sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Margie, a veterana timorense, que escolheu votar no referendo com o coração nas mãos





Díli, 29 ago (Lusa) - A 30 de agosto de 1999, Guilhermina Ribeiro saiu de casa com o coração dividido entre o amor pelas suas filhas e o amor ao seu país, Timor-Leste, mas escolheu votar pela independência de todos os timorenses.

"Era o dia pelo qual todos nós, timorenses, esperávamos, mas, por outro lado, estava dividida, tinha de deixar duas filhas e uma sobrinha para poder exercer o meu direito de voto", recordou à agência Lusa Guilhermina Ribeiro, atual diretora-geral da Secretaria de Estado de Segurança timorense.

Sábado, Timor-Leste celebra o 15.º aniversário da realização do referendo que conduziu à restauração da independência, mas a data serve igualmente para recordar que também iniciou uma onda de violência que provocou mais mortos, mais feridos, mais tristeza e deixou tudo em cinzas.

Os 15 anos passaram, mas Margie (nome de código de Guilhermina Ribeiro durante a luta de resistência à ocupação indonésia ) não esquece o medo e a insegurança que sentiu naquele dia quando ficou dividida entre a "preocupação de mãe e o direito de cidadã".

Antes de sair de casa, Guilhermina Ribeiro deixou uma mensagem às suas filhas e sobrinha: "Se acontecer algo não me procurem vão ter com o padre Mar Queirós (nome de código da resistência timorense dado ao padre Filomeno Jacob Abel)".

Guilhermina Ribeiro sabia que era um alvo. Afinal, aquela veterana timorense pertencia à Frente Clandestina e era, além de motorista, responsável pelos assuntos de informação.

Margie votou e regressou ao refúgio, nas montanhas perto de Dare, mas ao contrário do que pensava, a sua participação na luta pela restauração da independência ainda não tinha acabado. Faltava uma outra tarefa.

"Ao anoitecer (do dia 30 de agosto) recebi uma nota para no dia seguinte ser testemunha e participar na contagem de votos. Pensei que a minha luta tinha acabado, mas ainda tinha outra tarefa testemunhar a contagem de votos", disse.

Uma tarefa difícil para quem era procurada por fazer parte da resistência e sempre ter defendido a independência de Timor-Leste e que obrigou Guilhermina Ribeiro a disfarçar-se de "maria rapaz".

"Vestia-me toda de preto com um casaco com um capuz com que tapava a cabeça", disse, recordando os apertos no coração cada vez que uma urna tinha mais votos integracionistas do que independentistas.

"No final das contas, a 03 de setembro pediram para não voltarmos no dia a seguir. Percebemos que a pró-independência estava a ganhar e iam começar a haver problemas", afirmou.

E, assim foi. A 04 de setembro o resultado do referendo foi anunciado e 78,5 por cento dos timorenses dão a vitória à independência. As milícias indonésias iniciam de imediato uma campanha de violência, destruição, deportação em massa, roubos e incêndios.

A população refugiou-se nas montanhas, a Missão da ONU em Timor-Leste, destacada para a meia-ilha em maio para organizar a consultar popular abandona o país.

Nesse dia, Guilhermina Ribeiro ainda foi ao banco levantou dinheiro e comprou alimentos e medicamentos, depois fugiu para o refúgio, numa zona onde estavam cerca de 300 pessoas, a maior parte dos quais idosos, crianças e mulheres grávidas.

Margie era também responsável pela Organização da Mulher de Timor e ainda não consegue conter as lágrimas quando fala da colega que não conseguiu salvar durante um parto, por causa da falta de assistência médica.

"Para mim a luta só acabou no dia 20 de setembro com a entrada da Interfet (força de manutenção de paz liderada pela Austrália). Nós no cimo da montanha vimos a entrada deles e naquele momento soubemos que ganhámos", afirmou.

Agora, 15 anos depois, Margie não tem dúvidas que a luta valeu a pena, houve pessoas que morreram, outras que continuam desaparecidas, mas também percebeu que a sua luta ainda não acabou.

"A minha luta ainda não acabou. Como mulher, mãe e cidadã vou continuar a contribuir com o melhor que posso e tenho para que Timor-Leste seja cada vez mais um país melhor e para que as mulheres timorenses nunca mais voltem a passar por aquilo que passaram e para que outras continuem este trabalho, esta luta", afirmou.

Guilhermina Ribeiro, com 55 anos, tem cinco filhos, três rapazes e duas raparigas. Todos sobreviveram. As raparigas vivem em Díli, os rapazes em Portugal, Austrália e Irlanda. Todos estudaram e têm vidas independentes.

"Esta foi a minha grande vitória", concluiu.

MSE // EL - Lusa

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