sábado, 13 de abril de 2019

Wikileaks | O que mudou para o Equador entregar Assange às autoridades britânicas


Julian Assange esgotou a paciência de quem o albergou, mas há mais neste caso do que as razões invocadas na quinta-feira pelo Equador.

"A paciência do Equador chegou ao limite". A frase, do presidente do país que durante sete anos acolheu Julian Assange, ilustra o desgaste entre ambas as partes. Ano e meio de tensões que vão além das razões quotidianas alegadas, a parte visível de uma divergência com contornos de geopolítica.

O presidente do Equador, Lenin Moreno, aduziu uma série de razões objetivas para justificar a retirada do estatuto de asilo político a Assange, que permitiu a detenção do fundador da WikiLeaks, em Londres. As primeiras a lembrar o passado de "hacker" do australiano, de 47 anos. "Instalou equipamentos eletrónicos de distorção não permitidos e bloqueou câmaras de segurança da missão diplomática" equatoriana em Londres.



"Agrediu e maltratou os guardas da embaixada e acedeu, sem autorização, aos arquivos de segurança. Possui um telefone móvel com o qual comunica com o exterior", acrescentou Moreno, em conferência de imprensa. "Por último, ameaçou há dois dias o Governo do Equador". Esta é, certamente, a razão mais forte para a rutura, que esconde motivos que a razão mal conhece.

"Não respeitou nenhuma das suas obrigações e isso obrigou o Equador a pôr em vigor, em outubro passado, um protocolo especial sobre a coabitação numa embaixada (...), ele continuou a infringir esse protocolo", aduziu o embaixador do Equador em Londres, Jaime Marchán, em referência às regras impostas desde outubro de 2018, que Assange criticava.

A nacionalidade equatoriana, que lhe tinha sido atribuída em 2017, foi-lhe igualmente retirada. Para o ex-Presidente equatoriano Rafael Correa, a detenção foi "uma vingança pessoal do Presidente, Lenin Moreno, porque a WikiLeaks divulgou há alguns dias um caso muito grave de corrupção" que o envolve.

Foi o anterior presidente do Equador, Rafael Correa, de Esquerda, que concedeu asilo a Assange, em 2012. Lenin Moreno, que era número dois de Correa, é agora o líder equatoriano e principal rival do anterior chefe de Estado e tem uma posição política mais ao centro.

Assange é uma peça derrubada no xadrez da geopolítica mundial?

Moreno rompeu com boa parte do projeto político de Correa pouco depois de ganhar as eleições, em maio de 2017. Restabeleceu as relações com os EUA e organismos como Fundo Monetário Internacional (FMI), que acaba de conceder ao país um empréstimo de cerca de quatro mil milhões de euros, e afastou-se do regime de Nicolás Maduro.

Há poucas semanas, Moreno recebeu Juan Guaidó, e reconheceu-o como presidente interino da Venezuela. Uma soma de decisões que, segundo os defensores do atual líder equatoriano, multiplicaram os inimigos do ex-delfim de Correa e transformaram a disputa entre ambos numa questão de geopolítica mundial. Assange, aparentemente, foi uma peça derrubada neste xadrez.

Em confronto com Moreno, o ex-presidente do Equador tem mais de 20 investigações judiciais "à perna", reside em Bruxelas e recusa voltar ao país que governou, por se considerar vítima de perseguição.

"A WikiLeaks incluiu nas suas publicações estes argumentos, estas alegações de Correa, de um suposto escândalo do presidente. Estas ligações direcionavam para uma página onde se encontram publicada fotos pessoais da vida quotidiana do presidente e da família. Não são prova de nada, não são documentos oficiais", explicou a ministra do Interior à AFP.

"Neste momento, o Governo equatoriano e o presidente são alvos de uma grande campanha, uma campanha de ataque à reputação que também está a ser orquestrada pela WikiLeaks", disse a ministra do Interior equatoriano, em referência a uma caso conhecido como "Ina Papers", que liga Moreno a uma conta no Panamá.

Trata-se, disse à AFP o antigo chefe de Estado do Equador, da revelação pelo "site" WikiLeaks da existência de "uma conta secreta no Panamá, no Balboa Bank", em nome da família Moreno, e que o Executivo atual considera "uma infâmia".

Augusto Correia | Jornal de Notícias | Foto Epa/Peter Rae

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