quarta-feira, 14 de março de 2018

GUINÉ-BISSAU | Crise política está a piorar a vida da população


A ausência de soluções para a crise político-institucional na Guiné-Bissau está a deixar a população mais falida, sem luz e água. Principais instituições do Estado estão a funcionar a meio gás.

Nos últimos meses, algumas ruas e avenidas de Bissau só têm iluminação pública graças aos postes de luz que funcionam por energia solar. A maioria das casas e instituições públicas fica o dia inteiro sem eletricidade.

A falta de gasóleo é, segundo fontes da Empresa de Eletricidade e Águas (EAGB), a razão para os cortes no fornecimento do serviço. Os depósitos de gasóleo na central elétrica estão secos, pelo que a empresa foi obrigada a parar os motores, acrescentou a mesma fonte, sem informar quando é que o serviço será normalizado. 

Esta segunda-feira (12.03) registou-se um apagão que afetou os serviços do maior centro hospitalar do país, o hospital Simão Mendes, que ficou parcialmente paralisado, colocando em perigo a vida de dezenas de doentes.

Em entrevista à DW África, o médico Mboma Sanca explica que "nos cuidados intensivos existem aparelhos que só funcionam com corrente elétrica". "Há exames médicos por fazer, microscópios e equipamentos com autonomia a ficar sem bateria e doentes que estão na sala sem ar condicionado, ou seja, estamos numa péssima situação", acrescentou o médico, frisando que "sem corrente eléctrica não se pode fazer nada, mesmo perante a complicação de um doente".

"País sequestrado por disputa política”

A Guiné Bissau está sem Governo há mais de sessenta dias e há quase quatro anos mergulhada numa autêntica disputa pelo poder. Para o analista político Dautarin Costa, falta patriotismo aos atores políticos, incluindo o Presidente: "Não faz sentido que para ganhar uma disputa política tenhamos que paralisar e sequestrar todo um país, todo um povo, e, por inerência, todas as suas condições sociais de existência". Neste momento, acrescenta o analista, existem "situações de extrema dificuldade na vida da população".

De acordo com Dautarin Costa, o povo da Guiné-Bissau enfrenta dificuldades no acesso à saúde, "o sistema de Educação não existe e as pessoas têm dificuldades de alimentação".

O mesmo analista político nota ainda que "ao esvaziar as instituições", num país "pobre” como é a Guiné-Bissau, está-se a tornar o país "vulnerável aos fenómenos do narcotráfico, terrorismo, à fuga de capitais e ao fenómeno de uso indevido do património público". "Basicamente colocamos o país de gatas, ou seja, despimos o país. Estamos a assistir a uma destruição lenta do próprio país", diz o analista.

A Guiné-Bissau vive uma grave crise política que deixou as principais instituições completamente paralisadas. Sem uma solução à vista, os dirigentes do país remeteram-se ao silêncio.

Braima Darame (Bissau) | Deutsche Welle

GUINÉ BISSAU | Reunião convocada pela Presidência "deu em nada"


Partidos políticos com assento parlamentar recusaram discutir com Presidente impasse político que o país vive. Partidos que não marcaram presença no encontro dizem que esta é mais uma “manobra de diversão” de "Jomav".

A reunião convocada esta quarta-feira (14.03.) pelo Presidente guineense, José Mário Vaz, que pretendia discutir o impasse na formação de Governo de Artur Silva, ficou marcada pela ausência de quatro dos cinco partidos políticos com assento parlamentar e signatários do Acordo de Conacri, instrumento que visava por fim à crise política que o país vive há mais de dois anos. 

O Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), o Partido da Convergência Democrática (PCD), União para a Mudança (UM) e Partido da Nova Democracia (PND) alegam que este encontro não passa de uma "manobra de diversão” do Presidente para ganhar tempo.

Em entrevista à DW África, Vicente Fernandes, que fala em nome dos partidos políticos signatários do Acordo de Conacri que se ausentaram do encontro, considera que o Presidente continua  pouco sensato: "Não podemos acompanhar o Presidente da República nesta fantochada”, começa por afirmar Vicente Fernandes, acrescentando que "infelizmente ele [o Presidente] tem a sua estratégia muito própria, nomeando os primeiros-ministros sem respeitar a Constituição e muito menos o Acordo de Conacri”.

Nova reunião

José Mário Vaz insiste nas negociações e marcou um novo encontro para a próxima terça-feira (20.03.).

Para Braima Camará, coordenador do grupo alargado dos 15 deputados expulsos do PAIGC, a nova data deverá ser "uma oportunidade para que todos os atores políticos possam reconsiderar as suas posições” para que se encontre "uma saída mais consensual para a crise”.

Sobre o encontro desta quarta-feira (14.03.), Braima Camará disse estar consciente de "que sem a presença de todas as partes é sempre difícil encontrar uma solução".

Encontro "não deu em nada”

A Aliança das Organizações da Sociedade Civil participou no encontro, no entanto, saiu insatisfeita. O seu presidente Fodé Carambá exige mais do Presidente José Mário Vaz. "Não estamos satisfeitos com os resultados da reunião porque não deu em nada.

Quero que o Presidente assuma a sua responsabilidade para buscar saídas para a crise”, afirmou Fodé Carambá, notando que faltam poucos dias para o "inicío da campanha de comercialização da castanha de caju e da campanha agrícola” e, por isso, "o país não pode continuar assim”. "Com ou sem o Acordo de Conacri o Presidente deve encontrar uma solução”, asseverou.

A crise política que já dura há mais de dois anos na Guiné-Bissau tende a piorar a cada dia que passa sem que os políticos sejam capazes de encontrar soluções. Todas as negociações que visaram encontrar soluções fracassaram.

Deslocações condicionadas

Ainda esta quarta-feira (14.03), o primeiro-ministro Artur Silva condicionou as deslocações em missão de serviço ao estrangeiro dos ministros do Governo cessante. Em comunicado divulgado à imprensa, o primeiro-ministro refere que a representação da Guiné-Bissau em eventos internacionais no exterior vai passar a ser feita pelos embaixadores, sempre que houver representação diplomática.

Braima Darame (Bissau) | Deutsche Welle

Cabo Verde sem capacidade para receber demanda crescente de turistas


Falta de camas tem sido constrangimento para o setor. Durante a ITB, CI - Agência de Turismo e Investimentos de Cabo Verde admite problema e garante ainda que não houve cancelamentos massivos devido à epidemia do Zika.

Ataques terroristas em locais turísticos que vitimaram viajantes e a instabilidade gerada por conflitos internos em alguns países fizeram desacelerar o interesse dos visitantes por países do Norte de África. Tunísia e Egito, por exemplo, viram a demanda cair. O mesmo aconteceu também com a Turquia.

Durante a 50ª edição da Feira Internacional de Turismo de Berlim (ITB), que terminou este domingo (13.03) na capital alemã, a expectativa do mercado era de que destinos percebidos como seguros se beneficiem deste cenário.

Seria o caso de Cabo Verde, que em 2015 registrou um aumento de 5,5% no volume de hóspedes, em relação 2014.

Mas apesar de disponibilizar 18.055 camas, o país não tem capacidade para absorver a crescente demanda, admite Débora Abu-Raya, administradora executiva da CI - Agência de Turismo e Investimentos de Cabo Verde.

"Ninguém gosta de perder cliente. Agora, obviamente também que a construção de camas não é o que acontece de um dia para o outro. Se calhar, uma onda que a gente poderia apanhar, já teremos que trabalhar mais, quando tivermos as camas, a nível de promoção," avalia.

Segundo a CI, quatro investimentos em curso devem resultar em mais de 1.500 novas acomodações até o fim de 2017.

Epidemia do Zika não afetou o setor

Outro fator que tem preocupado as autoridades caboverdianas é a epidemia do vírus Zika que se registra no país, onde desde outubro do ano passado já foram registrados 7.373 casos suspeitos – segundo os últimos dados.

Mas Débora Abu-Raya garante que não houve cancelamentos massivos de reservas devido à epidemia.

"O que mais a gente tem tentado, é evitar que circule informação que seja demasiado alarmista, que não vá traduzir o que na realidade está acontecendo em Cabo Verde. As ilhas turísticas, mesmo tendo havido casos em Boa Vista, não chegou a um caso de alerta muito grande, não," defende.

Aumentam entradas de alemães em STP

São Tomé e Príncipe tem colhido frutos das participações na ITB. Sobretudo nos últimos dois anos, o número de entradas de visitantes provenientes da Alemanha aumentou e o país está agora entre os seis maiores emissores de turistas para as ilhas santomenses.

Segundo a diretora do Turismo, Mirian Daio. O trabalho na ITB tem focado o perfil desses turistas, "mais ligado à natureza e que buscam pequenos alojamentos que preservam as características locais".

"Começamos a perceber mais o que eles buscam, onde estão mais satisfeitos e estamos a moldar alguns produtos em função disto," acrescenta Daio.

Este ano o país investe não apenas no stand na Feira Internacional de Turismo de Berlim, mas contratou uma assessoria de marketing na Alemanha.

"Nós já tivemos algumas ações de apresentação do destino ao nível de várias cidades em Alemanha, junto aos operadores, junto aos média. Essa assistência vai garantir o nosso contato permanente com essa imprensa e com esses operadores de forma a termos efetivamente resultados," revela a diretora do Turismo.

