Martin fez exibicionismo quanto à “invasão da Ucrânia pela Rússia”, a fim de aumentar suas chances de passar para a “grande mídia” mais lucrativa. Meu ponto é bem diferente. Mesmo Abby Martin e Greenwald, que nos trazem tanta luz, não conseguem escapar totalmente da propaganda ocidental.

Por exemplo, a denúncia de Martin de que a Rússia “invadiu” a Ucrânia é baseada em propaganda ocidental de que a Rússia enviou 16.000 soldados para ocupar a Crimeia. O fato é que esses 16 mil soldados russos estão na Crimeia desde os anos 1990. Sob o acordo russo-ucraniano, a Rússia tem o direito de basear 25.000 soldados na Crimeia.

Aparentemente, nem Abby Martin nem Glenn Greenwald, duas pessoas inteligentes e conscientes, sabiam desse fato. A propaganda dos EUA é tão penetrante que dois dos nossos melhores repórteres foram vitimados por ela.

Como já escrevi várias vezes em minhas colunas, os EUA organizaram o golpe de estado na Ucrânia a fim de promover sua hegemonia mundial, capturando a Ucrânia para a OTAN e colocando bases de mísseis na fronteira da Rússia, a fim de degradar a dissuasão nuclear da Rússia e forçar a Rússia a aceitar a hegemonia de Washington.

A Rússia não tem feito nada além de responder de uma forma muito discreta a uma grande ameaça estratégica orquestrada pelos EUA.

Não é só Martin e Greenwald que caíram pela propaganda de Washington. A eles junta-se Patrick J. Buchanan. A coluna de Pat convidando os leitores a “Resistir ao partido da guerra na Crimeia” abre com a afirmação propagandística de Washington: “Com o envio de Vladimir Putin de tropas russas na Crimeia…”.

Tal envio não ocorreu. Putin teve permissão da Duma russa de enviar tropas para a Ucrânia, mas Putin já declarou publicamente que o envio de tropas seria um último recurso para proteger os russos da Crimeia de invasões pelos ultranacionalistas neonazis que roubaram o golpe de Washington e se estabeleceram no poder em Kiev e na Ucrânia ocidental.

Então, temos aqui três dos jornalistas mais inteligentes e independentes do nosso tempo, e todos os três estão sob a impressão criada pela propaganda ocidental de que a Rússia invadiu a Ucrânia.

Parece que o poder da propaganda dos EUA é tão grande que nem mesmo os melhores e mais independentes jornalistas podem escapar de sua influência.

Que chance a verdade tem quando Abby Martin recebe elogios de Glenn Greenwald por denunciar a Rússia por uma suposta “invasão” que não ocorreu, e quando o independente Pat Buchanan abre sua coluna que discorda da turma que acusa a Rússia aceitando que houve uma invasão?

Toda a história que os presstitutes têm contado sobre a Ucrânia é uma produção de propaganda.

Os presstitutes disseram que o presidente deposto, Viktor Yanukovich, ordenou que os atiradores disparassem contra os manifestantes. Com base nestes relatórios falsos, os fantoches de Washington, que compõem o não-governo existente em Kiev, emitiram ordens de prisão para Yanukovich e querem que ele seja julgado em um tribunal internacional. Em uma ligação telefônica interceptada entre a ministra das Relações Exteriores da UE, Catherine Ashton e o Ministro das Relações Exteriores da Estônia, Urmas Paet, que tinha acabado de voltar de Kiev, Paet relata:

Agora há compreensão mais forte de que por trás dos snipers (franco-atiradores), não estava Yanukovich, mas alguém da nova coalizão.

Paet passa a relatar que:

(…) todas as evidências mostram que pessoas de ambos os lados foram mortas por franco-atiradores, tanto policiais como as pessoas das ruas, que eram os mesmos atiradores matando as pessoas de ambos os lados… e é realmente preocupante que agora a nova coalizão não queira investigar o que aconteceu exatamente.

