Rui Peralta, Luanda
A
questão da Renda Básica Universal adquiriu importância e ganha novos contornos.
Na Europa, a cidade de Utrecht está em vias de introduzir medidas que têm como
objectivo desafiar a noção tradicional de que os cidadãos que recebem dinheiros
públicos devam ser controlados e penalizados. Groningen, Tilburg, Wageningen e
Nijmegen estão a levar a cabo programas similares, com o mesmo objectivo. Na
Suíça prepara-se um referendo sobre a renda básica e na Finlândia o governo
introduziu a renda básica experimental.
Um
inquérito realizado em Julho na Catalunha demonstrou que cerca de 72% da
população aprova o rendimento básico incondicional para todos, a 650 euros/mês.
Á pergunta de que fariam se fosse implementado rendimento básico incondicional,
86% dos inquiridos que tinham emprego responderam que continuariam a trabalhar,
8% afirmou que trabalhariam menos horas e 3% deixariam o emprego. Entre os
inquiridos que estavam no desemprego, 84% reponderam que continuariam a
procurar emprego, 11% que procurariam empregos com curta duração de horário e
2% confessou que deixariam de procurar emprego. Entre os que opinaram que com o
rendimento básico incondicional procurariam trabalhar menos horas, 52%
dedicariam o tempo de descanso para se dedicarem á família, 16% às actividades
de ócio, 12% responderam que procurariam um emprego melhor, 11% pretendiam
estudar, 5% montariam o seu negócio e 4% pretendiam realizar tarefas altruístas
voluntárias.
Estas
respostas pouco ou nada têm que ver com a lengalenga oficial e enraizada na
velha (in)cultura política e social que afirma aos 4 ventos que com o
rendimento básico as pessoas deixariam de trabalhar e de procurar emprego.
Utilizam-se sofisticados argumentos e bradam-se aos céus propostas duvidosas,
apresentadas como “alternativas”, que pintam cenários cor-de-rosa, como sejam o
“trabalho garantido” e o “pleno emprego” (duas propostas que nem mesmo os seus
proponentes sabem explicar como realizarão na prática tis “milagres”). Falsos
argumentos como os que afirmam que a renda básica levaria os trabalhadores
assalariados a deixarem de trabalhar e que as mulheres ficariam em casa, os
imigrantes caminharam em debandada para as economias centrais e que a renda
básica terminaria com o Estado do Bem-Estar (coisa que hoje todos se recordam
ser coisa do passado e que na maioria dos casos foi tentada mas não
completada).
Falar
de rendimento básico é falar de democracia e de cidadania, facto que ficou
demonstrado no inquérito efectuado na Catalunha e em todas as acções que foram
efectuadas na economia-mundo em prol da renda básica. É falar de uma coisa que
assusta os arautos da liberalização, assim como os seus oponentes, os
burocratas da estatização: a democratização da economia, instrumento necessário
para levar a cabo a democratização da vida social e o aprofundamento da
democracia politica e cultural.
A
grande maioria da população mundial está cada vez mais pobre (embora nas
economias centrais e em algumas periféricas exista uma evolução qualitativa nos
padrões de pobreza, ou seja os pobres actuais têm melhores rendimentos e mais
bens que os pobres do século XIX, ou mesmo que os pobres dos anos 80 do século
XX). O fluxo de rendimentos “bombeia” as camadas privilegiadas, sendo este
fluxo estancado sob a forma de riqueza acumulada. Isto torna-se um obstáculo á
criação de riqueza, como o demonstra um estudo efectuado nos USA pelo Institute
for Policy Studies (IPS) que utilizou modelos multiplicadores standard para
provar que cada dólar adicional pago aos trabalhadores com baixos salários
representa uma mais-valia de 1dólar e 21 cêntimos de dólar para a economia
norte-americana. Se esse dólar fosse pago a trabalhadores com alto salário
renderia apenas 39 cêntimos. Por outras palavras se os 26, 7 milhões de USD
pagos á Wall Street em 2013, fossem aplicados nos trabalhadores pobres, o PIB
teria crescido cerca de 32 milhões de USD.
