CRISTINA FERREIRA - Público
O
sector financeiro só soube durante o fim-de-semana que ia ser chamado a
resgatar o Banco Espírito Santo (BES), apoiado num empréstimo do Estado, o que
apanhou de surpresa a generalidade dos banqueiros portugueses.
Foi
no sábado que os banqueiros portugueses, nomeadamente da CGD, do BCP, do BPI e
do Santander, foram informados pelo Banco de Portugal do caminho adoptado para
salvar o segundo maior banco português, uma solução que envolvia o sistema. E
que não era esperada pela banca, apurou o PÚBLICO, ainda que não constituísse
uma verdadeira surpresa, dado que é uma das vias previstas na lei da
recapitalização.
Havia
ainda, segundo as mesmas fontes, outros sinais de alerta: as acções do BES
estavam numa trajectória imparável de queda e sexta-feira fecharam a 12
cêntimos; o BCE deu indicações de que teria de ser encontrada uma solução
rápida; a agência de notação canadiana reviu o rating do BES para
baixo do grau de investimento (o que fecha o acesso ao financiamento interbancário
e do BCE).
Alguns
responsáveis financeiros consultados pelo PÚBLICO nesta segunda-feira admitiram
que apesar de esta ser uma solução “compreensível” do ponto de vista político,
pois evita que os contribuintes sejam penalizados, é moralmente “inaceitável”:
a banca é chamada a responsabilizar-se pela dívida “de alguém [Ricardo Salgado]
que fez o que fez e está de férias”.
E
os supervisores não actuaram atempadamente e permitiram que o “carro
descarrilasse”, pois não equacionaram o pior dos cenários: a exposição do BES
ao universo empresarial Espírito Santo revelou-se muito maior do que o
expectável, pois foi ao banco que os problemas do GES (com as holdings sob
gestão de falências) foram desaguar. E o GES ruiu em menos de um mês. Não só a
equipa de Salgado desobedeceu às orientações do BdP, já depois de ter sido
afastado, aumentando os financiamentos ao grupo, como foram, entretanto,
detectadas novas irregularidades. Como resultado o BdP teve de realizar emendas
sucessivas às contas o que culminou num prejuízo semestral de 3600 milhões.
Foi
neste quadro de pressão que o BES, transformado em Novo Banco , reabriu
nesta segunda-feira. Dividido em dois: num banco mau (que mantém a marca BES,
os seus accionistas, mas sem licença de actividade e sob a alçada de uma
comissão liquidatária) e num banco novo, alvo de uma injecção de fundos de 4900
milhões. Para os clientes com créditos bons ou recuperáveis, os depositantes e
os trabalhadores nada mudou, apenas a marca.
É
no Novo Banco que o sistema financeiro vai entrar através do Fundo de Resolução, gerido
pelo Banco de Portugal, mas fundeado pelo sector, na proporção da quota de
mercado de cada instituição. O contributo da banca irá totalizar 500 milhões
(incluindo os 187 milhões que já lá estão), pelo que o Estado fará um
adiantamento de 4400 milhões ao Fundo de Resolução. Como colateral, o sector
recebe o Novo Banco. E assim que este for colocado no mercado, até ao Verão de
2016, obterá ou uma mais-valia, ou ficará a zero ou encaixará um prejuízo.
A
ministra das Finanças deu nesta segunda-feira uma entrevista à SIC, em que
esclareceu que os 4400 milhões de euros serão emprestados pelo Estado a 2,8% (mais 15 pontos base para
custos) à taxa média a que o Tesouro se financia junto da troika.
A linha será renovada de três em três meses (até dois anos), com um acréscimo
do spread de cinco pontos-base.
O
Novo Banco vai ficar livre de "quaisquer responsabilidades ou
contingências decorrentes de dolo, fraude, violações de disposições
regulatórias, penais ou contra-ordenacionais", assim como de
"quaisquer responsabilidades ou contingências do BES relativas a emissões
de acções ou dívida subordinada." Os possíveis pedidos de indemnização e
processos interpostos por fraudes vão visar o banco mau, que fica
com as posições no BES Angola, no banco na Líbia (Aman Bank) e em Miami
(Espirito Santo Bank). Outra imposição do BdP, inédita, é que os depósitos
e aplicações de gestores, familiares ou outras pessoas que tenham sido
coniventes com actos de gestão irregulares ficam na esfera do banco mau, o que
impede o acesso dos detentores a estas verbas.
A
comissão liquidatária do BES - banco mau, liderada por Luiz Máximo dos Santos,
vai receber 10 milhões de euros para recuperar o valor dos activos tóxicos e
suportar os custos com as diligências. Se no final tiver um lucro, tudo indica,
será transferido para o Novo Banco.
Na
foto: Ricardo Salgado - NUNO FERREIRA SANTOS
Leia
mais em Público
Sem comentários:
Enviar um comentário