segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

Portugal. PENSAR DÁ TRABALHO



Carvalho da Silva – Jornal de Notícias, opinião

Pensar dá mesmo muito trabalho, ocupa tempo, desafia-nos a análises e confronto de opiniões, mas vale a pena. São importantes meios e técnicas de informação e comunicação hoje ao nosso dispor, mas será ludibriado o cidadão que dispense pensar seriamente os desafios com que se depara, ou as escolhas que tem de fazer. Os slogans, os soundbites, as frases simplificadas, as opiniões filtradas nos grandes meios de comunicação são, muitas vezes, formas de nos afastar das dimensões objetivas dos problemas.

Estamos a três semanas das eleições presidenciais e temos: um presidente de saída que durante os últimos anos troçou da política para, em nome da "realidade" económico/financeira neoliberal, submeter o povo e o país; o candidato gerado pelos canais de televisão, Marcelo Rebelo de Sousa, apresentado como "futuro presidente da República", a dar-se ao desplante de troçar da democracia.

Um jovem morre dramaticamente no Hospital de São José e Marcelo, no mais descarado oportunismo político, visita o hospital e com uma frase estudada apresenta-se aos portugueses de alma e coração com o Serviço Nacional de Saúde, escamoteando todo um passado de defesa das desastrosas políticas do Governo PSD/CDS. Interrogam-no sobre qual o seu compromisso com o Estado social e Marcelo responde, "não se esqueçam que fui deputado constituinte" como se a votação da Constituição da República em 2 de abril de 1976 tivesse, por ato automático, gerado e instituído os direitos sociais fundamentais de que hoje dispomos. As candidaturas divulgam os gastos das suas campanhas e Marcelo, traiçoeiramente, procura deslegitimar os seus adversários insinuando que são gastadores em tempo de aperto de cinto para o povo, fazendo de conta que não usufruiu, ainda por cima bem pago, de anos e anos de campanha na Comunicação Social. Porquê tudo isso passa impune?

A generalidade dos média que apoiaram Cavaco na tentativa de impedir um Governo do PS com apoio das forças à sua esquerda, procuram hoje criar um cenário que apresenta as eleições presidenciais como quase dispensáveis, face à "existência de um candidato antecipadamente vencedor". A Direita em crise precisa de ter em Belém alguém que ajude a uma "governabilidade do possível", construída a partir de medos e velhos compadrios e não de pequenos passos corajosos de justiça e dignidade geradores de esperança.

Na sua ação política Marcelo foi, quantas vezes, catalogado com mimos como "intriguista", "manipulador" e outros bem feios, por isso, agora não era com o fato de ator político que podia ser apresentado ao povo. Marcelo candidato da Direita com potencial eleitoral, só podia ser o comentador político camaleão, apresentado nas suas facetas de "tipo porreiro", exímio distribuidor de abraços, mestre em futurologia sobre tudo e mais alguma coisa.

Que presidente pode ser um homem absolutamente submisso ao poder e às "leis dos mercados"; que sistematicamente convocou a crise como justificação de políticas de empobrecimento, em vez de explicar a crise na sua origem, nos seus impactos e na identificação dos beneficiários e das vítimas; que por regra aborda dinâmicas da globalização para colocar em evidência situações que nos tolhem o futuro; que sempre enunciou limitações impositivas vindas da União Europeia para insinuar que qualquer proposta alternativa é um terreno desconhecido e tenebroso?

Em menos de 10 anos, o sistema bancário destruiu - a favor de alguns privilegiados - mais de 40 mil milhões de euros de poupanças dos portugueses. Marcelo ajudou a explicar esse processo? Não! Associou-se sim, de forma mais ou menos aberta, à credibilização da tese que o povo andou a viver acima das suas possibilidades e aos argumentos dos "inevitáveis" cortes em direitos sociais fundamentais.

Os portugueses precisam de esperança e não de medos. Cavaco gerou medos jogando na negação da política e nas inevitabilidades do neoliberalismo económico e financeiro. Marcelo, se for eleito, será o presidente das palmadinhas nas costas do povo, mas jamais o impulsionador de esperança.

Não experimentemos uma nova forma de subjugação às inevitabilidades da injustiça, das desigualdades, do medo de construir o futuro.

* Investigador e professor universitário

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