Díli,
29 ago (Lusa) - A 30 de agosto de 1999, Guilhermina Ribeiro saiu de casa com o
coração dividido entre o amor pelas suas filhas e o amor ao seu país,
Timor-Leste, mas escolheu votar pela independência de todos os timorenses.
"Era
o dia pelo qual todos nós, timorenses, esperávamos, mas, por outro lado, estava
dividida, tinha de deixar duas filhas e uma sobrinha para poder exercer o meu
direito de voto", recordou à agência Lusa Guilhermina Ribeiro, atual
diretora-geral da Secretaria de Estado de Segurança timorense.
Sábado,
Timor-Leste celebra o 15.º aniversário da realização do referendo que conduziu
à restauração da independência, mas a data serve igualmente para recordar que
também iniciou uma onda de violência que provocou mais mortos, mais feridos,
mais tristeza e deixou tudo em cinzas.
Os
15 anos passaram, mas Margie (nome de código de Guilhermina Ribeiro durante a
luta de resistência à ocupação indonésia ) não esquece o medo e a insegurança
que sentiu naquele dia quando ficou dividida entre a "preocupação de mãe e
o direito de cidadã".
Antes
de sair de casa, Guilhermina Ribeiro deixou uma mensagem às suas filhas e
sobrinha: "Se acontecer algo não me procurem vão ter com o padre Mar
Queirós (nome de código da resistência timorense dado ao padre Filomeno Jacob
Abel)".
Guilhermina
Ribeiro sabia que era um alvo. Afinal, aquela veterana timorense pertencia à
Frente Clandestina e era, além de motorista, responsável pelos assuntos de
informação.
Margie
votou e regressou ao refúgio, nas montanhas perto de Dare, mas ao contrário do
que pensava, a sua participação na luta pela restauração da independência ainda
não tinha acabado. Faltava uma outra tarefa.
"Ao
anoitecer (do dia 30 de agosto) recebi uma nota para no dia seguinte ser
testemunha e participar na contagem de votos. Pensei que a minha luta tinha
acabado, mas ainda tinha outra tarefa testemunhar a contagem de votos",
disse.
Uma
tarefa difícil para quem era procurada por fazer parte da resistência e sempre
ter defendido a independência de Timor-Leste e que obrigou Guilhermina Ribeiro
a disfarçar-se de "maria rapaz".
"Vestia-me
toda de preto com um casaco com um capuz com que tapava a cabeça", disse,
recordando os apertos no coração cada vez que uma urna tinha mais votos
integracionistas do que independentistas.
"No
final das contas, a 03 de setembro pediram para não voltarmos no dia a seguir.
Percebemos que a pró-independência estava a ganhar e iam começar a haver
problemas", afirmou.
E,
assim foi. A 04 de setembro o resultado do referendo foi anunciado e 78,5 por
cento dos timorenses dão a vitória à independência. As milícias indonésias
iniciam de imediato uma campanha de violência, destruição, deportação em massa,
roubos e incêndios.
A
população refugiou-se nas montanhas, a Missão da ONU em Timor-Leste, destacada
para a meia-ilha em maio para organizar a consultar popular abandona o país.
Nesse
dia, Guilhermina Ribeiro ainda foi ao banco levantou dinheiro e comprou
alimentos e medicamentos, depois fugiu para o refúgio, numa zona onde estavam
cerca de 300 pessoas, a maior parte dos quais idosos, crianças e mulheres
grávidas.
Margie
era também responsável pela Organização da Mulher de Timor e ainda não consegue
conter as lágrimas quando fala da colega que não conseguiu salvar durante um
parto, por causa da falta de assistência médica.
"Para
mim a luta só acabou no dia 20 de setembro com a entrada da Interfet (força de
manutenção de paz liderada pela Austrália). Nós no cimo da montanha vimos a
entrada deles e naquele momento soubemos que ganhámos", afirmou.
Agora,
15 anos depois, Margie não tem dúvidas que a luta valeu a pena, houve pessoas
que morreram, outras que continuam desaparecidas, mas também percebeu que a sua
luta ainda não acabou.
"A
minha luta ainda não acabou. Como mulher, mãe e cidadã vou continuar a
contribuir com o melhor que posso e tenho para que Timor-Leste seja cada vez
mais um país melhor e para que as mulheres timorenses nunca mais voltem a
passar por aquilo que passaram e para que outras continuem este trabalho, esta
luta", afirmou.
Guilhermina
Ribeiro, com 55 anos, tem cinco filhos, três rapazes e duas raparigas. Todos
sobreviveram. As raparigas vivem em Díli, os rapazes em Portugal, Austrália e
Irlanda. Todos estudaram e têm vidas independentes.
"Esta
foi a minha grande vitória", concluiu.
MSE
// EL - Lusa
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