Guila
Flint, Tel Aviv – Opera Mundi
Analistas
dizem que país é dividido em "tribos" e que motivação dos eleitores é
de caráter ideológico, étnico, cultural ou de "lealdade à tribo"
Quem
observar o mapa das eleições em Israel poderá perceber que as cidades mais ricas
do país, como Tel Aviv e Haifa, votaram no campo de centro-esquerda. Já as
cidades mais pobres, como Jerusalém e Netivot, votaram em partidos da direita
.
O
que leva a população mais pobre a reeleger Netanyahu, um primeiro-ministro
neoliberal, que durante os nove anos em que esteve no poder (1996-1999 e
2009-2015) destruiu o que ainda restava do Estado de bem-estar social de
Israel?
O
quadro em Israel, bastante diferente dos resultados da eleição no Brasil, onde
as regiões mais pobres concentraram votos em Dilma Rousseff (PT)
e as mais ricas em Aécio
Neves (PSDB), merece uma explicação e a chave para entendê-lo
se encontra nas divisões étnicas e culturais da sociedade israelense.
Analistas
locais costumam dizer que a sociedade israelense é dividida em
"tribos" e que, mais do que interesses socioeconômicos, a motivação
dos eleitores é de caráter ideológico, étnico, cultural ou simplesmente de
"lealdade à tribo" à qual pertencem.
A
"tribo branca", também denominada a "bolha de Tel Aviv",
inclui judeus de origem europeia, laicos, de classe média e alta, que em sua
maioria votaram em partidos de centro e de esquerda.
Se
as eleições fossem determinadas pelos votos de Tel Aviv, uma coalizão de
partidos de centro e de esquerda obteria 70 das 120 cadeiras do Parlamento e,
com o apoio da Lista Conjunta dos partidos árabes, que ganhou 13 cadeiras,
poderia formar um governo com uma base parlamentar sólida.
No
entanto, a "tribo branca" é minoria no país. De acordo com os votos
em Jerusalém, por exemplo, os partidos de direita, extrema-direita e religiosos
obteriam 93 das 120 cadeiras no Parlamento.
Na
capital de Israel, a maioria da população pertence a outras “tribos”: dos
ultraortodoxos, dos nacionalistas-religiosos, e do Likud — predominantemente
apoiado pelo setor dos judeus orientais, originários dos países árabes.
Entre
as grandes cidades, Jerusalém é a mais pobre e lá os partidos de centro e de
esquerda ficaram com apenas 22% dos votos.
Judeus
árabes
Nas
últimas eleições, o partido de Netanyahu, Likud, tornou-se a maior legenda,
obtendo 30 cadeiras no Parlamento, e deve sua vitória aos judeus árabes que
foram trazidos para Israel nos anos 1950 logo depois da fundação do Estado.
Originárias
principalmente de Marrocos, Egito, Iraque, Iêmen e Tunísia, essas pessoas
sofreram discriminação em Israel, por não pertencerem à "tribo
branca", dos judeus europeus, que eram e de certa forma ainda são as
elites dominantes em termos socioeconômicos e culturais.
O
ressentimento dos judeus orientais contra os judeus ocidentais, por terem sido
enviados para colonizar as periferias e para fazer trabalhos braçais, foi
manipulado pela direita, ainda na época do ex-premiê Menachem Begin, que levou
o Likud ao poder em 1977, graças aos votos dessa população. Desde então, as
cidades periféricas no sul e no norte do país votam tradicionalmente no partido
de direita hoje comandado por Netanyahu.
Vale
lembrar uma frase famosa do fundador de Israel, David Ben Gurion, que
claramente expressa o desprezo das elites europeias contra os judeus
provenientes dos países árabes, ao fazer um balanço dessa imigração. Em um
discurso no Parlamento, em 1952, ele afirmou que "eles (os judeus
orientais) transformaram-se em novos judeus, já sabem como sentar em uma
privada — sim, antes não sabiam... — já sabem falar hebraico, tornaram-se
judeus orgulhosos e seguros de si... estão ficando civilizados e já sabem como
manter a limpeza, a ordem e a disciplina".
A
mágoa por terem sido tratados como judeus de segunda categoria ao chegar ao
país passa de geração a geração, embora hoje as barreiras étnicas que existiam
nos anos 1950 já tenham se desfeito em grande parte.
"Meu
pai votou no Likud, por isso eu também voto no Likud", afirmam muitos dos
eleitores do partido de Netanyahu.
Ultraortodoxos
Há
dois partidos ultraortodoxos, que também fazem parte do campo da direita e se
dividem por origens étnicas. O Shas, que obteve 7 cadeiras no Parlamento,
representa ultraortodoxos orientais e o Judaismo da Torah, com 6, representa os
ultraortodoxos de origem europeia.