Outros PALOP na ITB

O ministro do Turismo da Guiné-Bissau, Malam Djaura, também marcou presença na ITB. Segundo a Embaixada do país em Berlim, ele participou dos painéis da feira para obter informações atuais sobre o setor e dar a conhecer a realidade guineense.

Angola, que havia retornado à ITB em 2012 depois de dois anos de ausência, não teve um stand na Feira Internacional de Turismo de Berlim este ano.

Já Moçambique manteve seu stand no pavilhão África.

Os organizadores da Feira Internacional de Turismo de Berlim anunciaram que o Botswana será o país parceiro da ITB em 2017. Pela primeira vez, um país da África Austral estará em foco em um dos eventos internacionais mais importantes para o setor turístico.

Cristiane Vieira Teixeira | Deutsche Welle

Fernando Miala: O "homem dos sete ofícios" da secreta em Angola


Fernando Miala, que chegou a ser detido durante a Presidência de José Eduardo dos Santos, substitui Eduardo Octávio na chefia do SINSE. Presidente João Lourenço justifica escolha do general com a experiência no sector.

O general Fernando Garcia Miala, detido em 2006 e afastado das funções de diretor-geral dos Serviços de Inteligência Externa (SIE) durante a Presidência de José Eduardo dos Santos, volta à ribalta ao ser nomeado para o cargo de chefe dos Serviços de Inteligência e Segurança do Estado (SINSE) em substituição do comissário Eduardo Octávio. A nomeação foi feita na noite desta segunda-feira (12.03), pelo Presidente angolano, João Lourenço, numa decisão que foi bem recebida por vários sectores da sociedade angolana.

Fernando Garcia Miala foi empossado esta terça-feira (13.03) pelo chefe de Estado. João Lourenço justifica a escolha com a experiência do responsável militar. Afinal, lembrou o Presidente na cerimónia, Miala "passou praticamente por todos os serviços de inteligência no país".

O general é o novo homem forte do SINSE depois de já ter sido vice-ministro do Interior para a área da Segurança, diretor do Serviço de Informação e diretor do Serviço de Inteligência Externa.

Ordem na casa

Para Isomar Pedro Gomes, antigo quadro sénior da secreta angolana, a escolha de Francisco Miala visa, essencialmente, conter a grande corrupção que tomou conta da estrutura do Estado ao mais alto nível.

"É preciso ver que uma das funções principais da segurança do Estado em qualquer parte do mundo é precisamente a defesa da integridade do país e o principal sector da integridade do país é realmente a economia. E de um tempo a essa parte a economia foi seriamente atacada por indivíduos, ladrões, que danificaram gravemente o país", considera o especialista.

"O regresso de Fernando Garcia Miala", acrescenta, "é um bom indicativo de que João Lourenço pretende pôr ordem na casa e com este competente operativo muita coisa vai ser travada".

Historial conturbado

Para Isomar Pedro Gomes, o general Garcia Miala, enquanto conhecedor profundo da segurança militar e doméstica, assim como da estrutura sectária do regime do MPLA, é uma figura capaz de conter "possíveis rebeliões dos implicados na grande corrupção" contra o Presidente Lourenço. O especialista acredita mesmo que "Fernando Garcia Miala já está em contacto com João Lourenço há bastante tempo e foi ele quem forneceu os dados sobre o paradeiro das grandes fortunas no exterior".

Pedro Gomes justifica: "Miala foi a primeira pessoa que denunciou os desvios dos dinheiros vindos da China, no tempo de José Eduardo dos Santos, quando ele [Miala] implica José Van-Duném e o general Kopelipa e outros indivíduos".

Depois desta denúncia, em 2006, a direcção da "secreta", então liderada pelo general Fernando Miala, agora general e chefe do SINSE, foi exonerada por alegada tentativa de golpe de Estado – uma acusação que nunca foi provada.

Mais tarde, em 2007, Fernando Miala viria a ser condenado a quatro anos de prisão por insubordinação, pelo Tribunal Supremo Militar, tendo cumprido a pena.

Três outros colaboradores de Fernando Miala foram condenados a dois anos e seis meses de prisão efetiva. Todos foram acusados de insubordinação por não terem comparecido perante as chefias militares na cerimónia da sua despromoção.

Miala foi igualmente acusado de interferir nas missões da escolta do chefe de Estado, de realizar escutas não autorizadas, além do furto de aparelhos de escuta, e de se envolver em relações alegadamente "promíscuas" com membros da Comunicação Social, mas estes crimes não ficaram provados em tribunal. 

Nelson Francisco Sul (Luanda) | Deutsche Welle

MOÇAMBIQUE | Ilícitos e abstenção mancham intercalares em Nampula


Fraca afluência nas mesas de votação e problemas de cadernos repetiram-se na segunda volta das intercalares em Nampula. Os órgãos da administração eleitoral reconhecem os problemas, mas minimizam-nos.

A votação da segunda volta para a eleição do edil de Nampula, a terceira maior cidade moçambicana, terminou por volta das 18 horas locais, altura que iniciou a contagem de votos. Mas, a semelhança da primeira volta a 24 de janeiro passado, alguns problemas prevaleceram. Um deles foi a falta de fluência e problemas de nomes nos cadernos eleitorais.

Segundo o cidadão Santos Felisberto, "faltou o aconselhamento [educação cívica], fora da campanha eleitoral. O Secretariado Técnico da Administração Eleitoral (STAE) deveria criar alguns mecanismos de como sensibilizar as pessoas a irem votar. Para evitar que esteja alguém no poder que não era do nosso desejo é melhor ir votar."

Edumundo Manuel, outro eleitor, votou na Escola Primária de Namuatho B, próximo da sua residência, sem problemas, mas lamentou a fraca participação: "Como estamos a falar dessa área de Namuatho [nas proximidades de campo agrícolas] alguns munícipes talvez tenham ido as machambas."

Ilícitos mancham processo

Também a Sala da Paz, grupo de organizações da sociedade civil que observou a votação, confirma estes problemas. O grupo suspeita que as abstenções possam ter sido mais elevadas, ultrapassando os 75% da primeira volta.

"Tivemos alguns ilícitos eleitorais que, de alguma forma, mancham o processo eleitoral, como é o caso da detenção de dois jovens que estavam a fazer campanha a favor do candidato da RENAMO, e ainda um caso de ilícito duma senhora que, supostamente, estava a fazer a entrega de uma lista de 24 pessoas estranhas ao presidente de mesa", relata Juma Aiuba, o porta-voz da organização.

"A única coisa que nos preocupa neste momento são os níveis de abstenções. Estamos com receios de que os níveis de abstenção ultrapassem os 75% da primeira volta", diz.

Avaliação positiva da Polícia e da CNE

O porta-voz da Polícia da República de Moçambique (PRM) em Nampula, Zacarias Nacute, minimiza os ilícitos eleitorais. "Está tudo controlado até ao momento e não tivemos nenhum caso de sobressalto. E penso que os munícipes comportaram-se de forma ordeira e o processo decorreu sem sobressalto", afirmou.

Os órgãos da administração eleitoral reconhecem igualmente os problemas, mas minimizam-nos, garantindo que foram resolvidos.

"[Os problemas] podem ter sido por questões organizacionais, mas não propositada. Neste momento avalio que o processo decorreu de forma tranquila", diz Martinho Marcelino,  presidente da Comissão Distrital de Eleições de Nampula.

Foram inscritos para votar tanto nesta segunda volta, quanto na primeira, um total de 296.590 eleitores distribuídos em 401 assembleias de votos.

Sitoi Lutxeque (Nampula) | Deutsche Welle

Reforçar o apoio à Revolução Bolivariana contra as ameaças imperialistas


O movimento mundial da paz, as forças progressistas e defensores da justiça social, da soberania e da solidariedade rememoraram há poucos dias os cinco anos desde o falecimento do Comandante Hugo Chávez, cuja chegada ao governo venezuelano trouxe conquistas históricas ao seu povo.

Socorro Gomes*, no Cebrapaz

O trabalho árduo pela superação de tantas décadas de espoliação, dominação e opressão afirmando a soberania nacional apenas tinha começado e as forças reacionárias, respaldadas pelas potências imperialistas, passaram a realizar afanosa atividade para impedir a continuidade do processo.

Hoje, a ação contrarrevolucionária prossegue, através de ameaças, sanções e uma política ofensiva contra a Revolução Bolivariana, às quais todas e todos devemos resistir.

Como disse o presidente Nicolás Maduro por ocasião do aniversário do falecimento do Comandante Chávez, o ex-presidente liderou a Venezuela em sua entrada no século 21 e “no resgate” do seu “ser nacional”. Mas sua inspiração foi além das fronteiras deste país irmão, levando a Venezuela a apoiar e cooperar com outras nações na mesma luta para que os povos retomem as rédeas de seus destinos.

Prova mais recente da resistência deste projeto de libertação dos povos e da unidade necessária para fazê-lo avançar foi a grande Jornada Mundial de Solidariedade com a Revolução Bolivariana – Todos Somos Venezuela, no início deste mês, que contou com mais de 300 delegados internacionais vindos de quase 100 países, além de mais 500 representantes de entidades venezuelanas diversas.

Os participantes rechaçaram as agressões nas formas de sanções estadunidenses e europeias e a brutal guerra midiática e política que agravam os problemas socioeconômicos do país, respaldando forças reacionárias e sabotando a economia da nação soberana e seu povo, para desestabilizar o governo progressista.