O
dinheiro aplicado nos sectores mais pobres da população é três vezes mais
eficaz no impulso ao crescimento económico (e simultaneamente ao desenvolvimento
social e ao Índice de Desenvolvimento Humano) que o dinheiro aplicado nos
sectores privilegiados da população. No “calão” da Economia denomina-se “propensão
marginal para o consumo” e dita que as pessoas com baixos rendimentos gastam o
seu dinheiro mais rapidamente, enquanto os que auferem de maiores rendimentos o
poupam. Ora o enorme fosso actualmente existente entre ricos e pobres (curiosamente
tendo na grande velocidade de circulação dos capitais uma dos seus geradores)
faz com que a velocidade de distribuição dos rendimentos seja extremamente
baixa.
Um
modelo recentemente produzido para estudar os programas fiscais e de
transferência de riqueza (sob a coordenação de Ricardo Reis e de Alistair
McKay) mostra que estes afectam a desigualdade e a segurança social e são
consequência da extrema volatilidade agregada. Os dados do FMI sugerem mesmo
que bastaria um incremento de 1% da riqueza total aplicada aos 20% dos sectores
mais ricos da economia-mundo para que o crescimento económico diminua 0,08
pontos percentuais, mas se os 20% dos sectores mais pobres receberem 1% do
total, o crescimento económico aumentaria em 0,38 pontos percentuais. Nos USA,
por exemplo, uma redistribuição em forma de renda básica mensal de mil USD por
adulto e de 300 USD por menores de idade representaria cerca de 8,5% do PIB
norte-americano, levando em conta as prestações que deixariam de ser
necessárias pagar. Neste país o custo total da pobreza infantil representa 5,7%
do PIB.
A
desigualdade social mata a recuperação económica e isso é algo que os
economistas ortodoxos neoliberais não querem compreender. Segundo a OCDE o
aumento da desigualdade fez retrair em mais de 10 pontos percentuais o
crescimento do México e da Nova Zelândia. Na Itália, USA e Reino Unido a taxa
de crescimento acumulada teria sido de seis a nove pontos percentuais maior se
as disparidades entre os rendimentos tivessem sido menores. A redução da
concentração de riqueza nos sectores mais ricos da população mundial, onde o
dinheiro gera acumulação de dinheiro não é apenas uma questão moral ou de
justiça, mas uma questão de inteligência económica e politica.
As
experiencias efectuadas na Europa, USA, Canadá, Austrália e Nova Zelândia -
economias centrais - nos BRICS (Brasil, India e África do Sul) e nas economias
periféricas (México, Namíbia, Quénia e Malawi) demonstram que esta é uma
questão transversal aos níveis de desenvolvimento económico, ou seja é exigida
pela cidadania nas economias centrais, e realizável nas economias periféricas e
semiperiféricas. Na Namíbia um projecto de dois anos (2007-2009) em
Otjivero-Omitara, uma zona rural de baixos rendimentos, proporcionou a 930
habitante receberem, por cabeça, uma renda mensal de 100 dólares namibianos
(cerca de 12,5 USD). A aplicação da renda reduziu a pobreza na região (de 76%
para 16%), a desnutrição infantil (de 42% para 10%) as taxas de abandono
escolar (cerca de 40%) foram levadas a zero, a média da divida das famílias
caiu 36% , o numero de pequenas empresa aumentou e, segundo dados da policia
namibiana, as cifras da delinquência baixaram cerca de 42%.
A
renda básica não é apenas uma medida de combate á pobreza, mas sim uma
componente de uma política macroeconómica que estimule o crescimento económico
e o desenvolvimento social, proporcionando uma existência material garantida,
ou seja efectivando a liberdade e a dignidade de todos. A liberdade e a
dignidade dos não-ricos são as sementes de uma Nova Cultura Politica, garante
da democratização da economia.
Fontes
Raventós,
D. ¿Qué es la Renta Básica? Preguntas (y respuestas) más frecuentes Ed.El
Viejo Topo,Barcelona, 2012).
Wark,
J. Manifiesto de derechos humanos Ed.Barataria, Barcelona, 2011