Considerados
parceiros "naturais" do Likud, ambos os partidos adotam uma posição
de direita nos assuntos relacionados ao conflito israelense-palestino. A grande
maioria dos eleitores ultraortodoxos pertence às camadas mais pobres da
população, com famílias numerosas e pais que se dedicam ao estudo religioso nos
seminários rabínicos e não trabalham, vivendo com subsídios do Estado.
No
entanto, apesar da situação socioeconômica precária, essa população segue seus
lideres espirituais — os rabinos — e votam nos partidos ultraortodoxos que são
aliados de Netanyahu, defendendo que, segundo a Bíblia, "a terra de Israel
pertence ao povo de Israel".
Colonos
Outra
“tribo” importante, que vota na extrema-direita, é composta pelos
nacionalistas-religiosos representados pelo partido Habayit Hayehudi (Lar Judaico), liderado pelo
ex-ministro de Indústria e Comercio, Naftali Bennett.
O
Lar Judaico tem sua base eleitoral nos colonos que vivem nos assentamentos
israelenses nos territórios palestinos ocupados.
Os
colonos constituem uma classe média emergente, pois recebem um auxilio
prioritário do governo, que inclui isenções de impostos e moradias muito mais
baratas do que o preço do mercado imobiliário dentro de Israel.
Graças
a esse tratamento diferenciado que ganham do governo, a situação econômica dos
assentamentos é bem melhor do que das cidades periféricas dentro de Israel e
eles são o setor da população que teria mais a perder se houvesse um acordo de
paz com os palestinos.
A
“tribo” russa
Além
da “tribo” dos colonos, há também a chamada "tribo russa", que inclui
os imigrantes que vieram da ex-União Soviética no começo dos anos 1990 e
predominantemente votam no partido de extrema-direita Israel Beitenu (Israel é
Nossa Casa), liderado pelo ex-chanceler Avigdor Lieberman, nascido na Moldávia.
Em sua maioria de classe média baixa, essa população de imigrantes, que veio de
uma cultura política autoritária, considera Lieberman "um homem forte que
pode resolver os problemas do país".
Durante
a campanha eleitoral, o principal lema de Lieberman foi: "Terroristas não
devem ser libertados, terroristas devem ser eliminados, pena de morte aos
terroristas".
Palestinos
israelenses
Outro
setor importante, que votou em peso na chamada Lista Conjunta, é composto pelos
cidadãos árabes de Israel de origem palestina, que são 20% da população.
Nas
cidades e aldeias árabes, a Lista obteve mais de 90% dos votos e conseguiu 13
cadeiras no Parlamento, tornando-se o terceiro maior partido, que também contou
com os votos de milhares de judeus de esquerda. No entanto, esse partido não se
considera um parceiro potencial para coligação governamental alguma nas
circunstâncias atuais.
De
acordo com um dos lideres do partido, o deputado Ahmed Tibi, "nós não
podemos fazer parte de nenhum governo no quadro político de Israel, nem mesmo
de um governo de centro-esquerda".
Tibi
explica que os lideres políticos árabes se recusam a assumir responsabilidade
ministerial pelos atos do governo. "Como ser ministros de um governo que
pode vir a bombardear a Faixa de Gaza? Ou construir assentamentos nos
territórios ocupados?" pergunta Tibi.
Desafios
futuros
Essas
divisões étnicas e culturais tiveram um impacto decisivo nas últimas eleições,
que levaram a direita ao poder em Israel.
Em
vista dos resultados, configura-se quase um determinismo pessimista quanto aos
possíveis resultados das próximas eleições, previstas para 2019, já que em
termos demográficos os setores religiosos da população crescem em um ritmo
muito mais acelerado do que os setores laicos.
O
desafio da esquerda no país será transpor as barreiras étnicas, conseguir se
comunicar com os judeus orientais e russos e convencê-los de que a paz com os
palestinos e com o mundo árabe em geral vale a pena. Um dos argumentos
importantes nesse esforço será mostrar que, se houver paz, os bilhões gastos na
colonização dos territórios palestinos e no fortalecimento do Exército poderão,
finalmente, ser investidos na melhora da vida das camadas mais pobres da
população.
No
entanto, para isso será preciso quebrar uma barreira que é ainda mais forte do
que as barreiras étnicas internas, a do medo e do ódio aos povos vizinhos.
(*) Guila
Flint cobre o Oriente Medio para a imprensa brasileira há 20 anos e é autora do
livro 'Miragem de Paz', da editora Civilização Brasileira.
Foto Agência Efe
Leia
mais em Opera Mundi
Sem comentários:
Enviar um comentário