quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Portugal. CONTRATADOS A PRAZO



Pedro Ivo Carvalho – Jornal de Notícias, opinião

O Governo com que Passos Coelho vai enfrentar no Parlamento a prometida maioria estável de Esquerda está longe de ser uma arma de afirmação maciça. Não é, sequer, o corpo feroz de combate que alguns anteviam. Dificilmente poderia sê-lo: a espada que pende sobre a cabeça da coligação de Direita está mais afiada do que a língua de Cavaco Silva. A primeira vez que o Executivo se for mostrar à Assembleia poderá, muito provavelmente, ser a última.

O vigésimo Governo tem poucos ministros novos e muitos ministros velhos. Tem muito partido e muita lealdade. Era quem estava disponível. Mais à mão. Era quem não podia dizer que não. Ministros e secretários de Estado arriscam o mesmo destino do exército de 700 mil portugueses com contratos a prazo. Um Governo que nasceu em velocidade-relâmpago pode morrer em velocidade-relâmpago. Em duas semanas. A precariedade constitucional também é precariedade laboral.

Seja como for, o núcleo político está lá, devidamente representado por PSD e CDS. Se, por hipótese académica (mas não completamente descartável), o Governo de gestão espernear durante meses, devidamente respaldado na posição aparentemente intransigente do presidente da República de não dar posse a um Executivo socialista formado ou apoiado por BE e CDU, o elenco agora reunido por Passos Coelho dá, ainda assim, garantias de ter fibra suficiente para os inúmeros embates que se adivinham no Parlamento.

Não há golpe de asa, mas o Executivo marca a ideia de continuidade das políticas de contenção orçamental - sendo, por isso, fiel à matriz que alcandorou a coligação à vitória - e é suficientemente digno para não envergonhar em serviço, pese embora as pedras nos sapatos de alguns estreantes. Mas o refrescamento incutido é apenas aparente. É uma prova de vida. Na verdade, só um ingénuo ou um hipócrita poderia esperar que Passos apresentasse um Governo de estalo. Quem, no seu perfeito juízo e sem algum interesse subterrâneo, deixaria uma posição de relevo bem remunerada para ser a virgem lançada ao vulcão?

Só há dois finais possíveis: ou o Governo de gestão é apenas um espasmo na história da nossa democracia (cai Passos, sobe Costa, provavelmente até cair Costa e voltar a subir Passos), ou eterniza-se como a estátua viva de uma esquizofrenia política em que quem cria as leis é um Parlamento de Esquerda, mas quem aprova os gastos ou as poupanças do país é um Executivo de Direita. Cavaco Silva, o presidente da estabilidade, também sabe ser Cavaco Silva, o presidente da instabilidade?

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