Manuel Carvalho da Silva* |
Jornal de Notícias | opinião
No quadro de regras europeias que
são "estúpidas" e que o Governo português diz querer mudar - diga-se,
sem grande empenho no objetivo e acima de tudo sem que o consiga fazer -, está
provado ser impossível fazer uma governação que ao mesmo tempo comprima o
défice, reponha rendimento disponível para a esmagadora maioria dos portugueses
que dele carecem, e reforce o investimento público.
E, daqui para a frente, num
cenário em que se perspetiva menor crescimento e em que a ganância do grande
poder financeiro e económico é crescente, pior ainda. Este facto retira
consistência ao discurso do Governo e é justo e necessário colocar em evidência
aquela impossibilidade.
Entretanto, quando analisamos os
discursos da Direita, por exemplo no debate da moção de censura ao Governo
apresentada pelo CDS, constatamos que as suas propostas são ainda bem mais
inconsistentes. PSD e CDS pretendem que, ao mesmo tempo, se comprima ainda mais
o défice para pagar a dívida, se reduzam os impostos e se aumente o
investimento público. Como é que tal objetivo poderia ser atingido? A Direita
não revela mas advinha-se o que faria para conseguir tal "milagre".
Se os salários dos trabalhadores
da Administração Pública não fossem aumentados mas de novo reduzidos e as suas
carreiras congeladas por cem anos, se as pensões de reforma fossem cortadas, o
sistema da segurança social enfraquecido e em parte desbaratado (como queria
Passos Coelho), se fossem aplicados cortes drásticos nos direitos universais à
saúde, ao ensino ou à justiça, naturalmente a Direita conseguiria alguma folga
para tentar aplicar a sua receita. Os efeitos já os conhecemos e são dolorosos:
empobrecimento, maiores desigualdades, expulsão de população, em particular
jovens, destruição de empresas, incapacitação do Estado, afundamento do nível
de desenvolvimento do país.
A inconsistência das posições do
PSD e em particular do CDS revelam-se quando acusam o Governo de ter criado
expectativas incomportáveis e, ao mesmo tempo, apoiam e incentivam as
reivindicações de vários setores da sociedade. Reivindicações essas que, eles
mesmos, identificam como a expressão daquilo que "o Governo prometeu de
forma ligeira sabendo que não podia cumprir".
Se o apoio da Direita a esses
setores profissionais e ao conjunto dos trabalhadores fosse verdadeiro, então
estávamos perante a expressão absoluta da inconsistência: um programa propondo
ir além da Comissão Europeia na compressão do défice, aumentar os rendimentos
de todos os trabalhadores da Administração Pública, reduzir impostos e, ainda,
aumentar o investimento público. Não bate a bota com a perdigota. Este programa
seria, em absoluto, inviável. No entanto, é repetido como se as pessoas não
fossem suficientemente inteligentes para perceberem que tanta inconsistência
cheira a esturro.
As iniciativas políticas do PSD e
do CDS não passam de estrebuchamentos no atoleiro de contradições insanáveis.
No contexto político que se perspetiva, estes partidos não têm qualquer
proposta nova e positiva. A moção de censura do CDS, para além de ser um gesto
de desespero tendo como vítima o PSD, mostra duas outras coisas: os dirigentes
daquele partido consideram-se ungidos para a governação e para terem sempre as
mãos nos potes do poder, e que Assunção Cristas é um caso de liderança que
confirma o princípio de Peter.
No encerramento do debate daquela
moção, o primeiro-ministro assumiu, em resposta às intervenções do BE e do PCP
que haviam exposto contradições e insuficiências da governação, "sim,
podemos ir mais longe e devemos continuar a trabalhar para ir mais longe".
Há políticas bem positivas a adotar que não implicam problemas financeiros:
tornar a distribuição da riqueza mais justa, dar mais eficácia ao investimento,
equilibrar poderes nas relações de trabalho, negociar compromissos progressivos
com setores que têm fortes razões de protesto, defender capacidades do Estado
para nos garantirem acesso ao direito à saúde e a outros direitos fundamentais.
Precisamos de aromas mais
agradáveis e saudáveis e isso, no imediato, exige de António Costa e do seu
governo, mais solidez e atenção aos problemas, e responsabilidade perante o
futuro.
*Investigador e professor
universitário
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