segunda-feira, 30 de junho de 2014

Portugal: NUNCA SABEMOS



Paulo Baldaia – Diário de Notícias, opinião

Nunca sabemos o que verdadeiramente se passa no mundo financeiro que controla a nossa vida a nível global. Instituições altamente respeitadas caem como castelos de cartas, bastando para isso que a pressão de tanta coisa mal feita liberte uma pequena notícia. Como é possível que, até ao primeiro furo, se consiga esconder toda a lixeira debaixo do tapete?

Isto é assim por aqui e em qualquer parte do mundo. A primeira notícia funciona como uma espécie de furo no insuflável, que vai esvaziando e soltando rios de informação que não deveria ser possível esconder. O que agora se passa na finança do grupo Espírito Santo não é na verdade o que agora se passa, é pior. É o que só agora se sabe.

Sabendo-se, aliás, de forma quase diária alguma coisa sobre o que aconteceu lá atrás, nós passamos por tudo isto sem questionar como foi possível fazer sem ninguém ser capaz de ver. Vivemos conformados porque nos dizem que é inevitável que as coisas se passem assim. Como se as coisas, todas as coisas, tivessem vida própria.

Desta vez há até grandes elogios ao Banco de Portugal, como se a instituição tivesse evitado uma tragédia, mas a verdade é que não evitou. A tragédia está consumada, podia ser de maiores dimensões se Carlos Costa não tivesse agido como agiu mas também poderia ter consequências bem menores se o sistema de vigilância funcionasse eficazmente. Nesta história, o Banco de Portugal terá evitado males maiores para o BES, obrigando a separar o trigo do joio. E é claro que comparando a governação de Carlos Costa com a de Vítor Constâncio, a actual oferece-nos muito maior segurança, mas o problema é que os bancos centrais continuam sem capacidade de evitar que muitas coisas aconteçam, "limitando-se" a deixar-nos ver que aconteceram.

Nós nunca sabemos porque nunca queremos saber como foi possível acontecer sem ninguém ver, nem como será possível evitar que volte a acontecer. Damos muito mais valor à guerra mediática, à novela dos nomes ou ao envolvimento de uma família de banqueiros, numa história que atinge o clímax por envolver alguém a quem reconhecíamos um poder quase monárquico.

Quando aconteceu o que aconteceu com alguns bancos nacionais no meio de uma grave crise do sistema financeiro global e se seguiram testes de stress feitos pelas "inatacáveis e insuspeitas" instituições europeias, nós pensámos que podíamos dormir descansados e, afinal, não podemos, porque a ignorância nunca é um bom remédio. Eles só mostram o que querem mostrar, nós nunca sabemos o que está a acontecer. De vez em quando, deixam-nos espreitar uma breve síntese do que já aconteceu, ficando a ilusão de que a vigilância funciona. Mesmo quando nos chamam a pagar, nunca nos contam a história toda.

*Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

Sem comentários:

Mais lidas da semana