Ashton, absorvida com planos da UE para orientar as reformas na Ucrânia e preparar o caminho do FMI para obter o controle sobre a política econômica, não ficou particularmente satisfeita ao ouvir o relatório de Paet de que as mortes foram uma provocação orquestrada. Você pode ouvir a conversa entre Paet e Ashton em: “Kiev snipers hired by Maidan leaders – leaked EU’s Ashton phone tape” e a seguir a confirmação de Paet da veracidade do vazamento:


O que aconteceu na Ucrânia é que os EUA conspiraram contra e derrubaram um governo legítimo eleito e, em seguida, perderam o controle dos neonazis que estão ameaçando a grande população russa no sul e leste da Ucrânia, províncias que anteriormente faziam parte da Rússia. Estes russos ameaçados apelaram pela ajuda da Rússia e, assim como os russos na Ossétia do Sul, eles vão receber ajuda da Rússia.

O governo de Obama dos EUA e seus presstitutes vão continuar a mentir sobre tudo.

[*] Institute for Political Economy


Traduzido por João Aroldo

Paul Craig Roberts (nascido em 03 de abril de 1939) é um economista norte-americano, colunista do Creators Syndicate. Serviu como secretário-assistente do Tesouro na administração Reagan e foi destacado como um co-fundador da Reaganomics. Ex-editor e colunista do Wall Street Journal, Business Week e Scripps Howard News Service. Testemunhou perante comissões do Congresso em 30 ocasiões em questões de política econômica. Durante o século XXI, Roberts tem frequentemente publicado em Counterpunch, escrevendo extensamente sobre os efeitos das administrações Bush (e mais tarde Obama) relacionadas com a guerra contra o terror, que ele diz ter destruído a proteção das liberdades civis dos estadunidenses da Constituição dos EUA, tais como habeas corpus e o devido processo legal. Tem tomado posições diferentes de ex-aliados republicanos, opondo-se à guerra contra as drogas e a guerra contra o terror, e criticando as políticas e ações de Israel contra os palestinos. Roberts é um graduado do Instituto de Tecnologia da Geórgia e tem Ph.D. da Universidade de Virginia, com pós-graduação na Universidade da Califórnia, Berkeley e na Faculdade de Merton, Oxford University.


A libertação de Eddie Conway e a história de opressão aos negros nos EUA




Conheça a história de Eddie Conway. Provável vítima de uma conspiração dos serviços de inteligência norte-americanos, Conway passou 44 anos preso

Amy Goodman, para o CommonDreams

Marshall “Eddie” Conway saiu da prisão esta semana, onde estava há quase 44 anos. Ele foi condenado pela morte de um policial em Baltimore, em abril de 1970, e sempre se declarou inocente. Na época de sua prisão e julgamento, ele era um membro de destaque do comitê do Partido dos Panteras Negras de Baltimore, a organização militante pelos direitos dos negros que foi o principal foco do COINTELPRO, o “programa de contrainteligência” ilegal do FBI. O FBI, sob o comando de J. Edgar Hoover, vigiou e se infiltrou nos comitês dos Panteras Negras de costa à costa, sabotando suas atividades, muitas vezes com violência.

A promotoria alegou que Conway estava por trás do tiroteio que ocasionou a morte do policial Donald Sager. O caso se baseou no testemunho de um policial e de um informante de dentro da penitenciária, que afirmou que Conway descreveu o crime enquanto eles dividiam uma cela. O antigo presidente da NAACP (sigla americana para “Associação Nacional para o Progresso de Pessoas Negras,” em português) de Baltimore, Marvin “Doc” Cheatham, um apoiador de Conway, declarou ao The Baltimor Sun: Isto foi quando o programa COINTEL estava em seu auge. (...) Eles não tinham uma testemunha que tenha visto-o no local do crime. Eles não tinha nenhuma digital ou prova. Eles basicamente o condenaram com base na declaração de um informante.” Um movimento mundial cresceu clamando pela libertação de Conway. Em 2001, o Conselho da Cidade de Baltimore elaborou uma resolução pedindo ao governado de Maryland que o perdoasse.

A prisão de Conway ocorreu um ano antes que um grupo de ativistas anti-guerra invadisse um escritório do FBI em Media, Pensilvânia, e levasse milhares de documentos secretos do FBI, divulgando-os na imprensa. A palavra “COINTELPRO” foi exibido pela primeira vez.

