sexta-feira, 21 de junho de 2019

O LABORATÓRIO AFRICOM – X

Martinho Júnior, Luanda 

Ainda em 2002 estava no ovo do “IASPS”, “Institute for Advanced Strategic and Political Studies”, ligado à projecção “PNAC”, “Project for the New American Century”, o embrião “AOPIG” (“Africa Oil Policy Innitiative Group”) a partir do qual nasceria cinco anos mais tarde o Comando África do Pentágono (AFRICOM), já a quietude de São Tomé começava a ser sacudida pelas geoestratégicas de George W. Bush em relação ao Golfo da Guiné, até por que ele próprio, em nome do seu clã, estava interessado em investir nesse espaço pelo que, claro está, começou a acenar a “cenoura inaugural”…

Nessa época eu escrevia para o Semanário “Actual” e é a lembrança de três intervenções minhas sucessivas que vou trazer para aqui, marcando o seguimento desta minha trilha que dá pelo nome de “LABORAÓRIO AFRICOM”…

Ao trazer essa primeira intervenção sob o título de “USS São Tomé” (United States Ship…), recordo quão “atlantista” eram já o ovo, o embrião e a criança do laboratório.

Muito recentemente e a atestá-lo, os republicanos accionaram “lobbies” para que a sede do AFRICOM fosse colocado nos Açores, “para compensar o arquipélago dos benefícios perdidos com a saída de grande parte dos efectivos norte-americanos da base das Lajes”.



Lembro, passando o artigo na íntegra…

“A bill was introduced in the House of Representatives, by Portuguese American Rep. Devin Nunes (R-CA), proposing to relocate AFRICOM’s headquarters from Stuttgart, Germany, to the continental United States, with the provision that Lajes Air Field, on Terceira, Azores, be made into AFRICOM’s forward operating base.

The bill also proposes that throughout the transfer process, and until 2018, Lajes Field continue operating 24 hours a day, at or above its 2012 levels of readiness.

In a hearing in the House of Representatives, before the House Armed Services Committee, Rep. Devin Nunes has stated:

In conjunction with the transfer, the Lajes Field air base should be designated as AFRICOM’s forward operating base. Located on Portugal’s Azores island chain in mid-Atlantic, Lajes would be an exceptional staging ground for troop movements and training. Crucially, terrorist hot-spots in western Africa can all be reached from Lajes in less than five hours with few if any over-flight concerns, and ten of the eighteen African counties that hold State Department Travel Warnings can be reached within six hours.

In a prepared statement, the President of the Government of the Azores, Vasco Cordeiro, said today that Rep. Devin Nunes’s legislative proposal is the recognition of the geostrategic importance of Lajes Air Field to the to the United States.

This proposal, currently before the House of Representatives, regardless of its terminology, is the undeniable proof of the recognition of the geostrategic value of the Azores and, specifically, of the important position of Lajes Air Base  to the United States, he said.

Designated as the Africa Counter Terrorism Initiative Act, the bill requires the Secretary of Defense to develop a plan for the transfer and also provide for the relocation of the Special-Purpose Marine Air-Ground Task Force Crisis Response (SP-MAGTF CR) from Moron Air Base, Spain, to Lajes Field.

According to Devin Nunes, the transfer of AFRICOM to continental United States will save $60 million to $70 million annually, will create 4,300 jobs and infuse $350 to $450 million into the local economy.

It is in the national interest of the United States to save tens of thousands of dollars annually and to bring thousands of jobs to the United States by moving AFRICOM headquarters from Stuttgart to the continental Unites States, and create a dedicated forward operating base at Lajes that insures the strategic reach for AFRICOM’s operations, he said.

In 2012, citing budgetary constraints, the US Administration had announced it was planning to downsize its military operations and personnel in the Lajes Air Field. The reduction would have saved an estimated $35 million annually.

Last December, the United States Senate had voted on a provisional measure, with a specific reference to reviewing the status of Lajes Air Field. The provisional measure recommended keeping the US military facility on Terceira island at full capacity until further notice. It also recognized the importance of the Lajes Air Field in the context of the ongoing reevaluation process of restructuring the US military presence in Europe.

