Pedro
Ivo Carvalho – Jornal de Notícias, opinião
O
Governo com que Passos Coelho vai enfrentar no Parlamento a prometida maioria
estável de Esquerda está longe de ser uma arma de afirmação maciça. Não é,
sequer, o corpo feroz de combate que alguns anteviam. Dificilmente poderia
sê-lo: a espada que pende sobre a cabeça da coligação de Direita está mais
afiada do que a língua de Cavaco Silva. A primeira vez que o Executivo se for
mostrar à Assembleia poderá, muito provavelmente, ser a última.
O
vigésimo Governo tem poucos ministros novos e muitos ministros velhos. Tem
muito partido e muita lealdade. Era quem estava disponível. Mais à mão. Era
quem não podia dizer que não. Ministros e secretários de Estado arriscam o
mesmo destino do exército de 700 mil portugueses com contratos a prazo. Um
Governo que nasceu em velocidade-relâmpago pode morrer em velocidade-relâmpago.
Em duas semanas. A precariedade constitucional também é precariedade laboral.
Seja
como for, o núcleo político está lá, devidamente representado por PSD e CDS.
Se, por hipótese académica (mas não completamente descartável), o Governo de
gestão espernear durante meses, devidamente respaldado na posição aparentemente
intransigente do presidente da República de não dar posse a um Executivo
socialista formado ou apoiado por BE e CDU, o elenco agora reunido por Passos
Coelho dá, ainda assim, garantias de ter fibra suficiente para os inúmeros
embates que se adivinham no Parlamento.
Não
há golpe de asa, mas o Executivo marca a ideia de continuidade das políticas de
contenção orçamental - sendo, por isso, fiel à matriz que alcandorou a
coligação à vitória - e é suficientemente digno para não envergonhar em
serviço, pese embora as pedras nos sapatos de alguns estreantes. Mas o
refrescamento incutido é apenas aparente. É uma prova de vida. Na verdade, só um
ingénuo ou um hipócrita poderia esperar que Passos apresentasse um Governo de
estalo. Quem, no seu perfeito juízo e sem algum interesse subterrâneo, deixaria
uma posição de relevo bem remunerada para ser a virgem lançada ao vulcão?
Só
há dois finais possíveis: ou o Governo de gestão é apenas um espasmo na
história da nossa democracia (cai Passos, sobe Costa, provavelmente até cair
Costa e voltar a subir Passos), ou eterniza-se como a estátua viva de uma
esquizofrenia política em que quem cria as leis é um Parlamento de Esquerda,
mas quem aprova os gastos ou as poupanças do país é um Executivo de Direita.
Cavaco Silva, o presidente da estabilidade, também sabe ser Cavaco Silva, o
presidente da instabilidade?
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