A Jornada aprovou a Declaração de Caracas, com um valente brado de resistência e repúdio contra qualquer intenção de intervenção direta ou golpe militar na Venezuela, como sugeriu recentemente o secretário de Estado dos EUA Rex Tillerson.

A defesa da Revolução Bolivariana deve ser enfática nas conquistas e nos projetos para o futuro tanto da Venezuela quanto de outros povos amigos. Desde a eliminação do analfabetismo e a elevação dos níveis da educação para a juventude, a expansão inédita do espaço de participação política, a expressiva redução da miséria e o combate vigoroso às desigualdades historicamente enraizadas no sistema político-econômico de toda a região até a defesa de uma ordem internacional de cooperação, mais justa e assentada no multilateralismo e no respeito à soberania das nações, a contribuição da Venezuela Bolivariana a toda a humanidade é imprescindível.

Em um momento de redobrada ofensiva imperialista e da ascensão das forças obscurantistas, fascistas e do neoliberalismo, os povos devem contar com o apoio das forças progressistas para fazer frente à persistente política de dominação e exploração.

Neste quadro, o povo venezuelano também deve continuar contando com as sucessivas conquistas da Revolução Bolivariana, livres da ingerência e das ameaças estrangeiras. Que se fortaleçam a ação e a expressão de solidariedade de todas as forças amantes da paz à vitoriosa Revolução Bolivariana e ao valente povo venezuelano.

*Socorro Gomes é a presidenta do Conselho Mundial da Paz

Fonte: Cebrapaz | em Pátria Latina

CARACAS JAMAIS SERÁ COMO SANTIAGO!


Martinho Júnior | Luanda
  
1- A 11 de Setembro de 1973, em Santiago do Chile, as Forças Armadas do Chile, sob comando do General Augusto Pinochet, produziu o sangrento golpe de estado contra o Presidente eleito Salvador Allende, inaugurando a era dos governos capitalistas neoliberais no mundo.

O choque passou a ser um recurso e, onde quer que o pêndulo se inclinasse a favor do capitalismo neoliberal, o choque esteve sempre presente, inclusive nos próprios Estados Unidos, quando o Presidente Ronald Reagan perfilhou a ementa neoliberal por via duma expansão armamentista e intervencionista no mundo (que levaria ao colapso do socialismo na Europa do Leste e à implosão da URSS), ou na Grã-Bretanha, com Margareth Thatcher, que além da Guerra das Malvinas, esmagou os sindicatos britânicos.

As Revoluções Coloridas e as Primaveras Árabes, foram parte dos recursos do choque e, sempre que isso ocorreu, os governos emanados foram vetores de desintegração interna, de caos e até de terrorismo, para que a terapia neoliberal abrisse as portas aos interesses e cobiças das multinacionais, elas próprias sustentáculos dos “lobbies” que nutrem o poder nos Estados Unidos!

2- Para que a hegemonia unipolar que instrumentaliza os Estados Unidos possa produzir o choque neoliberal na Venezuela, nos termos em que tem orientado as suas experiências, inclusive as experiências “laboratoriais”, necessário se tornaria contar com pelo menos uma fracção das forças armadas do país alvo.

Ao contrário dessas expectativas da hegemonia unipolar contra a Venezuela, são as suas próprias experiências de subversão, alienação e desestabilização que têm encontrado pela frente, entre outros e sempre de modo entrosado e integrado, os dispositivos militares e paramilitares bolivarianos, que têm sabido dosear os seus esforços em função das características de cada uma das ameaças, sejam as de carácter “civil”, sejam as de carácter militar, internas ou externas.

Poupar energias revolucionárias, tal como garantir reservas, é essencial face às ameaças, de forma a nunca surgir de forma arrogante ou desproporcionada para fazer face às ocorrências e colocar sempre capacidade persuasora e dissuasora antes de tudo o mais, acautelando aproveitamentos que se inscrevem na guerra psicológica sempre presente em todos os actos de desestabilização levados a cabo pela oligarquia venezuelana agenciada.

Para tal o comando tem de gerar constantemente culturas de inteligência e criatividade!

Tudo isso só pode ser feito com patriotismo, unidade, coesão, organização, disciplina e estreita identidade com a Constituição e com o povo e é assim que têm sido aferidas e temperadas as Forças Armadas Bolivarianas, assim como toda a juventude e quadros que nelas prestam serviço, desde logo com a emergência telúrica do Comandante Hugo Chavez e agora com a fidelidade e a temperança do Presidente Nicolas Maduro!

 3- Tive a oportunidade de observar e sentir isso em relação às Forças Armadas Bolivarianas, na minha curta deslocação integrando as colunas de Delegados Internacionais que responderam à chamada de “Todos somos Venezuela”, acorrendo de todos os continentes a Caracas nos dias 5, 6, 7 e 8 de Março de 2018.

Ficou patente nos actos mais solenes, como o que presenciei em La Guaira, na magnífica Praça Bolívar-Chavez, assinalando o 5º aniversário do desaparecimento físico do Comandante Hugo Chavez, como no Quartel da Montanha onde o mausoléu do heróico Comandante tem um lugar reservado bem no coração da estrutura, como nos simples actos de escolta dos autocarros dos convidados, ou o asseguramento dos locais onde ocorreram os fóruns, como no Teatro Teresa Carreño, uma instalação vivificante em termos de manifestações culturais e sócio-políticas, ou no próprio hotel onde os convidados ficaram instalados (o Gran Melia de Caracas).

Também foi assim na incursão ao Parque Natural de Ávila durante a manhã e parte da tarde do dia 5 de Março, ali onde alguns dos nós dos poderosos dedos dos Andes mais a norte encontram o Mar das Caraíbas, entre o pequeno mas cosmopolita Estado de Vargas e Caracas.

As caravanas deslocaram-se com asseguramentos ao milímetro, visíveis e invisíveis, inclusive nas estreitas e empinadas estradas de montanha e nos locais das ocorrências verifiquei a existência de dispositivos em estrita conformidade a cada objectivo e acto, para que provocação alguma pudesse chegar aos hóspedes, convidados e participantes, inclusive, como é lógico, os que participaram na reunião internacional da ALBA.

São as respostas aos expedientes de desestabilização que espevitam e temperam as Forças Armadas Bolivarianas e é esse exercício constante, sistemático e amadurecido, que pude verificar, inclusive quando era necessário entrosar forças (no Parque Nacional de Ávila, por exemplo, com a Guarda Florestal).

3- Antes da minha partida para a Venezuela, acompanhei com mais intensidade a evolução da situação do estado crítico de Táchira e verifiquei, entre outras coisas, uma escaramuça duma unidade das Forças Armadas Bolivarianas contra um grupo paramilitar colombiano que foi desbaratado, assim como recolhi dados sobre a filtragem de sabotagens económicas através da fronteira em plenos Andes.

Nos Estados que bordejam as Caraíbas, principalmente em relação a Curaçao, a atenção da Marinha e da Força Aérea Bolivarianas tem sido uma constante e há registos, amiúde, dos logros que vão obtendo…

As Forças Armadas Bolivarianas e as forças paramilitares têm vindo a acompanhar todas as Grandes Missões, Missões e programas desencadeados pelo Governo Bolivariano sob a direcção do Presidente Nicolas Maduro, pois tudo tem de ser feito com rigor e os recursos não se podem desperdiçar…

Por tudo o que tenho verificado virtualmente e o que pude observar a quente na curta passagem pela Venezuela, só recolhi sinais de patriotismo, unidade, coesão, organização, disciplina e estreita identidade com a Constituição e com o povo, sem jamais se esconder, antes pelo contrário, as enormes dificuldades e desafios inerentes à guerra económica e financeira que está a ser movida contra a Venezuela Bolivariana!

Caracas, desse modo e com essa cultura intensa, permanente, por vezes até vibrante, das Forças Armadas Bolivarianas, que vão também participando no enfrentamento ao monstro e às suas monstruosidades, jamais será como Santiago!

Assim está a ser temperado o aço!

Martinho Júnior - Luanda, 12 de Março de 2018

Reportagem fotográfica de Martinho Júnior:
- Praça Bolivar-Chavez, em La Guaira, na manhã de 5 de Março de2018, momentos antes da cerimónia que assinalou o 5º aniversário do desaparecimento físico do Comandante Hugo Chavez;
- Praça Bolivar-Chavez, ante a estátua do Comandante heróico, durante a cerimóna;
- Quartel da Montanha, ao entardecer de 5 de Março de 2018;
- Delegação de Cuba honra o Comandante Hugo Chavez junto ao seu Mausoléu;
- Eu próprio e meus passos peregrinos depois da singela honra que prestei.

Implicações dos novos sistemas de armas da Rússia


Andrei Martyanov,  Unz Review*

Durante a guerra russo-georgiana de agosto de 2008, as operações do 58º Exército da Rússia foram definidas como “coerção para a paz”. É definição adequada, que faz lembrar o que estava então realmente em jogo. Os russos venceram aquela guerra e, sim, realmente coagiram a Geórgia a adotar comportamento muito mais pacífico. Em termos Clausewitzianos, os russos alcançaram o principal objetivo da guerra, dado que compeliram o inimigo a atender o desejo da Rússia. Os russos, como mostram os eventos dos últimos 19 anos, já não têm ilusões sobre a possibilidade de algum tipo de conduta civilizada razoável do Ocidente como um todo, menos ainda dos EUA, que continuam a viver na bolha que os isola das vozes exteriores da razão e da paz. O currículo global dos EUA das últimas décadas não exige quaisquer altas elaborações: é currículo de repetidos desastres militares e humanitários.

