Renato Santana, de
Luziânia (GO) - Brasil de Fato
Dispostos a
enfrentar o que consideram uma das piores conjunturas de ataque aos direitos
pela terra pós-Constituição de 1988, povos indígenas de todo o país iniciaram
nesta segunda-feira, 15, o Abril Indígena 2013, que segue até sexta-feira, 19,
Dia do Índio. Nesta terça-feira, 16, cerca de 500 indígenas estarão em
audiência com a Frente Parlamentar de Defesa dos Povos Indígenas, a partir das
10h30, na Câmara dos Deputados.
Lideranças,
caciques, pajés, professores e professoras, vindos de comunidades às margens de
rodovias, aldeias acossadas pelo agronegócio, retomadas à espera de demarcação,
pretendem mais do que discutir problemas, mas reivindicar o que lhes é de
direito, usurpado pela agenda política de grupos latifundiários, mineradores,
madeireiros.
“Muitas vezes nos
deixamos enganar por conversas de gabinete. Não podemos deixar isso acontecer,
porque se a gente parar para ver o que o governo federal está fazendo é tão
ruim quanto aquilo que os fazendeiros, a elite agrária, fazem com a gente”,
destaca Ninawá Huni Kui (AC).
O Abril Indígena
deste ano acontece num período de ofensiva da bancada ruralista no Congresso
Nacional e país afora, além de medidas de exceção do Palácio do Planalto.Propostas
de alterações constitucionais referentes ao direito pela terra, no
Legislativo, edecreto de uso da Força Nacional contra comunidades que se
opuserem à construção de grandes empreendimentos, no Executivo, hegemonizam a
pauta de discussões e mobilizações dos indígenas. Sem o que comemorar numa
semana destinada a eles, os povos pretendem mostrar ao país que resistem e
estão vivos, para além do folclore e dos museus.
“Dos nossos últimos
encontros nacionais, em que elaboramos cartas para as autoridades, nada
melhorou, nada avançou. Acho que até piorou. Vivemos lamentando nossos mortos.
Está na hora de priorizarmos de verdade a luta pela terra. Sem ela, não somos
nada. Salário daqui e de lá não substitui, só divide. Na guerra temos de rir,
não chorar. Agora não guerreamos mais entre nós, sabemos bem quem são nossos inimigos”,
enfatiza cacique Babau Tupinambá, da Serra do Padeiro (BA).
Conforme a pauta
definida pelos movimentos indígena e indigenista, a semana será dividida em
discussões no Centro de Formação Vicente Cañas, em Luziânia (GO), e na
Esplanada dos Ministérios, em Brasília (DF), para onde vão a partir desta
terça-feira, 16, em atividades junto às Frentes Parlamentares de Defesa dos
Povos Indígenas e de Direitos Humanos e Minorias, esta última criada em
protesto contra a eleição do pastor Marco Feliciano (PSC/SP) para a presidência
da comissão, entre outras atividades.
“Perdemos as
margens de diálogo com os últimos episódios no congresso e no governo. O PL da
CNPI (que criará o conselho no âmbito do que é hoje a Comissão Nacional de
Política Indigenista) está prestes a sofrer um golpe, para não falar da PEC 215. A conjuntura é
delicada”, declara o integrante da CNPI, cacique Marcos Xukuru (PE). Os povos
indígenas do Nordeste sofrem com os grandes empreendimentos, caso da
Transposição do Rio São Francisco, a seca agravada pela concentração de terras
e a falta de demarcação de terras, caso dos Xukuru-Kariri, de Alagoas, que têm
feito retomadas em áreas há décadas reivindicadas. Na Bahia, os Tupinambá
seguem em constantes retomadas de áreas declaradas como indígenas, gerando
conflitos e violência.
“Os povos indígenas
estão prestes a levar um golpe, um golpe do Estado. Precisamos pensar uma
estratégia conjunta. As discussões são as mesmas sempre. Estão atrasando os
grupos de trabalho, deixando de fazer os processos de demarcação. Então o
governo decreta a PNGATI (Política Nacional de Gestão Ambiental em Terras Indígenas ),
mas rasga nossos territórios com empreendimentos, PECs. Não podemos aceitar
isso e devemos ir para a luta”, declara o vice-cacique Marcelo Entre Serras
Pankararu, do sertão pernambucano.
