terça-feira, 7 de abril de 2015

Eleição em Israel. Cidades mais ricas votaram na esquerda e mais pobres na direita



Guila Flint, Tel Aviv – Opera Mundi

Analistas dizem que país é dividido em "tribos" e que motivação dos eleitores é de caráter ideológico, étnico, cultural ou de "lealdade à tribo"

Quem observar o mapa das eleições em Israel poderá perceber que as cidades mais ricas do país, como Tel Aviv e Haifa, votaram no campo de centro-esquerda. Já as cidades mais pobres, como Jerusalém e Netivot, votaram em partidos da direita
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O que leva a população mais pobre a reeleger Netanyahu, um primeiro-ministro neoliberal, que durante os nove anos em que esteve no poder (1996-1999 e 2009-2015) destruiu o que ainda restava do Estado de bem-estar social de Israel?

O quadro em Israel, bastante diferente dos resultados da eleição no Brasil, onde as regiões mais pobres concentraram votos em Dilma Rousseff (PT) e as mais ricas em Aécio Neves (PSDB), merece uma explicação e a chave para entendê-lo se encontra nas divisões étnicas e culturais da sociedade israelense.

Analistas locais costumam dizer que a sociedade israelense é dividida em "tribos" e que, mais do que interesses socioeconômicos, a motivação dos eleitores é de caráter ideológico, étnico, cultural ou simplesmente de "lealdade à tribo" à qual pertencem.

A "tribo branca", também denominada a "bolha de Tel Aviv", inclui judeus de origem europeia, laicos, de classe média e alta, que em sua maioria votaram em partidos de centro e de esquerda.

Se as eleições fossem determinadas pelos votos de Tel Aviv, uma coalizão de partidos de centro e de esquerda obteria 70 das 120 cadeiras do Parlamento e, com o apoio da Lista Conjunta dos partidos árabes, que ganhou 13 cadeiras, poderia formar um governo com uma base parlamentar sólida.

No entanto, a "tribo branca" é minoria no país. De acordo com os votos em Jerusalém, por exemplo, os partidos de direita, extrema-direita e religiosos obteriam 93 das 120 cadeiras no Parlamento.

Na capital de Israel, a maioria da população pertence a outras “tribos”: dos ultraortodoxos, dos nacionalistas-religiosos, e do Likud — predominantemente apoiado pelo setor dos judeus orientais, originários dos países árabes.

Entre as grandes cidades, Jerusalém é a mais pobre e lá os partidos de centro e de esquerda ficaram com apenas 22% dos votos.

Judeus árabes

Nas últimas eleições, o partido de Netanyahu, Likud, tornou-se a maior legenda, obtendo 30 cadeiras no Parlamento, e deve sua vitória aos judeus árabes que foram trazidos para Israel nos anos 1950 logo depois da fundação do Estado.

Originárias principalmente de Marrocos, Egito, Iraque, Iêmen e Tunísia, essas pessoas sofreram discriminação em Israel, por não pertencerem à "tribo branca", dos judeus europeus, que eram e de certa forma ainda são as elites dominantes em termos socioeconômicos e culturais.

O ressentimento dos judeus orientais contra os judeus ocidentais, por terem sido enviados para colonizar as periferias e para fazer trabalhos braçais, foi manipulado pela direita, ainda na época do ex-premiê Menachem Begin, que levou o Likud ao poder em 1977, graças aos votos dessa população. Desde então, as cidades periféricas no sul e no norte do país votam tradicionalmente no partido de direita hoje comandado por Netanyahu.

Vale lembrar uma frase famosa do fundador de Israel, David Ben Gurion, que claramente expressa o desprezo das elites europeias contra os judeus provenientes dos países árabes, ao fazer um balanço dessa imigração. Em um discurso no Parlamento, em 1952, ele afirmou que "eles (os judeus orientais) transformaram-se em novos judeus, já sabem como sentar em uma privada — sim, antes não sabiam... — já sabem falar hebraico, tornaram-se judeus orgulhosos e seguros de si... estão ficando civilizados e já sabem como manter a limpeza, a ordem e a disciplina".

A mágoa por terem sido tratados como judeus de segunda categoria ao chegar ao país passa de geração a geração, embora hoje as barreiras étnicas que existiam nos anos 1950 já tenham se desfeito em grande parte.

"Meu pai votou no Likud, por isso eu também voto no Likud", afirmam muitos dos eleitores do partido de Netanyahu.