O discurso de Vladimir Putin, dia 1/3/2018 à Assembleia da Federação Russa não tratou das próximas eleições presidenciais, como sugerem muitos no Ocidente obcecados com eleições. A fala de Putin teve o objetivo de coagir as elites norte-americanas, se não para a paz, pelo menos para alguma forma de sanidade – aquelas elites que estão atualmente completamente isoladas das realidades geopolíticas, militares e econômicas de um mundo que está emergindo. Como no caso da Geórgia em 2008, a coerção baseou-se no poder militar.

O Exército Russo pré-Shoigu [general Serguey Shoigu[1]], com todas as deficiências reais e sabidas, precisou de apenas cinco dias para liquidar a força georgiana treinada e parcialmente equipada pelos EUA – a tecnologia, o pessoal e a arte operacional do Exército Russo foram simplesmente melhores. Obviamente, esse tipo de cenário não é concebível entre Rússia e os EUA; vale dizer, não é… a menos que o mito da superioridade tecnológica dos EUA tenha esvaziado como bolha de sabão.

A maioria das elites do poder nos EUA jamais prestaram um dia de serviço militar na vida, nem nunca frequentaram instituições acadêmicas militares sérias. Sua única expertise em questões tecnológico-militares e geopolíticas é limitada, no pior cenário, a um ou dois ‘seminários’ sobre armas atômicas. No melhor dos casos, por mais que se esforce, o Serviço de Pesquisa do Congresso simplesmente não tem a qualificação mínima indispensável para compreender a complexidade e a natureza de uma força militar; muito menos é capaz de compreender o serviço que presta esse tipo de força. Simplesmente não têm pontos de referência.

Mesmo assim, por mais que sejam produto da cultura norte-americana de propaganda pop-militar (PPM), propaganda e pornografia militar – essa coleção de advogados, ‘cientistas políticos’, sociólogos e jornalistas que dominam a cozinha estratégica norte-americana, e que vivem de cozinhar, em regime non-stop, as doutrinas geopolíticas e militares mais delirantes –, os norte-americanos com certeza entendem alguma coisa, quando veem os seus entes queridos com um alvo desenhado ou na testa ou nas costas.

A mensagem de Putin aos EUA foi extremamente simples: fez os EUA lembrarem as incontáveis vezes em que se recusaram até a ouvir o que os russos tinham a dizer sobre a posição da Rússia no Tratado dos Mísseis Antibalísticos [ing. ABM Treaty]. Como escreveu Jeffrey Lewis, num momento de surpreendente sobriedade da revista Foreign Policy:

“A verdadeira origem da nova geração de bizarras armas nucleares russas não está na mais recente Nuclear Posture Review, mas na decisão do governo George W. Bush, em 2001, de retirar os EUA do Tratado dos Mísseis Antibalísticos; e no fracasso bipartidáriodos dois governos, de Bush e de Obama, que absolutamente não conseguiram dedicar atenção significativa às preocupações dos russos ante os mísseis de defesa dos EUA. Putin disse claramente em seu discurso: “Durante todos esses anos, desde a saída unilateral dos EUA, do Tratado dos Mísseis Antibalísticos, trabalhamos sem descanso em armas e equipamentos avançados, que nos levaram a descobertas indispensáveis para desenvolver novos modelos de armas estratégicas. Esses feitos tecnológicos agora estão aí. Infelizmente, nós não conseguimos os feitos diplomáticos de que precisávamos.”

A mensagem de Putin foi clara: “Ninguém quis conversar conosco sobre o xis da questão da nossa segurança nacional. Ninguém quis nos ouvir. Agora, nos ouvirão.”

Desse ponto em diante, a fala de Putin só pode ser descrita como um confronto militar tecnológico, Stalingrado contra Pearl-Harbor. As ramificações estratégicas dos mais novos sistemas de armas que Putin apresentou são imensas. De fato, têm peso histórico decisivo. Claro, muitos especialistas norte-americanos, como se devia esperar, trataram de reduzir o evento o mais possível, que não passaria de evento de autopromoção, exatamente o que qualquer ‘especialista’ da comunidade militar teria de dizer. Outros não foram tão longe, e vários, sim, nem tentaram disfarçar o susto. A impressão geral hoje, um dia depois da apresentação de Putin, pode ser descrita, em termos simples, do seguinte modo: o degrau que separa os mísseis dos EUA e da Rússia, é real; mas não é um degrau, sequer algum mero gap; trata-se de uma ravina, em termos tecnológicos é uma fissura abissal.

Paradoxalmente, o abismo nem está onde muitos até já admitiram que estaria –, no míssil balístico RS-28 Sarmat, cuja existência e características prováveis e aproximadas eram mais ou menos conhecidas já há anos. Claro que se trata, inegavelmente, de realização tecnológica impressionante, um míssil balístico que não só tem alcance praticamente ilimitado, mas que, além disso, é capaz de manobrar e definir trajetórias que tornam inúteis todas as defesas com mísseis antibalísticos. Afinal, ser atacado a partir do polo sul, por um míssil que viajará sobre toda a América do Sul, absolutamente não é evento que os militares dos EUA tenham meios para neutralizar. E sem esses meios eles continuarão ainda por muitos e muitos anos.

O mesmo se pode dizer do sistema de planador-asa hipersônica (alcança velocidade Mash 20), chamado Avangard, que já está sendo produzido em série, desenvolvimento completamente surpreendente – os EUA têm programa semelhante para esse tipo de armas, mas ainda não conseguiram fazer sua asa voar; essas ideias circulam nos EUA desde meados dos anos 2000s, sob o guarda-chuva do programa PGS (ing. Prompt Global Strike). Ah, sim, são conquistas tecnológicas dos russos, de gigantesca importância, que Jeffrey Lewis chama de “bizarras”, apenas para não confessar que “nós não temos nada que sequer se aproxime disso”. Mas esse não é, até aqui, o real choque que o discurso provocou. Vários dos meus artigos sobre esse recurso trataram precisamente da área na qual os EUA estão muito gravemente atrasados: os mísseis cruzadores, todos eles. Previ há muito tempo que o real declínio militar dos EUA viria precisamente desse lado. Hoje é absolutamente claro que a Rússia está em posição de gigantesca vantagem militar-tecnológica em mísseis cruzadores e aerobalísticos, décadas à frente dos EUA nesse campo crucial.

Muitos especialistas ocidentais discutiam esses sistemas exóticos e sem dúvida surpreendentes projetados e construídos para transportar e ‘entregar’ armas atômicas em qualquer ponto do globo e com a mais alta precisão. Mas a maioria dos que são realmente profissionais lá estavam, sem respirar, de queixo caído, embasbacados, de olhos postos no míssil “Adaga” [ru. Kinzhal]. Essa, sim, é a arma que muda definitivamente o jogo, em termos geopolíticos, estratégicos, operacionais, táticos e psicológicos. Já se sabia há algum tempo que a Marinha Russa já estava usando um míssil revolucionário, q alcança velocidade Mach8, o míssil antinavios 3M22 Zircon. Por mais impressionante e virtualmente não interceptável por qualquer das defesas conhecidas que seja o Zircon, o Adaga [Kinzhal] é simplesmente espantoso, tais as suas capacidades para combate.

O Adaga [Kinzhal] baseia-se muito provavelmente no padrão do míssil Iskander; alcança Mash10, é altamente dirigível e manobrável. Esse míssil aerobalístico com alcance de 2.000 quilômetros, transportado por jatos do tipo MiG-31, simplesmente reescreveu o manual da guerra naval conhecido hoje. É arma que torna obsoletas as frotas e combatentes de superfície. Não, você não está lendo errado. Nenhuma defesa aérea ou sistema antimísseis que há hoje no mundo é capaz de obter qualquer vantagem no confronto com o míssil Adaga [Kinzhal] (talvez com a exceção do futuro S-500, especialmente projetado para interceptar alvos hipersônicos). Dito com a máxima clareza: faltam ainda décadas, antes que surja o antídoto para o míssil Adaga [Kinzhal].

Mais especificamente: nenhum sistema moderno ou hoje viável de defesa aérea usado por qualquer das frotas da OTAN pode interceptar sequer 1 (um) míssil que tenha essas características. Uma salva de 5-6 desses mísseis garante a destruição de qualquer porta-aviões e respectivo Grupo de Combate de destroieres e cruzadores, por exemplo. E tudo isso sem usar munição nuclear.

O emprego de tal arma – detalhe importante, especialmente porque agora sabemos que já há uma delas voando no Distrito Militar Sul da Rússia –, é muito simples. O ponto-alvo mais provável de mísseis lançados dos MiG-31s estará nas águas internacionais do Mar Negro, o que implica dizer que todo o Mediterrâneo Ocidental estará fechado para qualquer tipo de navios ou grupos de navios de superfície.

A Rússia também pode fechar completamente o Golfo Persa. Pode também criar vastíssima zona ‘fechada’ no Pacífico, áreas nas quais os jatos MiG-31 para mísseis balísticos estacionados em Yelizovo na [península de] Kamchatka ou da Base Aérea Centralnaya Uglovaya em Primosrky Krai poderão patrulhar grandes distâncias sobre o oceano.