Um dos advogados de Conway por mais de 20 anos, Bob Boyle, explicou: “o julgamento de Conway ocorreu em janeiro de 1971. A invasão ao escritório do FBI em Media, que levou às revelações sobre o COINTELPRO, só ocorreu em abril daquele ano. Então Eddie foi a julgamento em um tempo onde o COINTELPRO ainda estava na ativa e o júri não sabia que havia uma campanha para neutralizar as lideranças e acabar com a organização do Partido dos Panteras Negras."

Foi neste meio que o comitê do Partido dos Panteras Negras foi criado. Conway esteve no exército dos EUA na Alemanha e foi convocado para servir no Vietnã. No verão de 1967, ele viu uma foto dos protestos em Newark, “colocaram veículos blindados dentro da comunidade negra e apontaram metralhadoras calibre .50 na direção de umas 30 mulheres que estavam paradas numa esquina (...) alguma coisa estava errada, e eu sabia que eu podia voltar pra casa para ajudar a mudar aquela situação”.

Ele se juntou a NAACP e ao CORE (Congresso de Igualdade Racial, em português), “analisei as diferentes organizações, e o Partido dos Panteras Negras representava uma tentativa séria de alimentar as crianças, começar a educar a população, começar a organizar um sistema de saúde e coisas assim. Então me juntei a eles e comecei a trabalhar.”

O que Conway não sabia é que o comitê de Baltimore havia sido na verdade criado por um policial infiltrado. Conway começou a desconfiar de um dos líderes locais, “havia um capitão de defesa chamado Warren Hart, ele trabalhava para a Agência Nacional de Segurança (NSA) (...) eu expus sua identidade depois de uma série de investigações e ele deixou o país.” Pouco depois de expôr o agente, Conway foi preso por acusações que acabaram deixando-o preso por quase 44 anos.

Ele levou uma vida exemplar atrás das grades, detalhada em suas memórias “Marshal Law.” Conway contou ao “Democracy Now!” sobre as prisões do estado de Maryland: “há uma quantidade gigantesca de homens jovens na prisão, e pelo fato de não haver nada construtivo para se fazer por lá, havia muita violência. Então eu comecei a tentar encontrar formas de diminuir a violência e depois encontrar coisas que pudessem enriquecer a vida do prisioneiro.” Ele ajudou a fundar o programa Amigo de um Amigo, que ajuda os prisioneiros mais jovens e mais vulneráveis a se adaptar e sobreviver melhor ao sistema prisioneiro tão brutal.

Eddie Conway fará 68 anos em abril. Depois de 44 anos atrás das grades, vocês pensariam que ele nunca mais gostaria de pôr o pé fora da cadeia novamente. Mas este não é Eddie Conway. Para o futuro, ele diz: “vou continuar a trabalhar com a organização Amigo de um Amigo. Acredito que salvei muitas vidas. Acredito que posso salvar muitas mais.”

Tradução de Roberto Brilhante

Carta Maior, em Pátria Latina

PORQUE A VENEZUELA RESISTE?




Diferente do que ocorreu com o Chile em 1973, a Venezuela conta com um importante marco de cooperação latino-americano: o novo sistema de integração.

Editorial de Punto Final, Chile - Carta Maior

Em 5 de março de 2013, estouraram-se muitas garrafas em Washington, Londres, Madri e Frankfurt para brindar o fim do “pesadelo chavista”. Enquanto os morros de Caracas choravam a morte do presidente Hugo Chávez Frias, os centros de poder global celebravam, convencidos de que seu desaparecimento físico levaria, inevitavelmente, à fragmentação do campo bolivariano. Insistiam que a mudança ocorrida na Venezuela desde 1999 só se explicava pelo “caudilhismo” de seu líder.
 
Mas, sem Chávez, todo o arcabouço da revolução de desmoronaria em questão de dias e nenhum outro dirigente bolivariano poderia assumir uma liderança capaz de dar continuidade ao processo. Sem Chávez, eles repetiam, morria o chavismo.
 
Ignoravam que Chávez pertence à linhagem dos libertadores da América Latina, que no último século produziu líderes excepcionais, tais como Sandino, Fidel Castro, Che Guevara ou Salvador Allende. Assim como eles, Chávez transformou em suas as bandeiras dos líderes da primeira – e frustrada – independência da Pátria Latino-americana e as converteu em um projeto político de unidade e integração continental cujo ponto central é a justiça social e o anti-imperialismo.