Ultraortodoxos

Há dois partidos ultraortodoxos, que também fazem parte do campo da direita e se dividem por origens étnicas. O Shas, que obteve 7 cadeiras no Parlamento, representa ultraortodoxos orientais e o Judaismo da Torah, com 6, representa os ultraortodoxos de origem europeia.

Considerados parceiros "naturais" do Likud, ambos os partidos adotam uma posição de direita nos assuntos relacionados ao conflito israelense-palestino. A grande maioria dos eleitores ultraortodoxos pertence às camadas mais pobres da população, com famílias numerosas e pais que se dedicam ao estudo religioso nos seminários rabínicos e não trabalham, vivendo com subsídios do Estado.

No entanto, apesar da situação socioeconômica precária, essa população segue seus lideres espirituais — os rabinos — e votam nos partidos ultraortodoxos que são aliados de Netanyahu, defendendo que, segundo a Bíblia, "a terra de Israel pertence ao povo de Israel".

Colonos

Outra “tribo” importante, que vota na extrema-direita, é composta pelos nacionalistas-religiosos representados pelo partido Habayit Hayehudi (Lar Judaico), liderado pelo ex-ministro de Indústria e Comercio, Naftali Bennett.

O Lar Judaico tem sua base eleitoral nos colonos que vivem nos assentamentos israelenses nos territórios palestinos ocupados.

Os colonos constituem uma classe média emergente, pois recebem um auxilio prioritário do governo, que inclui isenções de impostos e moradias muito mais baratas do que o preço do mercado imobiliário dentro de Israel.

Graças a esse tratamento diferenciado que ganham do governo, a situação econômica dos assentamentos é bem melhor do que das cidades periféricas dentro de Israel e eles são o setor da população que teria mais a perder se houvesse um acordo de paz com os palestinos.

A “tribo” russa

Além da “tribo” dos colonos, há também a chamada "tribo russa", que inclui os imigrantes que vieram da ex-União Soviética no começo dos anos 1990 e predominantemente votam no partido de extrema-direita Israel Beitenu (Israel é Nossa Casa), liderado pelo ex-chanceler Avigdor Lieberman, nascido na Moldávia. Em sua maioria de classe média baixa, essa população de imigrantes, que veio de uma cultura política autoritária, considera Lieberman "um homem forte que pode resolver os problemas do país".

Durante a campanha eleitoral, o principal lema de Lieberman foi: "Terroristas não devem ser libertados, terroristas devem ser eliminados, pena de morte aos terroristas".

Palestinos israelenses

Outro setor importante, que votou em peso na chamada Lista Conjunta, é composto pelos cidadãos árabes de Israel de origem palestina, que são 20% da população.

Nas cidades e aldeias árabes, a Lista obteve mais de 90% dos votos e conseguiu 13 cadeiras no Parlamento, tornando-se o terceiro maior partido, que também contou com os votos de milhares de judeus de esquerda. No entanto, esse partido não se considera um parceiro potencial para coligação governamental alguma nas circunstâncias atuais.

De acordo com um dos lideres do partido, o deputado Ahmed Tibi, "nós não podemos fazer parte de nenhum governo no quadro político de Israel, nem mesmo de um governo de centro-esquerda".

Tibi explica que os lideres políticos árabes se recusam a assumir responsabilidade ministerial pelos atos do governo. "Como ser ministros de um governo que pode vir a bombardear a Faixa de Gaza? Ou construir assentamentos nos territórios ocupados?" pergunta Tibi.

Desafios futuros

Essas divisões étnicas e culturais tiveram um impacto decisivo nas últimas eleições, que levaram a direita ao poder em Israel.

Em vista dos resultados, configura-se quase um determinismo pessimista quanto aos possíveis resultados das próximas eleições, previstas para 2019, já que em termos demográficos os setores religiosos da população crescem em um ritmo muito mais acelerado do que os setores laicos.

O desafio da esquerda no país será transpor as barreiras étnicas, conseguir se comunicar com os judeus orientais e russos e convencê-los de que a paz com os palestinos e com o mundo árabe em geral vale a pena. Um dos argumentos importantes nesse esforço será mostrar que, se houver paz, os bilhões gastos na colonização dos territórios palestinos e no fortalecimento do Exército poderão, finalmente, ser investidos na melhora da vida das camadas mais pobres da população.

No entanto, para isso será preciso quebrar uma barreira que é ainda mais forte do que as barreiras étnicas internas, a do medo e do ódio aos povos vizinhos.

 (*) Guila Flint cobre o Oriente Medio para a imprensa brasileira há 20 anos e é autora do livro 'Miragem de Paz', da editora Civilização Brasileira.

Foto Agência Efe

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