sábado, 1 de dezembro de 2018

Guiné-Bissau | Mariama, ativista e vítima da mutilação genital feminina dá rosto contra a prática


Mariama Djaló foi vítima da mutilação genital feminina na Guiné-Bissau, mas hoje, em Portugal, aos 48 anos, junta-se a dezenas de ONG´s e Governos para combater a prática.

A excisão ou a mutilação genital feminina (MGF) é uma prática tradicional que atenta contra os Direitos Humanos em vários países africanos, entre os quais a Guiné-Bissau, o Senegal e Moçambique. Em Portugal, várias entidades colaboram com a Secretaria de Estado para a Cidadania e Igualdade, visando implementar estratégias eficazes de prevenção junto das comunidades imigrantes perante uma prática complexa, considerada crime, mas difícil de se erradicar.

O Governo português leva a cabo uma campanha contra a Mutilação Genital Feminina (MGF) e, no âmbito do programa em curso, vai reunir todos os líderes religiosos, em 2019, para uma ação conjunta pelo fim desta prática nefasta. No próximo dia 25 de novembro, realiza-se em Lisboa uma marcha feminina, no âmbito do Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres.

Mariama Djaló tem 48 anos de idade. A residir em Portugal há seis anos, esta cidadã guineense conta, sem tabu, que foi mutilada: "eu também, no meu caso, não tenho problemas de falar da Mutilação Genital Feminina. Sou vítima desta prática”, conta à DW África.

Mariama faz parte do leque de jovens guineenses que foram submetidas à excisão, por força da tradição. Em Portugal, a mutilação genital feminina é considerada crime. No entanto, durante as férias aqui, muitas raparigas são levadas para os países de origem para serem submetidas a esta prática.

"Antes mutilavam, mas agora sabendo que é um crime, passaram a mandar as crianças passar férias em África, depois voltam cá mutiladas”, revela ainda Mariama Djaló.
Tal como a sua conterrânea e ativista dos Direitos Humanos, Fatumatá Djau Baldé, Mariama decidiu dar a cara contra a Mutilação Genital Feminina, seja em Portugal seja na Guiné-Bissau.

"Inclusive fiz parte da Associação de Filhos e Amigos de Farim, com a qual tínhamos um projeto que durou um ano, que nós acabamos de implementar recentemente. Por mim, acho que a melhor forma de poder combater esta prática é a nossa intervenção no terreno, [junto das] nossas comunidades. Concretamente para poder falar com as pessoas, sensibilizando-as no sentido de podermos banir esta prática maléfica.”

Uma lâmina para todas
Cerca de 190 guineenses mutiladas em Sintra

Djarga Seidi, presidente da Associação Balodiren - Solidariedade e Apoio à Comunidade Guineense, diz que conhece alguns casos de mulheres mutiladas na Guiné-Bissau, sobretudo no concelho de Sintra, em Portugal, onde radica cerca de 40 mil imigrantes.

"De acordo com as informações que temos os números apontam para cerca de 180 a 190 pessoas identificadas cá em Portugal, que foram mutiladas. A maior parte se encontra sobretudo no concelho de Sintra.”

Não há números oficiais exatos que comprovam isso. De acordo com a Secretária de Estado da Saúde, Raquel Duarte, foram identificados três casos recentes.

"A grande maioria dos casos não foi praticada aqui em Portugal. No entanto há identificação de três casos praticados em Portugal. É preciso claramente termos uma noção da realidade, ter uma sensibilidade a nível dos profissionais para a sua identificação, ter uma sensibilidade dos profissionais para a sua resolução e isso só pode ser feito também com o envolvimento das comunidades, com o envolvimento da população, porque isto realmente só em conjunto é que consegue ser resolvido.”

Além de todo o trabalho de informação para a mudança de mentalidade e de comportamento, a comunidade também é sensibilizada sobre os riscos que a excisão representa para a saúde. "É preciso combater o mito ou as falsas ideias de que a MGF tem a ver com questões religiosas e culturais", refere Eduardo Djaló, presidente da Associação de Filhos e Amigos de Farim, que em 2017 venceu a terceira edição do prémio contra a mutilação genital feminina "Mudar aGora o Futuro”.

"Não tem nada a ver com tradição nem religião nem nada. Simplesmente é uma prática nefasta à saúde das crianças e das mulheres.”

Líderes religiosos não incentivam à prática

Recentemente, Fatumata Baldé afirmou que em Portugal "há líderes de mesquitas a defender que a excisão é uma recomendação islâmica inscrita no Corão em nome da pureza das raparigas". Eduardo Djaló diz que não conhece nenhum caso de prática da excisão que tenha sido incentivado por líderes religiosos ligados ao islão.

"Já ouvimos por aí, mas ainda não tivemos nenhum caso em concreto. Mesmo assim acho que o trabalho tem que ser direcionado para os líderes religiosos. Porque é mais fácil as pessoas acreditarem nos líderes religiosos do que nós que somos ativistas e trabalhamos a temática.”

Os profissionais de saúde portugueses têm recebido formação até para identificar as várias formas de mutilação. Para conhecer melhor a realidade, Portugal tem cooperado com a Guiné-Bissau, com o contributo de vários parceiros não-governamentais, nomeadamente com o Comité para a Erradicação das Práticas Tradicionais Nefastas, no sentido de acompanhar situações de risco envolvendo crianças e jovens nos dois países. Neste esforço conjunto, é preciso envolver as lideranças religiosas, segundo refere Rosa Monteiro.

"Inclusivamente, quando estive agora em setembro na Guiné-Bissau, pude encontrar-me com um dos mais importantes líderes religiosos islâmicos que é um absoluto defensor e propaga precisamente esta mensagem na comunidade do erro que é, dos riscos e do atentado à saúde das raparigas e das mulheres que são estas práticas. Portanto, é essa mensagem também que se tem que trabalhar aqui em Portugal.”

Governo português realiza encontros em 2019

A Secretária de Estado para a Cidadania e a Igualdade de Portugal adiantou à DW África que está previsto um encontro, em 2019, com todas as lideranças religiosas visando o reforço do seu papel na desconstrução da associação que é feita entre a tradição e mutilação.

"Nós temos um conjunto de parceiros já identificados para organizar este encontro, que vai trazer alguns líderes também da Guiné-Bissau e promover uma partilha, uma reflexão sobre este problema a partir também do trabalho que tem vindo a ser realizado pelo Alto Comissariado para as Migrações no domínio do diálogo inter-religioso.”

João Carlos, Lisboa | Deutsche Welle

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