terça-feira, 30 de setembro de 2014

Portugal: MAIS IMPOSTOS E MENOS ESTADO



Tomás Vasques – jornal i, opinião

Nos tempos que correm, só não tem do número de contribuinte quem está sepultado, a três metros de profundidade, e com uma pesada lápide em cima

No que ao pagamento de impostos diz respeito, tema tão badalado durante a semana passada, todos os contribuintes gostariam, certamente, de ser liberais à moda agostiniana. Não de Santo Agostinho, o mata-hereges, mas de Agostinho da Silva, o herege. Um dos nossos mais arejados pensadores não tinha bilhete de identidade, nem número de contribuinte. "Se eu tiver número de contribuinte fico na obrigação de ver o que é que o governo faz do dinheiro dos contribuintes. E aí entro em conflito com Portugal, o que não quero" - dizia. O que colocava em causa não era o dever de todos os contribuírem de modo a que o Estado possa cumprir as suas funções, mas o que "o Estado faz do dinheiro dos contribuintes". Para mal do imaginário de todos os contribuintes, Agostinho da Silva deve ter sido o último abencerragem ou o último dos moicanos.

Nos tempos que correm, só não tem número de contribuinte quem está sepultado a três metros de profundidade, e com uma pesada lápide em cima. Até quando pedimos um café, ao balcão de uma casa de pasto, numa aldeia remota, nos perguntam o número de contribuinte. Ainda nos é conferida, por estes dias, a liberdade de recusar essa informação, dispensando a participação em sorteios de automóveis que alimentam este pornográfico Big Brother fiscal. Mas não será por muito tempo. Só falta a substituição do bilhete de identidade pelo tal número fiscal, com direito a um chip, de leitura óptica, aplicado à nascença, na maternidade. Cada cidadão será apenas, para o Estado, um código de barras. E quanto mais tilinta a caixa registadora do fisco, mais se reduz a despesa na Educação, na Saúde, na Solidariedade e na Segurança Social, e no bem-estar das pessoas. O lema deste governo tem sido: mais impostos e menos Estado.

Convém lembrar que, tanto no mês de Agosto, como nos primeiros oito meses deste ano, registaram-se as maiores receitas fiscais de sempre sobre o rendimento das pessoas. Para este ano, o governo estima uma colheita fiscal, em IRS, de mais 4,5 mil milhões de euros do quem em 2006. Mais 4,5 mil milhões de euros retirados aos rendimentos do trabalho e, o que amplia a dimensão deste dilúvio fiscal, o saque é obtido sobre muito menos trabalhadores no activo e sobre salários mais baixos. E em contrapartida, mais pobreza e insegurança social. E cada vez mais cidadãos a entrar em "conflito com Portugal" e com a democracia.

Por ironia, exactamente na semana em que os contribuintes foram informados de que sofreram o maior saque fiscal de sempre, o primeiro-ministro - ele, próprio - do governo que mais nos tem aproximado da vassalagem fiscal, foi confrontado com o eventual recebimento, há uns anos, de avultadas remunerações por debaixo da mesa. A primeira reacção de Pedro Passos Coelho, ao dizer que não se lembrava se tinha recebido ou não tais remunerações, foi definitivamente fatal para a sua credibilidade política. Sabendo que tinha recebido dinheiro do parlamento, requerido por si, e assinado pelo seu punho, onde afirmava que se dedicara ao cargo de deputado em exclusividade de funções, só havia uma resposta possível: "Não! Não fui remunerado por nenhuma empresa no período em que exerci o cargo de deputado em exclusividade de funções. Se tivesse sido remunerado, para além de constar nas declarações fiscais, não tinha requerido, ao parlamento, o dinheiro que me era devido pela exclusividade de funções." O esquecimento inicial, o pedido de informação ao secretário-geral da Assembleia da República, o qual meteu os pés pelas mãos, tal como o inútil pedido de investigação à PGR, foram os três actos de uma comédia que desabonaram o senhor primeiro-ministro.

Pedro Passos Coelho, uma semana depois, no parlamento, passada a fase do esquecimento, afirmou que nunca foi remunerado pela Tecnoforma no período em que exerceu o cargo de deputado em regime de exclusividade. Pode ser verdade, mas foi uma afirmação tardia. Independentemente da sua inocência ou não, os passos que deu, durante uma semana, marcaram a dúvida para sempre. Sobretudo nos contribuintes massacrados.

Jurista, escreve à segunda-feira

Sem comentários:

Mais lidas da semana