Tomás
Vasques – jornal i, opinião
Nos
tempos que correm, só não tem do número de contribuinte quem está sepultado, a
três metros de profundidade, e com uma pesada lápide em cima
No
que ao pagamento de impostos diz respeito, tema tão badalado durante a semana
passada, todos os contribuintes gostariam, certamente, de ser liberais à moda
agostiniana. Não de Santo Agostinho, o mata-hereges, mas de Agostinho da Silva,
o herege. Um dos nossos mais arejados pensadores não tinha bilhete de identidade,
nem número de contribuinte. "Se eu tiver número de contribuinte fico na
obrigação de ver o que é que o governo faz do dinheiro dos contribuintes. E aí
entro em conflito com Portugal, o que não quero" - dizia. O que colocava
em causa não era o dever de todos os contribuírem de modo a que o Estado possa
cumprir as suas funções, mas o que "o Estado faz do dinheiro dos
contribuintes". Para mal do imaginário de todos os contribuintes,
Agostinho da Silva deve ter sido o último abencerragem ou o último dos moicanos.
Nos
tempos que correm, só não tem número de contribuinte quem está sepultado a três
metros de profundidade, e com uma pesada lápide em cima. Até quando pedimos
um café, ao balcão de uma casa de pasto, numa aldeia remota, nos perguntam o
número de contribuinte. Ainda nos é conferida, por estes dias, a liberdade de
recusar essa informação, dispensando a participação em sorteios de automóveis
que alimentam este pornográfico Big Brother fiscal. Mas não será por muito
tempo. Só falta a substituição do bilhete de identidade pelo tal número fiscal,
com direito a um chip, de leitura óptica, aplicado à nascença, na maternidade.
Cada cidadão será apenas, para o Estado, um código de barras. E quanto mais
tilinta a caixa registadora do fisco, mais se reduz a despesa na Educação, na
Saúde, na Solidariedade e na Segurança Social, e no bem-estar das pessoas. O
lema deste governo tem sido: mais impostos e menos Estado.
Convém
lembrar que, tanto no mês de Agosto, como nos primeiros oito meses deste ano,
registaram-se as maiores receitas fiscais de sempre sobre o rendimento das
pessoas. Para este ano, o governo estima uma colheita fiscal, em IRS, de mais
4,5 mil milhões de euros do quem em 2006. Mais 4,5 mil milhões de euros retirados
aos rendimentos do trabalho e, o que amplia a dimensão deste dilúvio fiscal, o
saque é obtido sobre muito menos trabalhadores no activo e sobre salários mais
baixos. E em contrapartida, mais pobreza e insegurança social. E cada vez mais
cidadãos a entrar em "conflito com Portugal" e com a democracia.
Por
ironia, exactamente na semana em que os contribuintes foram informados de que
sofreram o maior saque fiscal de sempre, o primeiro-ministro - ele, próprio -
do governo que mais nos tem aproximado da vassalagem fiscal, foi confrontado
com o eventual recebimento, há uns anos, de avultadas remunerações por debaixo
da mesa. A primeira reacção de Pedro Passos Coelho, ao dizer que não se
lembrava se tinha recebido ou não tais remunerações, foi definitivamente fatal
para a sua credibilidade política. Sabendo que tinha recebido dinheiro do
parlamento, requerido por si, e assinado pelo seu punho, onde afirmava que se
dedicara ao cargo de deputado em exclusividade de funções, só havia uma
resposta possível: "Não! Não fui remunerado por nenhuma empresa no período
em que exerci o cargo de deputado em exclusividade de funções. Se tivesse sido
remunerado, para além de constar nas declarações fiscais, não tinha requerido,
ao parlamento, o dinheiro que me era devido pela exclusividade de
funções." O esquecimento inicial, o pedido de informação ao
secretário-geral da Assembleia da República, o qual meteu os pés pelas mãos,
tal como o inútil pedido de investigação à PGR, foram os três actos de uma
comédia que desabonaram o senhor primeiro-ministro.
Pedro
Passos Coelho, uma semana depois, no parlamento, passada a fase do
esquecimento, afirmou que nunca foi remunerado pela Tecnoforma no período em
que exerceu o cargo de deputado em regime de exclusividade. Pode ser verdade,
mas foi uma afirmação tardia. Independentemente da sua inocência ou não, os
passos que deu, durante uma semana, marcaram a dúvida para sempre. Sobretudo
nos contribuintes massacrados.
Jurista,
escreve à segunda-feira
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