Vale ressaltar que a atual plataforma de transporte e lançamento do míssil Adaga [Kinzhal] é o MiG-31 – possivelmente o melhor jato interceptador de toda a história. Obviamente, a capacidade do jato MiG-31 para alcançar altas velocidades supersônicas (que ultrapassa em muito M=2) é fator chave no lançamento.
Mas não importa quais sejam os procedimentos para lançar essa arma aterrorizante, as consequências estratégicas imediatas de o míssil Kinzhal, a Adaga, tornar-se operacional são as seguintes:

Finalmente descartam-se os porta-aviões para a prateleira de instrumento cuja única serventia é projetar poder contra adversários fracos e sem defesas, e para bem longe das áreas marítimas da Rússia, sejam o Mediterrâneo, o Pacífico ou o Atlântico Norte. Significa também uma zona completamente fechada, à qual deixam de ter acesso todos os destroieres e cruzadores equipados com Aegis33 da Marinha dos EUA, cruciais para o escudo dos chamados “Mísseis Balísticos de Defesa” que são cruciais para os norte-americanos;

O míssil Adaga [Kinzhal] torna completamente inúteis e obsoletos os grupos clássicos de combate com porta-aviões e respectiva escolta de destroieres e cruzadores [ing. Carrier Battle Groups (CBGs)], que se tornam imprestáveis como principal força de ataque contra adversário de igual força ou de força semelhante. Também deixa completamente sem defesas qualquer navio de combate de superfície, sejam quais forem suas capacidades para defesa antiaérea e antimísseis. O míssil Adaga [Kinzhal] anula completamente as centenas de bilhões de dólares que foram investidos naquelas plataformas e armas. E elas agora, de repente, tornam-se nada além de alvos gordos e pesadões, completamente desprotegidos, sem qualquer defesa. Todo o conceito de Batalha Ar-Mar, que também atende pelo nome de Joint Concept for Access and Maneuver in the Global Commons (JAM-GC) [Conceito Conjunto para Acesso e Manobra nos Comuns Globais], que é a pedra de toque da dominação global pelos EUA, torna-se também repentinamente inútil. Pode-se chamar de catástrofe doutrinal e fiscal completa
O controle sobre os mares e negação de acesso aos mares [ing. Sea Control and Sea Denial] muda completamente de natureza e as duas partes misturam-se. Quem controle essas armas, é simplesmente ‘dono’ de vastos espaços nos mares cobertos pelo alcance do míssil Kinzhal e das unidades que os transportam. Esse controle também remove completamente qualquer apoio de superfície, crucial para os submarinos em todos os casos, expondo-os à aviação e às naves de superfície de Patrulha/Guerra Antissubmarinos [ing. Patrol/ASW]. O efeito é multiplicativo e é profundo.

Rússia tem muito desses transportadores-lançadores – o programa de modernização dos jatos MiG-31s para mísseis balísticos está já há anos funcionando a pleno vapor, e as unidades de frente de combate da Força Aérea russa vêm recebendo considerável influxo desse tipo de aeronave. É claro hoje o motivo pelo qual foi acionado esse processo de modernização – o motivo pelo qual os russos estavam convertendo os MiG-31 para mísseis balísticos, em plataformas de lançamento do Adaga [Kinzhal]. Como já ensinava o major-general de Marinha James L. Jones, em público, em 1991, depois da 1ª Guerra Mundial: “Para pôr a correr em pânico um grupo de combate de porta-aviões e tudo, basta alguém incendiar uma meia dúzia de barris de petróleo sobre a água, em volta deles.

” O míssil Adaga [Kinzhal] efetivamente remove para longe qualquer força de superfície não suicida; remove-a para milhares de quilômetros de distância, bem longe das praias russas; e torna irrelevante toda a capacidade que ela tenha. Em linguagem de leigos, significa apenas uma coisa – todo o componente de superfície da Marinha dos EUA vira força-zero, boa só para desfilar nos dias de festa e exibir bandeirão nas praias próximas e no litoral de países fracos e subdesenvolvidos. E está provado que tudo isso pôde ser feito com apenas uma mínima fração dos custos astronômicos das plataformas e armas norte-americanas.

É muito difícil, nesse momento, prever o efeito de médio e longo prazo, nos EUA, do discurso de Putin. Pode-se prever bem mais facilmente que usarão o clichê, muito batido e já semimorto, da “assimetria”. Mas esse clichê não se aplica. O que aconteceu dia 1º de março desse ano, com o anúncio e a exibição das novas armas russas não é fenômeno de “assimetria”: foi a exibição concreta, q ninguém pode dizer que não viu, de um novo paradigma, completamente novo, na concepção da guerra, na tecnologia militar e, como consequência, também na estratégia e no trabalho operacional. Se o paradigma é novo, então já não se aplicam as velhas regras e os velhos saberes.

Os EUA não estavam e não estão preparados para o que veio, apesar de muitos profissionais competentes, inclusive nos EUA, terem alertado sobre um novo paradigma militar-tecnológico que estava em construção, mas cujas vozes naufragaram na completa miopia e húbris doentia dos norte-americanos para tudo que tenha a ver com militares e militarismos. Como o coronel Daniel Davies teve de admitir:

“Por mais justificado que o orgulho possa ter sido naquele momento, o orgulho rapidamente se converteu na mais insuportável arrogância. Hoje, essa arrogância é perigo mortal para a nação. Nada provavelmente exemplifica melhor essa ameaça, que o sistema disfuncional de compras do Pentágono.”

É prudente prever hoje, considerado o pano de fundo de uma abordagem geral da guerra pelos norte-americanos, que não haverá resposta tecnológica sensível dos EUA, à Rússia, em futuro hoje previsível. Os EUA simplesmente não têm recursos, exceto pôr a rodar as engrenagens das máquinas de distribuição de notícias – o que terminará de levar os EUA e as empresas de mídia à bancarrota.

Mas há a questão de que os russos sabem disso; e de que o discurso de Putin não visou a ameaçar diretamente os EUA. Fato é que os EUA estão hoje realmente simplesmente vulneráveis, sem qualquer defesa, diante do arsenal de armas hipersônicas que a Rússia trouxe. Mas a Rússia não persegue o objetivo de destruir os EUA.

As ações da Rússia são ditadas por um único objetivo: dar um tranco, meter um trabuco no nariz de um bêbado armado com dois punhais que está aos pulos num bar apinhado de gente, para obrigá-lo a parar de pular, entregar os punhais e ouvir o que outras partes tenham a dizer. Em outras palavras, a Rússia entrou armada de pistola numa briga de faca. Porque esse parece o único modo de lidar, hoje, com os EUA.

Se o tranco e a demonstração da superioridade militar-tecnológica dos russos terá ou não qualquer efeito, não se sabe. Mas os russos sempre fizeram saber que seu principal objetivo, desde o início, foi conseguir que uma conversa racional e sensível sobre a nova ordem mundial brotasse entre atores geopolíticos decisivos. O mundo já não tem como continuar pagando por vozes cada vez mais rasas, de autopromoção a golpes sempre da mais baixa provocação, por gente que nem percebe o que faz e que ameaça a estabilidade e a paz do mundo.

A autoproclamada hegemonia dos norte-americanos foi furada e murchou como bexiga colorida, acabou, pelo menos por algum tempo, desmascarada precisamente no ponto mais sensível para qualquer hegemon real ou suposto – no campo militar. Putin só teve de discursar, para demonstrar o bom velho truísmo de Al Capone, que sabia que sempre se consegue mais e mais depressa, com uma palavra gentil e uma arma, do que só com a palavra gentil. Afinal de contas, ninguém mais que a Rússia insistiu em usar só a palavra gentil. Mas não funcionou. A culpa é, toda, dos próprios EUA.

[1] Sergey Kuzhugetovich Shoygu, 62 anos é general de Exército e desde 2012 é ministro da Defesa da Rússia. É nascido na remota República da Tuva, na Sibéria, cuja população é praticante de um xamanismo animista e do budismo tibetano – o que várias vezes gerou comentários venenosos no ‘ocidente’. Interessante, sobre Shoigu e suas religiões, lê-se em “Hoje aconteceu algo extraordinário” (13/5/2015, The Saker, traduzido em Redecastorphoto), em artigo sobre o Desfile da Vitória, em Moscou:

“O dia de hoje passará à memória da Rússia como celebração realmente histórica da vitória sobre a Alemanha nazista. O desfile – o mais bonito que já vi (infelizmente, só por vídeo, não pessoalmente) – foi soberbo e pela primeira vez incluiu o Exército Chinês de Libertação Popular. Não há dúvida de que vimos ali a história, enquanto se ia escrevendo. Mas aconteceu outra coisa hoje, também absolutamente extraordinária: o Ministro da Defesa da Rússia, Sergey Shoigu, fez o sinal da Cruz (foto), antes do início das celebrações. (…) Significa que Shoigu converteu-se à religião ortodoxa russa? Não necessariamente. O budismo é muito aberto a todas as outras religiões e não vejo contradição alguma no gesto do ministro. O fato de o primeiro alto membro do governo russo a iniciar o desfile do Dia da Vitória fazendo o sinal da Cruz e pedindo a ajuda de Deus ser budista é, em si mesmo, evento extraordinário (e cobre de vergonha os seus predecessores declarados oficialmente “ortodoxos”, que nunca fizeram coisa semelhante). Só imagino o horror, o escândalo, o desespero que o gesto de Shoigu está provocando na “inteligência” liberal russa pró-EUA e nas capitais ocidentais. Ao pôr-se, pessoalmente e toda a Rússia, nas mãos de Deus, Shoigu declarou guerra espiritual, cultural e civilizacional contra o Império. Só por isso, já entrou para a história como um dos maiores homens da Rússia.”

