Yury
Shakhin – Revista Rubra
Para
a maioria dos europeus, a Ucrânia deve parecer um país muito estranho. Enquanto
na UE as massas protestam activamente contra as suas políticas, o povo
ucraniano quer com toda a sua força entrar na UE e, aos seus olhos, a
imperialista União Europeia parece ser a Terra Prometida. Contudo, a nossa
tarefa não é surpreendermo-nos mas explicar o que aconteceu na Ucrânia.
Antes
de mais, tenho de dizer quais foram as razões para o surgimento do movimento de
Maidan. É sobejamente conhecido que os trabalhadores ucranianos estavam fartos
de exploração e corrupção. Havia um poderoso descontentamento social na
sociedade ucraniana. No decurso dos últimos anos, foram muitos os sinais
inequívocos dessa realidade. Protestos espontâneos, principalmente da facção
pequeno-burguesa, estalaram em diferentes partes da Ucrânia. Por isso, foi um
real descontentamento social que levou finalmente a Maidan.
O
movimento Maidan tem uma importante particularidade — era de natureza
pequeno-burguesa. Os nossos camaradas de Kiev, que visitaram Maidan, notaram a
presença de camponeses, de trabalhadores sazonais do campo, de comerciantes
urbanos, os chamados estratos médios urbanos, da intelligentsia, mas não
encontraram os trabalhadores comuns a participar activamente em Maidan. De qualquer
modo, muitos deles insurgiram-se contra as más condições de vida e a governação
dos grandes capitalistas, chamados oligarcas na Ucrânia. Assim, Maidan tinha
realmente algumas tendências democráticas e foi por isso que alguns
esquerdistas ucranianos tentaram participar nele.
No
entanto, o movimento pequeno-burguês não era independente. Desde o princípio,
aceitou a hegemonia das forças nacionalistas burguesas. Estas forças
oposicionistas recebiam abertamente a ajuda financeira americana e europeia e
tentaram manobrar este protesto para a sua luta de poder na Ucrânia. Tiveram
sucesso nesta empresa.
Ora,
fora da Ucrânia desconhece-se que, no princípio, desenhavam-se duas Maidans:
uma fora formada espontaneamente na praça da Independência, a outra tinha sido
organizada pelo partidos da oposição na praça Europeia. Quando os partidos da
oposição perceberam que o seu campo não era popular, deslocaram-se para a praça
da Independência e assumiram o seu controlo, dado a sua melhor organização e
capacidade financeira. Assim, Maidan caiu nas mãos das forças nacionalistas da
burguesia que trabalhavam como agentes do EUA e da UE. Este facto beneficiou o
fortalecimento das tendências extremistas pró-Nazi em Maidan.
Depois
da vitória de Maidan, a sua natureza de classe mudou completamente. Se, antes
da vitória, ainda se verificavam algumas tendências democráticas, depois dela
desapareceram completamente. Desde o final de Fevereiro que Maidan se
transformou na base do novo regime burguês. E se alguém tenta descobrir alguma tendência
democrática, terá de procurar aqueles grupos de pessoas que não caíram sob a
influência Nazi e se opõem ao actual governo de Kiev.
Quanto
à natureza de classe do novo poder estatal estabelecido por Maidan, ela é
baseada na aliança entre oligarcas e a cáfila Nazi. Aqueles que falaram sobre
uma vitoriosa revolução democrática na Ucrânia estavam completamente enganados.
As forças da oposição burguesa usaram os protestos de massa para alcançar o
poder e nada mais. Não se tratou de uma revolução, mas de um golpe de Estado
reaccionário — nada mudou nas relações de propriedade, nada mudou na estrutura
política. A única mudança foi que os extremistas nacionalistas ucranianos
alcançaram o poder. E eles nada têm a ver com o fortalecimento da democracia.
A
liberdade política é agora mais limitada do que nos tempos de Yanukovitch. O
novo governo de Kiev passou imediatamente a controlar todos os principais
canais de televisão na Ucrânia. Os jornais oposicionistas mais influentes foram
encerrados, por exemplo, o que aconteceu com o jornal “2000” , que se orientava
consistentemente pela Rússia e não pela UE ou pelos EUA. Verificaram-se
ataques DDOS (ataque de negação de serviço) contra sítios da net
oposicionistas, como o «Українська кривда», que expunha as mentiras e a
natureza corrupta dos ditos média democráticos e independentes — este sítio da
net não funciona desde a vitória dos “democratas”. Todas as tipografias
receberam uma ordem do serviço de segurança do Estado para não imprimir
materiais contra o novo regime — é, por isso, que até o nosso pequeno jornal
enfrenta dificuldades pela primeira vez na sua história: nós denunciamos
abertamente a aliança entre a cáfila Nazi e os oligarcas como a base do novo
regime e, por esta razão, é difícil conseguir publicá-lo.
Como
é evidente, o novo governo ucraniano tem o apoio externo. Ele depende do
imperialismo da UE e dos EUA. A cada dia que passa, vai-se tornando claro o
plano dos EUA de o usar como um simples instrumento na sua disputa hegemónica
com a Rússia. Por isso, na perspectiva internacional, o governo de Kiev é
instrumental na repartição das esferas de influência mundiais. Assim, a sua
natureza reaccionária deve-se não só ao seu papel interno, como externo.
