Julian Assange esgotou a
paciência de quem o albergou, mas há mais neste caso do que as razões invocadas
na quinta-feira pelo Equador.
"A paciência do Equador
chegou ao limite". A frase, do presidente do país que durante sete anos
acolheu Julian Assange, ilustra o desgaste entre ambas as partes. Ano e meio de
tensões que vão além das razões quotidianas alegadas, a parte visível de uma
divergência com contornos de geopolítica.
O presidente do Equador, Lenin
Moreno, aduziu uma série de razões objetivas para justificar a retirada do
estatuto de asilo político a Assange, que permitiu a detenção do fundador da
WikiLeaks, em Londres. As
primeiras a lembrar o passado de "hacker" do australiano, de 47 anos. "Instalou
equipamentos eletrónicos de distorção não permitidos e bloqueou câmaras de
segurança da missão diplomática" equatoriana em Londres.
"Agrediu e maltratou os
guardas da embaixada e acedeu, sem autorização, aos arquivos de segurança.
Possui um telefone móvel com o qual comunica com o exterior", acrescentou
Moreno, em conferência de imprensa. "Por último, ameaçou há dois dias
o Governo do Equador". Esta é, certamente, a razão mais forte para a
rutura, que esconde motivos que a razão mal conhece.
"Não respeitou nenhuma das
suas obrigações e isso obrigou o Equador a pôr em vigor, em outubro passado, um
protocolo especial sobre a coabitação numa embaixada (...), ele continuou a
infringir esse protocolo", aduziu o embaixador do Equador em Londres,
Jaime Marchán, em referência às regras impostas desde outubro de 2018, que
Assange criticava.
A nacionalidade equatoriana, que
lhe tinha sido atribuída em 2017, foi-lhe igualmente retirada. Para o
ex-Presidente equatoriano Rafael Correa, a detenção foi "uma vingança
pessoal do Presidente, Lenin Moreno, porque a WikiLeaks divulgou há alguns dias
um caso muito grave de corrupção" que o envolve.
Foi o anterior presidente do
Equador, Rafael Correa, de Esquerda, que concedeu asilo a Assange, em 2012.
Lenin Moreno, que era número dois de Correa, é agora o líder equatoriano e
principal rival do anterior chefe de Estado e tem uma posição política mais ao
centro.
Assange é uma peça derrubada no
xadrez da geopolítica mundial?
Moreno rompeu com boa parte do
projeto político de Correa pouco depois de ganhar as eleições, em maio de 2017.
Restabeleceu as relações com os EUA e organismos como Fundo
Monetário Internacional (FMI), que acaba de conceder ao país um empréstimo
de cerca de quatro mil milhões de euros, e afastou-se do regime de Nicolás
Maduro.
Há poucas semanas, Moreno recebeu
Juan Guaidó, e reconheceu-o como presidente interino da Venezuela. Uma soma de
decisões que, segundo os defensores do atual líder equatoriano, multiplicaram
os inimigos do ex-delfim de Correa e transformaram a disputa entre ambos numa
questão de geopolítica mundial. Assange, aparentemente, foi uma peça
derrubada neste xadrez.
Em confronto com Moreno, o
ex-presidente do Equador tem mais de 20 investigações judiciais "à
perna", reside em Bruxelas e recusa voltar ao país que governou, por
se considerar vítima de perseguição.
"A WikiLeaks incluiu nas
suas publicações estes argumentos, estas alegações de Correa, de um suposto
escândalo do presidente. Estas ligações direcionavam para uma página onde se
encontram publicada fotos pessoais da vida quotidiana do presidente e da
família. Não são prova de nada, não são documentos oficiais", explicou a
ministra do Interior à AFP.
"Neste momento, o Governo
equatoriano e o presidente são alvos de uma grande campanha, uma campanha de
ataque à reputação que também está a ser orquestrada pela WikiLeaks",
disse a ministra do Interior equatoriano, em referência a uma caso conhecido
como "Ina Papers", que liga Moreno a uma conta no Panamá.
Trata-se, disse à AFP o antigo
chefe de Estado do Equador, da revelação pelo "site" WikiLeaks da
existência de "uma conta secreta no Panamá, no Balboa Bank", em nome
da família Moreno, e que o Executivo atual considera "uma infâmia".
Augusto Correia | Jornal de Notícias | Foto Epa/Peter
Rae
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