Traduzido por Vila Vudu

MORREU UM HOMEM… SÓ UM?

Bom dia esta é a abertura PG do seu Expresso Curto. 

Morreu mais um homem, Stephen Hawking. Entretanto e pela Síria morrem aos milhares, homens, mulheres e crianças. Pelo resto mundo também. Stephen Hawking morreu de morte natural, depois de usar o seu cérebro, “num corpo ínfimo”, em prol do conhecimento, da ciência e da humanidade. Os outros homens, mulheres e crianças que morrem na Síria e em muitos outros países “desaparecem” devido às guerras que são fomentadas pelas mais horríveis razões, entre as quais a ganância humana e correspondente maldade. Tanto que havia para acrescentar aqui sobre este tema…

A seguir deparará com o Expresso Curto. Leia e não se deixe “envenenar” pelas diferenças, nem ceda às manipulações tão peculiares e habituais nesta imprensa de grupos do grande capital que está repleta de cabeças feitas às suas medidas e interesses. Prevalece o domínio dos mais fortes sobre os mais fracos e aqui – como noutros órgãos de comunicação social – os exemplos são flagrantes. Sinuosamente, a apelar ao subconsciente, ao subliminar, às técnicas que levem vantagens aos mais fortes, aos do grande capital, aos senhores das grandes explorações, das guerras e dos combates que desenvolvem para dominar os que em maioria lhes servem as fortunas que possuem. Indiferentes às mortes e aos sofrimentos que causam. E dessas vítimas quase nada se fala a não ser no geral, são tantas! Ao ponto de quase todos já se terem habituado a tantas mortes, a tanto sofrimento, a tanta fome, a tanta desgraça. Tudo isso serve os que se sentem donos e exercem a posse da propriedade que é este planeta. Afinal são poucos com quase tudo, deixando só umas migalhas para imensos biliões que constituem a humanidade terrena.

Hoje morreu um homem… Só um?

Siga para o Curto, do Expresso. Hoje pela lavra de Martim Silva. (CT | PG)

Stephen Hawking, o homem que nos fez olhar para as estrelas

Martin Silva | Expresso

Remember to look up at the stars and not down at your feet

Bom dia,
Aos 76 anos, morreu na sua casa em Cambridge, no Reino Unido, um dos mais conceituados e geniais cientistas do planeta. O físico autor de "Breve História do Tempo". O homem que aos 21 anos viu ser-lhe detectada uma doença degenerativa rara (esclerose lateral amiotrófica), com uma esperança de vida de cerca de dois anos, e que sobreviveu mais de meio século depois disso. O cientista que nos habituámos a ver agarrado a uma cadeira de rodas e a comunicar através de um computador. Stephen Hawking. O anúncio foi feito em comunicado pelos seus filhos.

O trabalho académico de décadas foi dedicado à busca de respostas sobre o Universo, nomeadamente sobre buracos negros. Ao seu conhecimento e explicação. Mas foi o lançamento de "Breve História do Tempo", nos anos 80, que lhe trouxe fama global. O livro vendeu mais de 10 milhões de cópias. A fama global de Hawking e o reconhecimento generalizado pela sua obra e talento nunca lhe granjearam o Nobel, no entanto.

Eis algumas das leituras indispensáveis de hoje sobre a vida de Stephen Hawking:

-O The Guardian chama-lhe a mais brilhante estrela do estudo dos astros

-O homem que explicou o universo e os buracos negros, afirma o The New York Times.

E aqui ficam algumas das mais emblemáticas citações de Hawking:
Remember to look up at the stars and not down at your feet

My goal is simple. It is a complete understanding of the universe, why it is as it is and why it exists at all

Life would be tragic if it weren’t funny

We are just an advanced breed of monkeys on a minor planet of a very average star. But we can understand the Universe. That makes us something very special

Nas livrarias online é fácil encontrar obras de Hawking.

TRUMP MUDA CARGOS DE TOPO

Este tinha sido o meu primeiro pensamento para abrir a newsletter. Ontem, Trump levou a cabo uma enorme mudança de cargos de topo da sua Administração. E como as fez? Pelo twitter, obviamente.

Rex Tillerson deixa de ser Secretário de Estado (o chefe da diplomacia). Mike Pompeu, considerado um 'falcão' (linha política mais dura) vai para o seu lugar, deixando a liderança da CIA e tornando-se o primeiro a ter no currículo a liderança dos espiões e da diplomacia norte-americana.

Nesta triangulação, Gina Haspel vai substituir Pompeu na liderança da agência de espionagem, tornando-se a primeira mulher a ocupar este cargo. O seu nome está no entanto envolvido numa polémica relacionada com tortura e a existência de prisões ilegais secretas na Tailândia.

OUTRAS NOTÍCIAS

Cá dentro,
Continua a polémica à volta de Feliciano Barreiras Duarte, o novo secretário-geral do PSD. Depois de ter corrigido o seu currículo no site oficial do PSD e de saber-se que nunca foi visiting scholar, em Berkeley, ao contrário do que coloca nas suas notas biográficas, ontem foi o dia em que o Ministério Público anunciou a abertura de um inquérito para investigar a situação. E em que a Universidade Autónoma, onde Feliciano está inscrito para doutoramento, também fez saber que está a avaliar as condições do acesso do seu doutorando à universidade.

No meio disto tudo, o próprio Feliciano Barreiras Duarte fez um comunicado à imprensa em que clamou inocência. Já Rui Rio recusou comentar o assunto.

A Direção Geral de Saúde confirmou a existência de dois casos de sarampo no norte do país.
Aqui pode esclarecer todas as dúvidas sobre sintomas, riscos e prevenção do sarampo.

Este é um caso delicado e que ainda pode dar muito que escrever. A propósito das adoções da IURD, assim chamadas, uma mãe biológica denunciou recentemente ao Parlamento que a sua filha poderia estar em perigo. Esta respondeu agora, por carta, a que o Expresso teve acesso, dizendo estar tudo bem consigo e a sua vida. E que simplesmente não se quer expor.

Na véspera do final do prazo da lei para a limpeza de matas e florestas, continua o pingue-pongue. O Governo prometeu alguma flexibilização na aplicação das coimas. A GNR disse que não ia haver tolerância alguma. E agora o Governo volta a garantirque a lei será para aplicar com calma nos próximos tempos.


Carlos Alexandre foi depor na Operação Fizz. E defendeu Orlando Figueira.

Alojamento local. No Diário de ontem escrevemos sobre um estudo que apresenta dados curiosos sobre o fenómeno do alojamento local. Assim, ficamos por exemplo a saber que a maioria das habitações não estava a uso antes de ser dedicada ao AL. E que os preços do Alojamento Locais em locais como o centro de Lisboa já chegam a ultrapassar mesmo os dos hotéis.

Os créditos fiscais milionários de que o Montepio beneficiou, e que lhe permitiram apresentar lucros, estão a dar polémica e são analisados aqui pela Isabel Vicente.

Continua a dança de cadeiras na RTP. Agora, afirma o JN, é o diretor de informação que vai mudar. A escolha da administração para substituir Paulo Dentinho recaiu em... Carlos Daniel.

Paulo Jorge Ferreira, professor catedrático de engenharia eletrónica, é o novo reitor da Universidade de Aveiro.

Os treinadores portugueses José Mourinho e Paulo Fonseca viram as respetivas equipas serem eliminadas da Liga dos Campões nos oitavos de final da prova.

Lá fora,
As iniquidades salariais de género são um tema cada vez mais atual. Agora soube-se que Claire Foy, a actriz protagonista da magnífica série The Crown, que pode ser vista na Netflix, foi paga abaixo do actor que protagoniza o papel de marido da rainha.

Lula da Silva pode estar a poucos dias de ser efetivamente preso depois da condenação em tribunal de que foi alvo.

Terrível, terrível, terrível. A história do pequeno Gabriel que foi morto pela própria madrasta. Um caso que está a comover Espanha. A assassina já confessou o crime perante as autoridades judiciais.

O QUE ANDO A LER

"Gente Independente", de Hálldor Laxness, Prémio Nobel, considerado o grande romance da Islândia, escrito e passado no início do século XX. Ovelhas e mais ovelhas, planaltos, gelo e mais neve. A saga de Bjartur, um agricultor que luta pela sua independência contra a servidão. Já devorei cerca de duzentas páginas e não quero ficar por aqui.

Por hoje é tudo. Tenha boas leituras. E não se esqueça que depois da Felix vem a Gisele. Este é o nome da próxima tempestade, que já está mesmo aí a chegar.

BRASIL | Lula, Boulos, Haddad, Ciro, Manuela: ousar vencer ou o matadouro da irrelevância?


Saul Leblon | Carta Maior | editorial

É notório o empenho do jornalismo motivacional de mercado para normalizar as coisas no país pela chave-mestra da ‘retomada do crescimento’.

A economia voltou a crescer, depois de gastar as unhas no fundo do poço.

Na gelatinosa fronteira entre a manipulação e a ambiguidade, a narrativa é o grande personagem desta ‘arrancada’ rastejante.

Trombetas reservadas aos feitos épicos saúdam o PIB de 1% em 2017 .

O apelo aos decibéis, porém, denuncia a existência de ruídos dissonantes.

A evolução trimestral da economia escorregou nas paredes do poço nos últimos três meses do ano passado.

