Mariama Djaló foi vítima da
mutilação genital feminina na Guiné-Bissau, mas hoje, em Portugal, aos 48 anos,
junta-se a dezenas de ONG´s e Governos para combater a prática.
A excisão ou a mutilação genital
feminina (MGF) é uma prática tradicional que atenta contra os Direitos Humanos
em vários países africanos, entre os quais a Guiné-Bissau, o Senegal e
Moçambique. Em Portugal, várias entidades colaboram com a Secretaria de Estado
para a Cidadania e Igualdade, visando implementar estratégias eficazes de
prevenção junto das comunidades imigrantes perante uma prática complexa,
considerada crime, mas difícil de se erradicar.
O Governo português leva a cabo
uma campanha contra a Mutilação Genital Feminina (MGF) e, no âmbito do programa
em curso, vai reunir todos os líderes religiosos, em 2019, para uma ação
conjunta pelo fim desta prática nefasta. No próximo dia 25 de novembro,
realiza-se em Lisboa uma marcha feminina, no âmbito do Dia Internacional para a
Eliminação da Violência contra as Mulheres.
Mariama Djaló tem 48 anos de
idade. A residir em Portugal há seis anos, esta cidadã guineense conta, sem
tabu, que foi mutilada: "eu também, no meu caso, não tenho problemas de
falar da Mutilação Genital Feminina. Sou vítima desta prática”, conta à DW
África.
Mariama faz parte do leque de
jovens guineenses que foram submetidas à excisão, por força da tradição. Em
Portugal, a mutilação genital feminina é considerada crime. No entanto, durante
as férias aqui, muitas raparigas são levadas para os países de origem para
serem submetidas a esta prática.
"Antes mutilavam, mas agora
sabendo que é um crime, passaram a mandar as crianças passar férias em África,
depois voltam cá mutiladas”, revela ainda Mariama Djaló.
Tal como a sua conterrânea e
ativista dos Direitos Humanos, Fatumatá Djau Baldé, Mariama decidiu dar a cara
contra a Mutilação Genital Feminina, seja em Portugal seja na Guiné-Bissau.
"Inclusive fiz parte da
Associação de Filhos e Amigos de Farim, com a qual tínhamos um projeto que
durou um ano, que nós acabamos de implementar recentemente. Por mim, acho que a
melhor forma de poder combater esta prática é a nossa intervenção no terreno,
[junto das] nossas comunidades. Concretamente para poder falar com as pessoas,
sensibilizando-as no sentido de podermos banir esta prática maléfica.”
Uma lâmina para todas |
Cerca de 190 guineenses mutiladas
em Sintra
Djarga Seidi, presidente da
Associação Balodiren - Solidariedade e Apoio à Comunidade Guineense, diz que
conhece alguns casos de mulheres mutiladas na Guiné-Bissau, sobretudo no
concelho de Sintra, em Portugal, onde radica cerca de 40 mil imigrantes.
"De acordo com as
informações que temos os números apontam para cerca de 180 a 190 pessoas
identificadas cá em Portugal, que foram mutiladas. A maior parte se encontra
sobretudo no concelho de Sintra.”
Não há números oficiais exatos
que comprovam isso. De acordo com a Secretária de Estado da Saúde, Raquel
Duarte, foram identificados três casos recentes.
"A grande maioria dos casos
não foi praticada aqui em
Portugal. No entanto há identificação de três casos
praticados em Portugal. É preciso claramente termos uma noção da realidade, ter
uma sensibilidade a nível dos profissionais para a sua identificação, ter uma
sensibilidade dos profissionais para a sua resolução e isso só pode ser feito
também com o envolvimento das comunidades, com o envolvimento da população,
porque isto realmente só em conjunto é que consegue ser resolvido.”
Além de todo o trabalho de
informação para a mudança de mentalidade e de comportamento, a comunidade
também é sensibilizada sobre os riscos que a excisão representa para a saúde.
"É preciso combater o mito ou as falsas ideias de que a MGF tem a ver com
questões religiosas e culturais", refere Eduardo Djaló, presidente da
Associação de Filhos e Amigos de Farim, que em 2017 venceu a terceira edição do
prémio contra a mutilação genital feminina "Mudar aGora o Futuro”.
"Não tem nada a ver com
tradição nem religião nem nada. Simplesmente é uma prática nefasta à saúde das
crianças e das mulheres.”
Líderes religiosos não incentivam
à prática
Recentemente, Fatumata Baldé
afirmou que em Portugal "há líderes de mesquitas a defender que a excisão
é uma recomendação islâmica inscrita no Corão em nome da pureza das
raparigas". Eduardo Djaló diz que não conhece nenhum caso de prática da
excisão que tenha sido incentivado por líderes religiosos ligados ao islão.
"Já ouvimos por aí, mas
ainda não tivemos nenhum caso em concreto. Mesmo assim acho que o trabalho tem que
ser direcionado para os líderes religiosos. Porque é mais fácil as pessoas
acreditarem nos líderes religiosos do que nós que somos ativistas e trabalhamos
a temática.”
Os profissionais de saúde
portugueses têm recebido formação até para identificar as várias formas de
mutilação. Para conhecer melhor a realidade, Portugal tem cooperado com a
Guiné-Bissau, com o contributo de vários parceiros não-governamentais,
nomeadamente com o Comité para a Erradicação das Práticas Tradicionais
Nefastas, no sentido de acompanhar situações de risco envolvendo crianças e
jovens nos dois países. Neste esforço conjunto, é preciso envolver as
lideranças religiosas, segundo refere Rosa Monteiro.
"Inclusivamente, quando
estive agora em setembro na Guiné-Bissau, pude encontrar-me com um dos mais
importantes líderes religiosos islâmicos que é um absoluto defensor e propaga
precisamente esta mensagem na comunidade do erro que é, dos riscos e do atentado
à saúde das raparigas e das mulheres que são estas práticas. Portanto, é essa
mensagem também que se tem que trabalhar aqui em Portugal.”
Governo português realiza
encontros em 2019
A Secretária de Estado para a
Cidadania e a Igualdade de Portugal adiantou à DW África que está previsto um
encontro, em 2019, com todas as lideranças religiosas visando o reforço do seu
papel na desconstrução da associação que é feita entre a tradição e mutilação.
"Nós temos um conjunto de
parceiros já identificados para organizar este encontro, que vai trazer alguns
líderes também da Guiné-Bissau e promover uma partilha, uma reflexão sobre este
problema a partir também do trabalho que tem vindo a ser realizado pelo Alto
Comissariado para as Migrações no domínio do diálogo inter-religioso.”
João Carlos, Lisboa | Deutsche
Welle
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