domingo, 7 de setembro de 2014

Portugal: O CHOQUE A SEGUIR AO CHEQUE



Pedro Ivo Carvalho – Jornal de Notícias, opinião

A palidez e olhar esquivo de Armando Vara, poucos minutos depois de saber que tinha sido condenado a cinco anos de prisão efetiva, arriscam-se a ficar para a história como uma das imagens de marca da ação recente da Justiça em Portugal. De nada vale alimentar a discussão quase filosófica entre quem condena (confortável na convicção da justeza da sua decisão) e quem é condenado (quase sempre, sentindo-se injustiçado com o alegado peso excessivo do castigo). Importa, sim, registar que a sentença do caso "Face Oculta", ontem proferida no Tribunal de Aveiro, corresponde, de certa forma, a uma pedrada no charco na cultura de impunidade do retângulo lusitano. Como num lauto banquete que é sempre servido aos mesmos: o Estado faz o papel do cozinheiro e do empregado de mesa e os intermediários políticos e beneficiários privados são os clientes barrigudos que comem à conta do otário do costume. Desta vez, porém, a sobremesa foi tarte de limão amargo.

Sim, o processo "Face Oculta" teve uma dimensão política, como sugeriu Armando Vara, após confessar ter ficado "em choque" com o que acabara de ouvir. Mas como não ter? Envolveu um ex-ministro, dirigentes e funcionários de empresas públicas. E, pelo meio, até comprometeu o ex-primeiro-ministro José Sócrates, apanhado em escutas a Vara, e cujo conteúdo alegadamente indiciava a existência de um esquema para controlar a Comunicação Social, usando a PT para comprar a TVI, canal televisivo considerado hostil ao ex-chefe do Governo.

Se Vara levou um valente murro no estômago, Sócrates pode bem suspirar de alívio: as interceções telefónicas, transcritas, em parte, para papel e guardadas num cofre, vão ser destruídas. E com elas não se esboroa apenas a tese do atentado ao Estado de direito, mas também a estratégia de defesa de Armando Vara e Paulo Penedos, que apostavam na validação das mesmas como detonador para implodir o processo.

Sim, o "Face Oculta" foi um processo político. Não no sentido conspirativo e desculpabilizante a que aludiu Vara (há quem lhe chame cabala, são gostos), mas efetivamente porque puniu a variante "chico-esperta" de fazer política, a que patrocina o amiguismo, recebendo e pagando por lealdades bafientas, calando e consentindo enquanto a banda, vestida com as cores da bandeira, se afunda ao som de uma balada tristonha.

Não julguem, todavia, que nada será como dantes depois deste processo. Seria como acreditar no Pai Natal. Ainda assim, não podemos deixar de sublinhar que, desta vez, a justiça se fez com uma anormal normalidade: a investigação policial e o Ministério Público articularam-se, reuniram provas sólidas e montaram uma acusação que se provou ser eficaz.

Agora, é só esperar que a mesma máquina da justiça consiga demonstrar aos cidadãos que sabe investigar, acusar e condenar com igual eficácia gente um pouco mais graúda do que um ex-ministro pouco conhecido e um sucateiro anónimo de Ovar. Há candidatos de sobra na fila.

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