Cresceu apenas 0,1% entre outubro/dezembro, comparado ao trimestre anterior.

Em grande parte, a escorregada se explica pela anemia no consumo das famílias, que pesa 64% na formação do PIB.

Passado o efeito da benzetacil na veia –liberação de R$ 44 bilhões do FGTS-- o gasto familiar empacou em pleno trimestre natalino (0,1%)

Não sem motivos.

Estes, porém, precisam ser pinçados nos porões da narrativa épica.

 Não interessa expor a mecânica dessa ‘retomada’ em um Brasil finalmente resgatado das amarras do ‘lulovoluntarismo’ para as mãos sábias do mercado.

Fatos.

O PIB per capita brasileiro, segundo a FGV, despencou espantosos 8,7% desde o início dessa travessia, entre o cerco golpista desde 2014, passando pela desastrosa busca de indulgência dos mercados pelo governo Dilma, em 2015, com um ajuste ortodoxo-recessivo, até o desfecho oficial do golpe, em 2016, com o desmanche social e nacional aí instituído.

É a segunda maior queda do PIB per capita em 116 anos.

A informação está no jornal Valor Econômico, que cumpre a obrigação em espaços secundários reservados aos assuntos inconvenientes.

Para se ter uma ideia da gravidade do quadro, ele só foi pior na grande crise do final da ditadura, quando a renda per capita recuou 12,3%, entre 1981 e 1983.

Com agravantes, agora.

Há 47 milhões de brasileiros enredados entre o desemprego (12,7 milhões), a ocupação sem carteira assinada e sem direitos (11 milhões) e o limbo dos ‘conta-própria’ (23 milhões).

A dita retomada pouco se dispõe a fazer para mitigar a dinâmica perversa do acesso à riqueza incrustrada nesses números.

Na verdade, o novo padrão de crescimento, sob a égide do teto de gastos sociais e da desregulação do trabalho, tende a radicalizar o coeficiente de Gini, que em 2017 atingiu seu recorde de concentração em 30 anos,(0,549), equiparando-se ao do Lesoto (0,542) --cuja expectativa de vida está entre as mais baixas do mundo (42,3 anos).

Tudo isso é sabido nas redações.

E pode ser achado nas seções de economia, em rodapés que uivam.

Às vezes gemem de tristeza, mas pouco podem contra as manchetes histriônicas da grande retomada, ‘no melhor momento do país’.

Para os endinheirados, sem dúvida, um ciclo de fastígio se anuncia.

A plutocracia brasileira viu sua riqueza crescer 7,5% entre 2014 e 2016, enquanto o PIB nacional despencava 7,2% e a renda per capita encolhia,como se viu acima, quase 9%.

Em meio à borrasca, 71.500 privilegiados acumularam em 2016 rendimentos isentos e não tributáveis da ordem de  R$ 350 bilhões --mais de 40% do  total das isenções daquele ano, de R$ 844 bilhões. No caso dos super-ricos, basicamente  lucros e dividendos (*).

A informação é da Receita Federal.

Uma medida de grandeza: a FAO está lançando um apelo mundial aos chefes de Estado para obter US$ 1 bilhão (R$ 3,2 bi). Com esse valor poderá reverter a fome em 26 países e resgatar da desnutrição aguda 30 milhões de pessoas.

Mas fiquemos por aqui.

Enquanto o núcleo duro da plutocracia agasalhava R$ 844 bilhões limpinhos, legalmente isentos, 4,5 milhões de famílias mais pobres eram empurradas de volta às faixas de renda D e E nos últimos dois anos. Um contraste didático com o movimento inverso observado entre 2006 e 2012, quando 5,8 milhões de lares ascenderam ao segmento generosamente identificado como o da ‘nova classe média’.

Nada disso importa às garrafais seletivas.

A grande notícia é a volta dos investimentos, determinam manchetes e colunas em assertivas chibatadas ideológicas.

De fato, eles cresceram 2% no último trimestre de 2017.

O que não impediu a sua queda (- 1,8%) na média do ano, sendo este o quarto recuo seguido do investimento brasileiro, hoje no nível mais baixo desde o início da série histórica, em 2000.

Assim por diante.

 Tome-se a cobertura do desmonte da Petrobrás, um corolário da noiva mecânica de crescimento posta em marcha.

O preço do barril de petróleo dobrou nos últimos dois anos: subiu dos US$ 32, em janeiro de 2016 até encostar em quase US$ 70, em janeiro deste ano.

Petroleiras com grandes reservas, caso do pré-sal aqui, ganharam valor nas praças internacionais.`

Parece lógico?

Menos para Miriam Leitão, que sapecou na última quarta-feira de fevereiro (28/02) na primeira página de O Globo: ‘Petrobrás e Eletrobrás valem hoje R$ 240 bi a mais do que há dois anos: o que tem havido desde o fim do governo anterior é a redução do intervencionismo’, explica a colunista.

Na verdade, o que tem havido é uma vertiginosa pirâmide ideológica.

De uma pena projeta-se uma galinha.

Vende-se a galinha no mercado futuro.

O sujeito que compra propagandeia o potencial de demanda por canja -- ‘no melhor momento do país desde o fim do governo anterior’.

E a receita borbulha no circuito midiático para voltar ainda mais fervente às mesas do país.

Curto e grosso: é preciso antecipar a ‘retomada’ da demanda por canja para legitimar a matança promovida no galinheiro

Faz-se o diabo com os números: dar credibilidade às virtudes da razia é a mãe de todas as pautas.

Algum sal de apoio popular nas urnas de outubro depende dessa brisa de confiança e boa vontade, capaz de cooptar uma parte, por exemplo, dos cem milhões de brasileiros cuja participação na renda equivale à fortuna de cinco endinheirados.

A pirâmide, como se vê, contém flancos vulneráveis ao debate em campo aberto.

Daí a sofreguidão para calar a voz rouca capaz de unir esses flancos no palanque e deles extrair um outro projeto de futuro.

Dito em português claro: Lula, cuja simples presença diante de uma multidão catalisa a denuncia do saque social e nacional em marcha, não pode ser candidato.

É disso que se trata o cerco inclemente.

Não pode.

Mas se não pode –e sabe que não lhe será facultado esse direito-- por que insiste então?

A insistência inquieta o dinheiro como as fagulhas de fogo voando em campo seco.

Pior, ponderam colunistas vestidos de missionários da boa vontade.

Ao retardar a saída, esclarecem compassivos, Lula dificulta a renovação nas fileiras ‘dos que se preocupam com a questão social’.

Não é comovente ler isso em colunistas de O Globo?

A contradição central hoje --expressa aqui nas cores extremadas de uma concentração da riqueza no 1% da pirâmide, inédita no planeta -- é tratada assim, de forma vaporosa. na mídia isenta.

O conjunto reduz o divisor de águas do país – o destino de Lula-- a idiossincrasia de um sujeito prestes a ser banido, ou preso, mas que se recusa a nomear o herdeiro político.

Definitivamente é mais que isso.

Em primeiro lugar: a longa e renhida resistência de Lula tornou-se a principal referência nacional e internacional de contraposição a um golpe que, a rigor, não enfrentou oposição organizada à altura da violência institucional e social semeada.

A constatação não deve ser vista apenas como um elogio à bravura –inegável-- do ex-presidente, embora o seja também.

A verdade é que a aliança da mídia com a escória, o dinheiro e o judiciário soube usar com eficiência um aparato institucional nunca efetivamente democratizado, em uma década em meia de governos populares.

Nas comunicações, no judiciário, no sistema político, nos canais de expressão e participação da sociedade o que se fez em quase quinze anos de mandatos populares --com exceções consultivas, como no caso das Conferências Nacionais, foi reiterar a institucionalidade remanescente de ciclos anteriores, q desfavoráveis ao povo brasileiro.

Apostou-se o futuro nisso.

Num avanço incremental dentro da ordem adversa, como se das gôndolas dos supermercados pudesse fluir a organização política nova.

Como se ‘a ordem’ no capitalismo fosse um pastel de vento, passível de acomodar distintos recheios de poder.

A inédita natureza progressista da Carta Cidadã de 1988 – egressa de um período memorável de luta de rua contra a ditadura-- parecia oferecer o lacre de um pacto social compatível com avanços incrementais contra a desigualdade e a subserviência geopolítica.

Foi uma ilusão.

Antes de ser uma engrenagem econômica o capitalismo é um sistema de dominação.

 Não há precedente de uma elite que tenha cedido sua hegemonia legislativa, por exemplo, a bancadas populares, em pacífica convivência com sucessivos revezes eleitorais a cada quatro anos.

O ‘mensalão’ alertou para isso.

E o golpe chegou antes que esse conto de fadas institucional pudesse sair do prefácio das boas intenções.

Se, de um lado, a ausência de resistência organizada cobra uma autocrítica grave ainda não concluída pelo PT, de outro, realça a importância da liderança- símbolo dos avanços reais registrados nos últimos anos, tanto que estão sendo revertidos.

Banir Lula da cédula para vencer a eleição é o coroamento indispensável desse desmanche.

O conjunto insufla o descrédito na política, nos partidos, em suas lideranças e na capacidade ordenadora da democracia para mediar interesses contrapostos em um capitalismo virulento, que se alicerçou aqui em 388 anos de fundações escravocratas.