Diante do cenário de que a morte de Chávez implicaria uma vitória fácil, a oposição conseguiu se unificar para apresentar a candidatura de Henrique Capriles nas eleições de abril de 2013. Capriles desenvolveu sua campanha em uma aberta continuidade com as propostas de Chávez. Seus cartazes estavam repletos de imagens de Simón Bolívar, camuflaram-se com as fores e as formas do chavismo, e em seus discursos não teve vergonha nenhuma em prometer o aprofundamento das políticas sociais desenvolvidas na última década. Essa estratégia teve bastante êxito, mas não o suficiente para vencer Nicolás Maduro, candidato do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV).

A derrota de 14 de abril produziu uma primeira fragmentação na oposição venezuelana. Uma parte minoritária abandonou a estratégia eleitoral e se lançou às ruas para questionar violentamente o resultado proclamado por um dos sistemas eleitorais mais confiáveis da América Latina, e verificado por observadores internacionais. Essa ação aventureira custou a vida de inúmeras pessoas. No entanto, a facção majoritária da oposição acabou acatando o resultado, convencida de que levar o governo à derrota era apenas questão de tempo. De olho nas eleições municipais de dezembro de 2013, o setor afinado com Capriles se preparou para uma vitória avassaladora, à qual conferiu caráter plebiscitário. Contudo, nove meses após a morte de Chávez, o PSUV deu mostras de grande capacidade de mobilização – com 48,69% dos votos, ganhou 240 das 337 prefeituras, com uma participação eleitoral superior a 60%.

Por sua vez, Nicolás Maduro, de 51 anos, minou as dúvidas que pairavam sobre sua liderança. Ex-dirigente sindical formado nas filas da Liga Socialista, um partido revolucionário, Maduro foi preparado – assim como outros dirigentes bolivarianos – em meio processo que a Venezuela vive há quinze anos. Foi deputado e presidente da Assembleia Nacional, ministro de Relações Exteriores durante seis anos, vice-presidente executivo da República e presidente interino após a morte de Chávez. Portanto, tem vasta experiência política.

A oposição foi novamente vencida nas eleições municipais de 8 de dezembro de 2013, vendo reduzidos seus tradicionais bastiões em setores acomodados de Caracas e outras cidades. Seu centro mais importante é o Táchira, estado fronteiriço com a Colômbia pelo qual faz o contrabando de milhões de litros de gasolina (na Venezuela, o litro custa 2 centavos de dólar) e milhares de toneladas de alimentos subsidiados que roubam do povo venezuelano.

O novo fracasso eleitoral de 2013 acabou por desgastar a imagem de Capriles, aprofundando a divisão na oposição. A facção mais violenta e antidemocrática, liderada nos últimos tempos por Leopoldo López, um provocador profissional formado nos Estados Unidos, voltou a ganhar terreno. As teses desse setor se assemelham claramente às que se apresentaram no Chile logo após as eleições parlamentares de março de 1973.

Esperando uma vitória esmagadora, a direita chilena e a DC se desconcertaram ao ver como a Unidad Popular incrementou sua votação, chegando a 44%. Essa nova correlação de forçar parlamentares tornava impossível destituir constitucionalmente o presidente Salvador Allende. Os setores golpistas, manipulados pelos Estados Unidos e minoritários até aquele momento, tornaram-se hegemônicos, impondo uma estratégia de desestabilização com duas frentes simultâneas: o desabastecimento de alimentos e outros artigos de primeira necessidade, com o conseguinte mercado negro e fuga de capitais, gerando um clima de confronto nas ruas para levar a população ao desespero, até um ponto de não ter volta. Os grupos armados do Patria y Libertad se encarregaram de semear o terror e de incitar a insurreição burguesa mediante sabotagens e assassinatos. Com as pessoas desesperadas e com medo, segundo essa estratégia, seria possível aceitar passivamente uma solução de força, não importando as consequências. Assim foi.

