Pedro
Ivo Carvalho – Jornal de Notícias, opinião
A
palidez e olhar esquivo de Armando Vara, poucos minutos depois de saber que
tinha sido condenado a cinco anos de prisão efetiva, arriscam-se a ficar para a
história como uma das imagens de marca da ação recente da Justiça em Portugal. De nada
vale alimentar a discussão quase filosófica entre quem condena (confortável na
convicção da justeza da sua decisão) e quem é condenado (quase sempre,
sentindo-se injustiçado com o alegado peso excessivo do castigo). Importa, sim,
registar que a sentença do caso "Face Oculta", ontem proferida no
Tribunal de Aveiro, corresponde, de certa forma, a uma pedrada no charco na
cultura de impunidade do retângulo lusitano. Como num lauto banquete que é
sempre servido aos mesmos: o Estado faz o papel do cozinheiro e do empregado de
mesa e os intermediários políticos e beneficiários privados são os clientes
barrigudos que comem à conta do otário do costume. Desta vez, porém, a
sobremesa foi tarte de limão amargo.
Sim,
o processo "Face Oculta" teve uma dimensão política, como sugeriu
Armando Vara, após confessar ter ficado "em choque" com o que acabara
de ouvir. Mas como não ter? Envolveu um ex-ministro, dirigentes e funcionários
de empresas públicas. E, pelo meio, até comprometeu o ex-primeiro-ministro José
Sócrates, apanhado em escutas a Vara, e cujo conteúdo alegadamente indiciava a
existência de um esquema para controlar a Comunicação Social, usando a PT para
comprar a TVI, canal televisivo considerado hostil ao ex-chefe do Governo.
Se
Vara levou um valente murro no estômago, Sócrates pode bem suspirar de alívio:
as interceções telefónicas, transcritas, em parte, para papel e guardadas num
cofre, vão ser destruídas. E com elas não se esboroa apenas a tese do atentado
ao Estado de direito, mas também a estratégia de defesa de Armando Vara e Paulo
Penedos, que apostavam na validação das mesmas como detonador para implodir o
processo.
Sim,
o "Face Oculta" foi um processo político. Não no sentido conspirativo
e desculpabilizante a que aludiu Vara (há quem lhe chame cabala, são gostos),
mas efetivamente porque puniu a variante "chico-esperta" de fazer
política, a que patrocina o amiguismo, recebendo e pagando por lealdades
bafientas, calando e consentindo enquanto a banda, vestida com as cores da
bandeira, se afunda ao som de uma balada tristonha.
Não
julguem, todavia, que nada será como dantes depois deste processo. Seria como
acreditar no Pai Natal. Ainda assim, não podemos deixar de sublinhar que, desta
vez, a justiça se fez com uma anormal normalidade: a investigação policial e o
Ministério Público articularam-se, reuniram provas sólidas e montaram uma
acusação que se provou ser eficaz.
Agora,
é só esperar que a mesma máquina da justiça consiga demonstrar aos cidadãos que
sabe investigar, acusar e condenar com igual eficácia gente um pouco mais
graúda do que um ex-ministro pouco conhecido e um sucateiro anónimo de Ovar. Há
candidatos de sobra na fila.
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