Antes de evidenciar, como querem os satanólogos, a existência de diabos vermelhos, a corrupção se agiganta na fragilidade desse arcabouço político que leva a impasses recorrentes, não raro a rupturas sem freios a impedir ressurgências fardadas e autoritárias.

A militarização da questão social no Rio de Janeiro é isso editado pela Globo.

O que se busca consolidar agora, no pleito de outubro, é um giro definitivo rosca da moenda, para legitimar por um longo período algo que a sociedade rejeitou por quatro eleições presidenciais sucessivas: o repto neoliberal dos anos 90, a sepultar de vez o pacto progressista de 88.

Portanto, não é de Lula que se trata.

E tratar a ‘desistência’ dele como ‘solução’ para o inércia progressista toca apenas a película da caldeira onde o melaço brasileiro ferve e borbulha.

 O que está em jogo são as provas cruciais do país no século XXI.

Queremos ser um México?

Um mercado de gente barata para o capital, o tráfico, as maquiladoras e as agencias de serviços de faxina e manutenção? Vidas ordinárias ou uma nação industrializada, soberana, assentada em direitos universais e que comanda o seu próprio destino?

Um Brasil socialmente convergente, que ouse induzir o investimento, a produtividade e o excedente para democratizar o bem comum, ou a radicalização da desigualdade que hoje condena 13 estados da federação a uma renda média inferior ao salário mínimo?

Não é retórica dizer que se joga o futuro longo no prazo curto dos próximos oito meses.

O desfecho de outubro terá consequências tão ou mais graves que aquelas impostas ao metabolismo nacional pela violência da ditadura de 1964.

A ela devemos – entre outros legados-- a eficiência de um dos mais lucrativos agronegócios do mundo, por exemplo.

Mas também a sua contrapartida dantesca: o êxodo bíblico de quase 30 milhões de pobres e miseráveis expulsos do campo para semear periferias conflagradas em cidades sem cidadania.

Engana-se quem diz – já passou.

A cicatriz nunca se fechou.

Desdobrou-se em sucessivas cepas de iniquidade.

Ilustra-o o deslocamento cada vez mais frequente de tropas de guerra pelo país –a Força Nacional-- para acudir metrópoles onde a violência escapou ao controle.

O capitalismo funciona assim, retruca-se.

Na versão atual, sob a supremacia dos mercados financeiros desregulados, funcionará cada vez mais assim.

Desenvolvimento, porém, não se mede apenas pela eficiência em gerar excedentes.

Sua dimensão mais delicada consiste em construir os pactos que proporcionarão estabilidade e legitimidade aos grandes ciclos de investimento.

Para isso a democracia precisa escrutinar a clássica bateria de perguntas que o jornalismo da ‘retomada’ prefere calar –‘investimento para quê, para quem, como e quanto?’

Delegar as respostas à lógica de mercado, abotoada aos seus impulsos cegos e individualistas, como se advoga agora é semear catástrofes para muitos, fastígio para poucos.

É disso que se trata, assinale-se de novo, o destino de Lula.

Tirá-lo de cena, substituí-lo simplesmente por alternativas que não carregam na pele a resistência ao saque que ele historicamente simboliza --e que não se corporificou, infelizmente, em uma estrutura organizada -- corresponde ao que o golpe mais deseja.

Ou seja, sancionar a rendição à lógica do ‘negociado sobre o legislado’ em todas as dimensões e rincões da vida nacional: indivíduos acuados contra o capital organizado.

É a partir dessa moldura que deveria ser avaliado o pacote de dúvidas, hesitações e anseios que ameaçam estilhaçar o campo progressista e leva-lo à derrota em outubro, sendo a ‘desistência’ de Lula –ao contrário do que se enuncia—uma alavanca dessa espiral descendente.

A discussão talvez ganhasse maior aderência à urgência da hora se reformulasse a premissa.

Se for impedido como candidato –e ainda que venha a ser preso pelo golpe-- que lugar Lula deveria ocupar na luta política hoje e amanhã --de viva voz ou por cartas e mensagens-- de modo a se capitalizar o teor de ruptura que seu prestígio mobilizará, a credibilidade fortalecida que sua história pulsará e o poder de negociação que sua representatividade, experiência e sacrifício condensarão?

Não se trata de adorna-lo de um manto honorífico.

Lula já tem lugar na história.

Trata-se, ao contrário, de revesti-lo de um mandato de desafios à altura de suas possibilidades, que são incomparáveis a de qualquer outra liderança brasileira.

 Se não for Lula, quem poderá articular a agenda comum capaz de estreitar e harmonizar o diálogo e o programa do conjunto das candidaturas progressistas, e para além delas, com outros setores da sociedade, fortalecendo-as e evitando o estilhaçamento que antecede a irrelevância?

Preso ou solto, candidato ou cabo eleitoral, só Lula pode fazer isso e deveria inicia-lo ontem –antes que fique escuro demais.

Sobretudo, deveria galvanizar a organização popular capaz de defender um governo vitorioso fruto desse mutirão.

Se a pedra angular do êxito golpista foi, e é, a ausência de uma resposta popular organizada, contundente e crível de repactuação do desenvolvimento, o destino de Lula e seu cacife histórico devem estar a serviço desse salto.

Se proteger uma nação dos humores cíclicos do capitalismo é a obrigação número um de um Estado sob um governo progressista, o destino de Lula e seu trânsito devem estar a serviço da construção de um pacto crível que preencha esse requisito.

Repita-se, de viva voz ou através de cartas e mensageiros.

Se a capacidade de nuclear gigantescas massas de recursos inerentes aos grandes projetos de infraestrutura é função do Estado; se o controle de capitais para mitigar o assédio especulativo às nações tornou-se crucial; se uma reforma fiscal tornou-se a opção à iniquidade dos ‘tetos’ e ao desastre da estagnação; se o investimento em produtividade e pesquisa tornou-se um requisito de sobrevivência no mercado global; se revitalizar a planta industrial brasileira –que apesar de tudo ainda figura como a 9ª mais importante agregadora de valor manufaturado do planeta, à frente da Rússia e da Inglaterra— é a chave para se resgatar o pacto social de 88 com excedentes condizentes à universalização do bem comum, a tudo isso deveria contribuir o trânsito, a liderança, o poder de negociação e o carisma que Lula condensa.

Num mundo em que a volatilidade capitalista voltou a ser senhora, mais que nunca é urgente criar contrapartidas de poder democrático à altura da desordem semeada pelos mercados.

A sociedade brasileira terá ela mesma que redesenhar seu investimento, sua industrialização, as bases da produtividade e o futuro do emprego em meio à automação poupadora de mão de obra, impulsionada pelo salto tecnológico da inteligência artificial e dos robôs. E, por fim, mas não por último: preparar as salvaguardas de um futuro sustentável em oposição ao caos ambiental.

A alternativa à repactuação do desenvolvimento brasileiro é o arrocho.

A opção a revestir Lula de um mandato consensual para articular isso é a fragmentação historicamente atada à derrota progressista.

Isso tudo é impossível? As candidaturas já estão picadas pela mosca azul do cada um por si, meu pirão primeiro?

Quando o extraordinário acontece na vida de uma nação, as ferramentas da rotina não servem mais.

Em agosto de 2014, Carta Maior defendia que Lula deveria ser apontado desde logo como o futuro chefe da Casa Civil em uma provável segundo mandato da Presidenta Dilma (https://jornalggn.com.br/noticia/saul-leblon-ousar-e-vencer-ou-entregar-o-brasil-aos-mercados-passivamente) E sugeria que passasse a se movimentar imediatamente, já no período eleitoral, para desarmar o que se esboçava no horizonte.

A hesitação em enxergar o cerco que se fechava adiou essa decisão até março de 2016, quando a sua nomeação, finalmente anunciada, foi abortada por um vazamento telefônico ilegal autorizado por Sergio Moro, seguido da interdição da posse pelo STF.

Era a senha para a aceleração do golpe.

As lideranças progressistas não podem repetir a crônica da eutanásia anunciada. O comportamento de manada que se critica nos capitais especulativos não pode pautar o cada um por si que as desobriga de estarem conjuntamente à altura da hora grave vivida pela sociedade brasileira.

Lula já funciona de fato como líder político; deveria ser oficializado urgentemente, nessa condição, como coordenador e mediador da frente de candidaturas progressistas.

Dele, de Boulos, Haddad, Ciro e Manuela o que se espera é que surpreendam a nação, empolguem as ruas, deixem estupefatas as forças conservadoras, alçando-se juntos às tarefas cobradas pela hora.

Se não forem capazes disso, como convencer o eleitor a enxergar nas forças progressistas uma alternativa crível ao golpe e a sua ‘retomada’, calcada na radicalização da desigualdade e na alienação nacional?

 As dificuldades nesse caminho só são menores que a certeza nas consequências trágicas do seu fracasso.

Não se pode brigar com o óbvio: a dispersão progressista e o descompromisso retórico darão a vitória ao golpe em outubro de 2018.

Ousar vencer ou o matadouro da irrelevância?

As forças progressistas brasileiras cederão à inércia?

Ou surpreenderão o mundo desta vez?

Como surpreenderam os socialistas, sociais-democratas, comunistas e organizações revolucionárias em Portugal, com o sucesso que agora empolga a juventude e assombra a direita europeia?

O tempo urge.

As respostas tardam.

A ver.
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(*) Texto retificado em 06/03 às 10:46 nas informações relativas ao valor das isenções obtidas pelo seghmento de 71 mil brasileiros com renda superior a 160 salários/mês

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