O roteiro da direita insurrecional do Chile de 73, incluindo a ingerência norte-americana, que enviou nos últimos tempos mais de cem milhões de dólares para a oposição venezuelana, volta a se reproduzir com notável semelhança na terra de Bolívar. No entanto, passaram-se mais de quarenta anos e existem grandes diferenças. A favor dos golpistas de hoje, há um sistema de meios de comunicação muito mais concentrado, controlado pelos poderes hegemônicos. As redes sociais, como Twitter e Facebook, criam a miragem da comunicação instantânea, mas na prática a capacidade de monopolizar e uniformizar os debates em escala massiva passa por uma rede muito diferente. A linha é separada pelas novas “multinacionais” de mídia, como a CNN e o grupo PRISA, articulados com os jornais da Sociedade Interamericana de Imprensa – inimiga história dos povos – e com as estações privadas de rádio e televisão, que atuam como simples correia de transmissão de seus conteúdos. Diante desse “poder de fogo” devastador, as redes de e-mails ou os tweets dos movimentos sociais não são mais do que armas de brinquedo.

Por sua vez, as agências de inteligência dos Estados Unidos aperfeiçoaram o manual golpista, elevando-o a um nível de sofisticação inimaginável em 1973. Basta ver o que ocorreu no Egito e na Ucrânia para compreender. Agora, uma nova tecnologia social e comunicacional é capaz de mobilizar, em questão de dias, massas ultraviolentas – em cujo seio atuam grupos adestrados e bem armados –, convencidas de que estão fazendo uma revolução heroica contra governo débeis e confusos, mas eleitos democraticamente. O resultado do golpe sempre se repete: recoloca no poder os mesmos corruptos e criminosos que já haviam roubado e destruído o país, com a aprovação dos Estados Unidos e da União Europeia. Por certo, os mortos são sempre os pobres, e ninguém assume a responsabilidade pelo enorme custo a se pagar por conta da instabilidade gerada

No entanto, a favor da Venezuela bolivariana – na direção do socialismo, como reiterou o presidente Maduro –, estão alguns fatores muito mais fortes que no Chile de Allende. A lealdade às instituições democráticas por parte das Forças Armadas não parece ter fissuras. Diante da manobra do desabastecimento de alimentos, o governo conseguiu viabilizar uma cadeia de distribuição paralela por meio da PDVSA e da Força Armada Nacional Bolivariana – os Mercal –, que permite atenuar os efeitos mais perversos do boicote empresarial. A situação do povo venezuelano não se compara à do Egito ou à da Ucrânia.

A base popular do chavismo está arraigada em uma clara convicção de defender as conquistas alcançadas na última década, que permitiram aos venezuelanos, apesar das enormes dificuldades, ascender a um nível de vida mais justo por meio de novos direitos, e a uma dignidade nacional impensável sob os governos corruptos e violadores dos direitos humanos dos partidos Acción Democrática (social-democrata) e Copei (democrata cristão), hoje reduzidos a quase nada. A oposição venezuelana conta com aliados no Chile, tanto na direita como na Nueva Mayoría. É preciso lembrar também que o governo de Ricardo Lagos se apressou em reconhecer o fugaz governo golpista do empresário Pedro Carmona, que derrotou por algumas horas o presidente Chávez em abril de 2002.

Diferente do Chile de 1973, a Venezuela conta com um importante marco de cooperação latino-americano. O novo sistema de integração, tecido em diferentes níveis com a Alba, o Mercosul, a Unasul e a Celac, constitui um baluarte em defesa dos processos democráticos, de modo que os grupos rebeldes sabem de antemão que não contarão com o reconhecimento regional se recorrerem à via insurrecional.

Lula, o ex-presidente do Brasil, tinha razão quando se despediu de seu amigo Hugo Chávez com estas palavras: “As pessoas não precisam concordar com tudo que Chávez falava. Tenho que admitir que o presidente venezuelano era uma figura polêmica, que não fugia ao debate e para o qual não existiam temas tabus. É preciso admitir que, muitas vezes, eu achava que seria mais prudente que ele não tentasse falar sobre tudo. Mas essa era uma característica pessoal de Chávez que não deve, nem de longe, ofuscar as suas qualidades (…) ninguém minimamente honesto pode desconhecer o grau de companheirismo, de confiança e mesmo de amor que ele sentia pela causa da integração da América Latina, pela integração da América do Sul e pelos pobres da Venezuela. Poucos dirigentes e líderes políticos, dos muitos que conheci em minha vida, acreditavam tanto na construção da unidade sul-americana e latino-americana como ele”. (1)

Por isso, a Venezuela resiste e resistirá. Enquanto Chávez se mantiver na memória de seu povo, nada nem ninguém poderá derrotá-lo.