Portanto,
a tarefa de todas as forças da classe trabalhadora não está em procurar as
tendências democráticas do novo regime, mas em proclamar desafogadamente: não
apoiem o governo de Kiev!
Os
aventureiros que tomaram o poder em Kiev analisaram realisticamente a situação
e compreenderam muito bem que, nos próximos meses, se tornarão extremamente
impopulares. E, inesperadamente, a Rússia auxiliou-os no momento certo! Quando
as tropas russas entraram na Crimeia, uma extraordinária onda patriótica
levantou-se em toda a Ucrânia. O governo de Kiev desencadeou activamente
uma intensa propaganda patriótica. Todos os média ucranianos produzem a ilusão
de que a guerra Rússia-Ucrânia é inevitável. Proclamou-se na Ucrânia uma
parcial mobilização militar. Ainda que toda a gente que ouça atentamente o
ministro dos negócios estrangeiros Lavrov perceba que a Rússia não tem
quaisquer planos de movimentar as suas tropas no interior dos territórios
ucranianos (as recentes revoltas na Ucrânia do Leste provaram isso: durante
duas semanas, pessoas em Donetsk e Lugansk clamaram pela ajuda da Rússia, mas
nenhum tanque russo atravessou a fronteira ucraniana). Seja como for, uma real
histeria bélica começou na Ucrânia. O regime usa habilmente a actividade russa
na Crimeia como um instrumento de auto-fortalecimento.
Assim,
o imperialismo russo auxiliou os Nazis ucranianos. Muitas pessoas moderadas,
que não estavam satisfeitas com a vitória de Maidan, submeteram-se à propaganda
nacionalista e patriótica. E isto teve duas consequências negativas: primeiro,
os apoiantes de Maidan proclamaram que era impossível criticar o novo governo
enquanto a Ucrânia não tivesse vencido a guerra e recuperado a Crimeia, o que
preveniu, ou adiou, a ruptura entre as massas e os novos governantes
capitalistas reaccionários; segundo, a situação na região sudeste modificou-se.
Logo que o governo de Kiev se estabeleceu, começou nesta região da Ucrânia uma
larga movimentação de pessoas anti-Maidan. Esta detinha algumas tendências de
classe e esperamos que elas sejam fortalecidas, mas a entrada russa na Crimeia
veio cerceá-las. Muitas das pessoas abandonaram o movimento anti-Maidan porque
entraram numa histeria patriótica, e este tornou-se cada vez mais estreitado
com as forças nacionalistas russas a aumentarem nele a sua presença. Na
verdade, os trabalhadores ucranianos sofreram em Março duas mobilizações
nacionalistas — a ucraniana e a russa. O lugar para uma posição de classe
autónoma estreitou-se rigorosamente.
A
única forma de travar as tendências nacionalistas é reconhecer que a alteração
das fronteiras ucranianas não é razão suficiente para parar a luta de classe
contra o regime. Ainda que tal possa conduzir à guerra pela Crimeia, devemo-nos
recordar da corajosa posição de princípio de Lenine, Karl Liebknecht e outros
sociais-democratas de esquerda, durante a I Guerra Mundial, quando os regimes
reaccionários embateram. Eles deram-nos o exemplo da posição que a esquerda
consciente deve tomar relativamente aos regimes reaccionários e à luta das
forças imperialistas. Eles não pararam a luta de classe mesmo durante a Guerra
Mundial.
Por
isso, na presente situação, o nosso slogan, Não apoiem o governo de Kiev!,
é uma espécie de derrotismo revolucionário. E nós temos o direito moral de
escolher esse caminho. Alguns protestos públicos contra Putin e a sua
política para a Crimeia tiveram lugar na Rússia no passado Março. A posição dos
marxistas russos, que protestam contra o chauvinismo das políticas de Putin,
abrem a possibilidade moral de executar actividades semelhantes contra o
governo nacionalista na Ucrânia. Pois, como Lenine ensinou, o derrotismo
revolucionário é somente possível quando tais políticas são conduzidas em ambos
lados dos Estados beligerantes.
Na
nossa luta, devemos perceber e reconhecer que a revolução socialista na Ucrânia
não está, há muito tempo, na ordem do dia. Actualmente não existem sinais de um
movimento de classe autónomo. Não só não existem partidos de esquerda
influentes, como não existem partidos de esquerda de génio. Não existem
sindicatos influentes e os sindicatos existentes estão quase completamente fora
do movimento socialista, dada a sua ideologia. Não existe consciência de classe
nas classes trabalhadoras, substituída actualmente por diferentes ilusões
burguesas. A crise actual tornou a situação ainda pior. Muitos
trabalhadores ficaram encandeados com a ideologia nacionalista da mobilização.
Por isso, nas circunstâncias actuais, temos de criar condições prévias para um
movimento de classe autónomo e o mais importante ponto de partida para os
marxistas ucranianos é destruir as ilusões burguesas e fortalecer a consciência
de classe.