Delegações Guarani
do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e Mato Grosso do Sul trazem
relatos de vidas fora da terra, às margens de rodovias, e em áreas retomadas no
meio de fazendas de soja, cana e pasto. Durante o mês de março, o jovem Denílson
Guarani Kaiowá foi assassinado por fazendeiro. Os indígenas retomaram a área,
declarada como indígena, e na última semana a Justiça concedeu reintegração de
posse para o fazendeiro, assassino confesso do indígena. Na última sexta-feira,
um PM reformado invadiu um tekoha – lugar onde se é – e desferiu seis disparos
de arma de fogo, acertando um indígena na cabeça. Para se defender, a
comunidade o desarmou e o manteve seguro até a chegada da polícia. Levado ao
hospital, o PM não resistiu e morreu a caminho do atendimento médico. O
indígena atingido pelo disparo foi medicado e na sequência preso, acusado pelo
homicídio.
“Toda morte é
sempre ruim, mas os indígenas se defenderam. Ele (PM reformado) invadiu a
aldeia armado e também já tinha histórico de agressão contra os indígenas. Tudo
isso, porém, é resultado da demarcação incompleta da terra e da não retirada
dos ocupantes não indígenas da terra indígena”, pontua o coordenador do Cimi
Regional Mato Grosso do Sul, Flávio Vicente Machado. “Nossos territórios devem
estar livres. A violência não é nossa, porque não é a gente que quer tirar
direitos de ninguém. Apenas queremos os nossos”, completa cacique Babau.
Porém, além da
insegurança jurídica e social deixada pela falta de complemento nos processo de
demarcação, outros temas envolvem os povos indígenas. Um deles é a Portaria
303, da Advocacia Geral da União (AGU). Nela o órgão ‘orienta’ que as
condicionantes da Terra Indígena Raposa Serra devem se estender a todo país. “A
própria AGU questionou as tais condicionantes de Raposa Serra do Sol e no ano
passado baixou a Portaria 303 dizendo que elas se estendem a todo país, isso
sem essas tais condicionantes terem sido apreciadas pelo STF”, explica o
secretário executivo do Cimi, Cleber Buzatto.
Críticas também
foram feitas aos dez anos de PT e aliados à frente do Palácio do Planalto.
“Lula comia peixe assado com a gente. Ele dizia o que iria fazer por nós, era
lindo. Lula se elegeu e os parentes cruzaram os braços, acreditando numa
vitória para a gente. O resultado está aí: se aliou (Lula) com os capetas e
nada aconteceu de bom para a gente. Então precisa acabar com braços cruzados,
pois eles estão abrindo a porta da casa da gente para hidrelétricas,
mineradoras, fazendeiros”, analisa Nailton Pataxó Hã-hã-hãe. Há exatamente um
ano os Pataxó Hã-hã-hãe recuperavam a totalidade da Terra Indígena
Caramuru-Catarina Paraguaçu, no extremo sul da Bahia, expulsando todos os
invasores, grandes latifundiários de gado e monocultivos.
Demarcações de
terras e PEC 215
Durante o governo
Dilma Rousseff, apenas dez terras indígenas foram demarcadas no Brasil, sendo
todas na região Norte – sete no Amazonas, duas no Pará e uma no Acre, ou seja,
áreas que hoje não envolvem os conflitos mais encarniçados entre latifundiários
invasores e comunidades indígenas. Os dados são do Conselho Indigenista
Missionário (Cimi), com base nas publicações do Ministério da Justiça no Diário
Oficial da União. Uma vez que 335 terras estão em alguma das fases do
procedimento de demarcação, em dezenas com demora de dez, 20 anos para a
conclusão, caso da Terra Indígena Morro dos Cavalos (SC), e outras 348
reivindicadas, a quantidade recente de demarcações é abaixo do esperado pelos
povos indígenas e Ministério Público Federal (MPF). Para completar, a PEC 215
vem com grande força.
Aprovada na
Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, sob intensos protestos de
comunidades indígenas, a PEC 215 teve comissão formada por decisão do deputado
federal Henrique Alves (PMDB/RN), presidente da casa e eleito com o compromisso
de encaminhar a PEC 215 para votação. A proposta da bancada ruralista visa
transferir do Executivo para o Legislativo o processo de demarcação e
homologação de terras indígenas, quilombolas e a criação de Áreas de Proteção
Ambiental. Com a maior bancada no Congresso Nacional, controlando ¼ da Câmara,
ruralistas passariam a ter influência direta nas decisões de demarcações,
atendendo aos próprios interesses.
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