(1) Luiz Inácio Lula da Silva. “Latin America After Chávez”. The New York Times, 6 de março de 2013. 

(*) Editorial de “Punto Final”, edição nº 799, 7 de março de 2014 revistapuntofinal@movistar.cl 

Tradução: Daniella Cambaúva

Venezuela: "Acabou-se o tempo da oligarquia sobre os nossos povos"- Nicolas Maduro




O Presidente da Venezuela agradeceu sábado o apoio dos países da América Latina a Caracas no âmbito da Organização de Estados Americanos (OEA), organismo que aprovou uma declaração de solidariedade e apoio à democracia, diálogo e paz na Venezuela.

"Acabou-se o tempo do intervencionismo 'yankee' (norte-americano) na América Latina, das ditaduras, dos golpes de Estado. Acabou-se o tempo do domínio da oligarquia sobre os nossos povos", disse Nicolas Maduro.

Durante um ato na praça Bolívar de Caracas, por ocasião do Dia Internacional da Mulher, o Presidente da Venezuela sublinhou ainda que "chegou o tempo da liberdade, da vida plena e da soberania" dos povos da região.

"Graças à força de lealdade que se levantou na América Latina, acabou-se o tempo da OEA que santificava as ingerências, acabou-se o tempo do Ministério das Colónias", disse.

Nicolas Maduro destacou ainda que 29 países votaram a favor da declaração de solidariedade para com a Venezuela e com os diálogos de paz impulsados pelo seu Governo, sublinhando que apenas três países votaram contra - Estados Unidos, Canadá e Panamá.

Por outro lado, frisou, o Panamá, país que propôs uma reunião para debater a situação venezuelana, ficou sem o "chivo y el mecate" (carneiro e a corda), uma expressão venezuelana que quer dizer que perdeu tudo.

"Pretendeu agredir a Venezuela, veio com lã e saiu tosquiado", disse ao sublinhar ainda "nunca se ter visto uma votação tão elevada para uma declaração tão importante do ponto de vista histórico" e que Caracas "é acompanhada e amada neste mundo de irmãos e irmãs do continente americano".

Referindo-se ao presidente do Panamá, Ricardo Martinelli, frisou que "quem se mete com a Venezuela seca-se, afunda-se, quem se mete com o povo de (Hugo) Chávez paga bem caro".

O texto da declaração a OEA manifesta "respeito pelo princípio de não interferência nos assuntos internos dos Estados e o seu compromisso com a defesa da democracia e do Estado de Direito de acordo com a Carta da OEA e o Direito Internacional".

Por outro lado manifesta a "mais enérgica condenação a todas as formas de violência e intolerância e faz um apelo de todos os setores à paz, tranquilidade e respeito pelos direitos humanos, liberdades fundamentais, incluindo os direitos à liberdade de expressão e reunião pacífica, circulação, saúde e educação".

A OEA manifesta ainda "reconhecimento, pleno apoio e alento às iniciativas e esforços do Governo da Venezuela e de todos os setores políticos, económicos e sociais, para que continuem a avançar no diálogo nacional, de reconciliação política e social".

FPG // JCS – Lusa, em Diário de Notícias

Na foto: Nicolás Maduro, Presidente da Venezuela - © Reuters

Portugal: O REGRESSO DO “HERÓI” RELVAS. NUNO CRATO JÁ FOI DEMITIDO?



João Lemos Esteves – Expresso, opinião

Após semanas repletas de trabalho, voltamos hoje (ainda que com algumas intermitências) às crónicas regulares aqui no POLITICOESFERA. Enquanto estive ausente, fui registando os factos políticos mais relevantes, mais insólitos e mais surpreendentes. Hoje, terei de me pronunciar sobre o facto mais insólito deste ano (até ao momento, mas dada a sua bizarrice será difícil de superar) político: o regresso de Miguel Relvas à política activa, por via da sua eleição para o Conselho Nacional do PSD. Miguel Relvas - registe-se, para memória futura - encabeçou a lista de Pedro Passos Coelho, elegendo apenas 18 representantes. Valeu a pena esta aposta de Pedro Passos Coelho? A primeira resposta seria um categórico "não": Passos elegeu apenas 18 representantes para o Conselho Nacional, obtendo o seu pior resultado de sempre em eleições internas. O que mostra bem como o PSD é um partido fantástico: enquanto Passos Coelho apresentava com alegria e satisfação o nome de Miguel Relvas, os militantes olhavam-se entre si, estupefactos, a questionar se tal revelação era mesmo verdade! Os militantes do PSD não aguentam Passos Coelho, discordam de Passos Coelho - mas, colocando o interesse de Portugal em manter a estabilidade política num momento em que Paulo Portas chamou para si a liderança do Governo, vão aguentando o seu "líder" de Partido.