Nesta
tarefa, nós temos um aliado inesperado — o governo actual. As suas políticas
reaccionárias neoliberais irão produzir e aprofundar o descontentamento nas
massas trabalhadoras. As reformas neoliberais, que o governo de Kiev pretende
prosseguir sob a aparência de luta contra a agressão externa, irão abrir
rapidamente os olhos às pessoas, independentemente da sua presente orientação
política. Quer a população neutral, quer a que luta, seja no lado Maidan, seja no
lado anti-Maidan, começarão a perceber o que está a acontecer. Nós temos de
aproveitar esta influência na consciência das massas para formar a consciência
de classe, seja em pessoas de Maidan ou anti-Maidan, seja em pessoas da
população neutral.
Quais
são as principais tarefas ideológicas neste processo? A crítica deve ser
dirigida principalmente contra as ilusões Europeias: sem as destruir será
impossível conduzir o descontentamento de massas na direcção socialista.
Actualmente, tais ilusões são hegemónicas. Por isso, devemos confrontar as
esperanças de colher o maná na UE com a verdadeira imagem da dura realidade da
luta de classes nesse bastião do imperialismo mundial. Mas não é tudo.
Nas
regiões onde a influência da União Aduaneira existe, o desapontamento com as
ilusões Europeias irão trabalhar para o benefício do centro imperialista. Deste
modo, devemos complementar a crítica das ilusões Europeias na região sudeste
com a crítica da União Aduaneira, de outro modo as nossas críticas
anti-Europeias irão produzir novas ilusões burguesas e fortalecer um
imperialismo em detrimento de outro.
A
tarefa seguinte. No oeste e este do país, a mobilização nacionalista da
população foi realizada por meio de várias ideologias nacionalistas. Deste
modo, devemos criticar o nacionalismo, seja ele ucraniano, seja ele russo. Ao
mesmo tempo, devemo-nos recordar que o nacionalismo ucraniano é o mais activo
actualmente. Ele tem do seu lado o poder de Estado e de grupos armados, e é
muitas vezes mais popular entre a juventude do que o nacionalismo russo.
Portanto, devemos dirigir contra ele o nosso fogo.
O
sucesso desta proposta de programa não depende somente da actividade dos
esquerdistas. Ele depende muito mais da evolução interna do regime. É altamente
provável que o regime atinja formas francamente fascistas. Neste caso, todas as
recomendações supra-referidas se tornarão inúteis.
Outro
grande problema nas tácticas propostas é a falta de forças esquerdistas na
Ucrânia. A mobilização ucraniana produzida tornou muito fortes as organizações
ucranianas. Algumas submeteram-se às ilusões de Maidan, às ilusões Europeias, e
envolveram-se com o movimento nacionalista ucraniano. Isto aconteceu com os
anarquistas (excepto os anarco-sindicalistas) e a maioria do grupo trotskista
“Oposição de Esquerda” em
Kiev. O mais vergonhoso exemplo desta táctica aconteceu na
rua Grushevskogo, em
Kiev. Anarquistas lutaram contra a força especial da polícia
e atiraram cocktails molotov ombro a ombro com os Nazis do Right
Sector. Outra parte dos grupos de esquerda caíram sob as ilusões Russas. Tal
aconteceu com a organização neo-estalinista Borotba e outros pequenos
grupos estalinistas. Actualmente, estão activos no movimento anti-Maidan.
Infelizmente, alguns camaradas do meu grupo “Contra-Corrente” submeteu-se
também às ilusões Europeias. O nosso grupo fracturou-se porque não conseguíamos
encontrar uma plataforma comum.
Por
este artigo, podem compreender as diferenças entre nós e os nossos oponentes.
Mas é necessário formulá-las, frontal e abertamente, para um melhor
entendimento. Será útil para os esquerdistas europeus que cometem erros
semelhantes. Portanto, em que é que estamos em desacordo com os nossos
oponentes?
Eles
acreditam que todos os recursos devem ser dirigidos para a crítica do
imperialismo russo, ignorando completamente a actividade do imperialismo
europeu e americano;
Eles
acreditam que o principal golpe deve ser desferido contra o nacionalismo russo,
sendo que o nacionalismo ucraniano não é considerado a sua principal ameaça;
Eles
ignoram a tendência acelerada no sentido de um regime fascista e continuam a
acalentar ilusões democráticas;
Eles
acreditam que é necessário apoiar incondicionalmente a escolha Europeia da
Ucrânia, porque eles vêem nisso algo distinto da simples absorção da Ucrânia ao
imperialismo europeu.
A
situação na Ucrânia é muito difícil. Seja como for, há algumas hipóteses
de constituir uma autónoma consciência de classe — espero. E nesta base, iremos
finalmente formar um movimento independente, tanto do nacionalismo ucraniano,
como do nacionalismo russo. Um movimento independente, tanto do imperialismo
americano e europeu, como do imperialismo russo. Um movimento de classe
consciente da força dos trabalhadores.
Traduzido
do inglês por Pedro Bravo
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