Dito isto, a verdade é que Passos Coelho cumpriu os seus objectivos ao fazer regressar Miguel Relvas à política activa (sim, porque Relvas está de volta: só por ingenuidade será possível afirmar que Relvas vai para um órgão nacional do PSD para "brincar" ou para "andar a esconder-se"...). Vejamos porquê.

Em primeiro lugar, Passos Coelho mostrou claramente que defende o seu núcleo duro até ao "último sopro", custe o que custar. Passos Coelho deixou cair Relvas no ano passado, num episódio que causou algum atrito na relação entre os dois. E Relvas, ao contrário do que afirmou, não tem andado desaparecido da vida do partido. Relvas é incapaz de deixar a política - porque depende dela e os seus negócios estão a ela associados. Relvas precisa de poder - sem poder não há Relvas. É uma questão de sobrevivência. Ora, o que tem feito Miguel Relvas? Miguel Relvas, como vingança da atitude do Primeiro-Ministro, andou a sondar a disponibilidade de gente não alinhada com Passos para formar uma alternativa à sua liderança. Ou seja, Relvas percebendo que Passos Coelho estava muito enfraquecido e que tinha quebrado o dever de solidariedade que os unia, tentou criar uma onda de agitação no partido e através de alguns meios de comunicação social (os almoços com alguns jornalistas mantiveram-se). Há quem diga que Miguel Relvas chegou a almoçar com Rui Rio algumas vezes - não sei se tal rumor tem ou não fundamento: direi apenas que é muito provável que tenha algum fundo de veracidade. Ora, Passos Coelho, ao convidar Miguel Relvas, volta a ter o seu amigo "operacional" consigo para dominar a máquina, para preparar as eleições autárquicas (Relvas mexe-se muito bem nos bastidores e ainda tem algumas posições estratégicas em algumas redacções) - e dá uma imagem de força política. De facto, se Passos Coelho não estivesse confiante de que a conjuntura lhe é particularmente favorável, não terei certamente chamado Miguel de Relvas de volta - no fundo, o sinal que pretende dar aos Portugueses é o de que ele rinha razão desde o início, até na equipa que formou! E que Miguel Relvas é um dos protagonistas do "milagre económico português" - merecendo, por conseguinte, um reconhecimento por tal feito! Passos Coelho já dá a sua vitória nas legislativas como dado adquirido!

Por outro lado, Passos Coelho pretendeu com o regresso de Miguel Relvas colocar travões à ascensão, segura e meritória, de Marco António Costa dentro do PSD - mas também no País. Marco António Costa tem sido a revelação do "passismo": seguro, muito trabalhador, com um discurso social forte e um trabalho notável de concertação e colaboração com as Misericórdias. Até um conhecido meu comunista elogiou a qualidade do trabalho de Marco António Costa! - o que é obra! Marco António Costa é muito melhor do que muitos (incluindo eu) julgavam! Ultimamente, têm surgidas inúmeras divergências - sobre matérias politicamente importantes - entre Passos Coelho e Marco António Costa. O regresso de Miguel Relvas é, pois, também uma forma de Passos Coelho controlar Miguel Relvas. Passos Coelho quer ser ele a dominar a máquina, sem qualquer contestação. Eis as verdadeiras razões do regresso de Miguel Relvas.

Enfim, Passos Coelho não vive sem Miguel Relvas. Diz-me com quem andas, dir-te-ei quem és... Refira-se, ainda, que o regresso de Relvas é uma desautorização objectiva de Nuno Crato: então, o Ministro da Educação retira o diploma a Relvas e Passos Coelho vem reabilitar o seu ex-Ministro? Tem alguma lógica? Por isso é que Passos não consegue ter pulso no Governo, precisando de Paulo Portas...

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