Currently, Lajes Air Field, the second largest employer on Terceira island, provides refueling and other support to US military and NATO aircraft transiting over the Atlantic Ocean.

Currently, Rep. Devin Nunes represents California’s 22nd congressional district, which is located in the San Joaquin Valley and includes portions of Tulare and Fresno Counties.

AFRICOM is the result of an internal reorganization of the U.S. military command structure, creating one administrative headquarters that is responsible to the Secretary of Defense for US military relations with 53 African countries.”

A persistência “atlantista” (que passa também pelas atenções especiais que merecem do Pentágono e da NATO por exemplo Cabo Verde, a Guiné Equatorial e a ilha de Ascensão, por motivos distintos), justifica-se até em função dos custos, para os instrumentos da aristocracia financeira mundial, pois quantas vezes os meios a utilizar (no quadro do Exército, da Marinha e da Aviação) prestam serviço simultaneamente à NATO e ao AFRICOM, como acontece com a VIª Frota baseada na Itália…

… E a instalação do AFRICOM acabou por não ser feita até hoje em São Tomé, por que o Pentágono não se decidiu a investimentos colossais que seriam precisos para a construção dum porto de águas profundas e duma base aérea…

Ironicamente é agora a China que vai construir esse porto, mas sem AFRICOM!


“USS” SÃO TOMÉ!

“Senhor Hayes, Distintos membros do Corporate Council for Africa, Senhoras e Senhores.

É com subida honra que hoje estou aqui convosco, o que tenho antes de mais  a agradecer ao Senhor Hayes, ao seu staff, à Exxon – Mobil, à Phillips Petroleum e à Anadarko Petroleum, por ter organizado este almoço, que me dá a oportunidade de me pronunciar um pouco sobre o meu País, São Tomé .

Durante muitos anos o meu País devotou-se quase exclusivamente ao plantio do cacau e eu posso garantir-vos que nessa altura não teria sido provavelmente possível organizar um encontro tão valioso, deste género.

Como sabem , fui eleito Presidente de São Tomé e Príncipe em Setembro último, esta é a minha primeira visita aos Estados Unidos como Presidente e uma das coisas que já aprendi, no curto tempo em que desempenho esse cargo, é que o petróleo abre muito mais portas que o chocolate”.

Foi com um humor refinado e subtil que o Presidente Fradique de Menezes, a 14 de Maio de 2002 , se dirigiu ao prestigioso CCA, inaugurando um período de relações privilegiadas entre SãoTomé e os Estados Unidos e beneficiando do novo quadro geo estratégico e político do AOPIG (African Oil Policy Initiative Group) em relação ao Golfo da Guiné.

Em nome de seu Povo, o Presidente de São Tomé evidenciava quão importante se tornava virar uma página da história do arquipélago, passando a um novo ciclo de vida política, económica, social e psicológica, que nunca antes aquele ignoto paraíso terrestre teve oportunidade de conhecer.

As expectativas eram (e continuam a ser) em muitos sentidos optimistas, mas também de certo modo imprevisíveis e subsistem bastas razões para tal:

- Após o terrível atentado de 11 de Setembro de 2001 em Nova York, que destruiu um dos símbolos mais exuberantes da América, os Estados Unidos iniciavam uma nova estratégia correspondendo aos interesses dos poderosos “lobbies” judeus, em relação às explorações de petróleo, substituindo a conturbada zona do Médio Oriente, região onde Bin Laden e a “Al Quaeda” tinham a sua principal guarida cultural, política e religiosa, por investimentos noutras regiões do mundo, entre elas o Golfo da Guiné, o que tornava estimulante o facto de São Tomé possuir tão promissores lençóis no seu fabuloso “offshore” à ilharga do seu território insular, assim como tão importantes possibilidades geo estratégicas.

- Sem melhores soluções económicas ao longo de vários séculos a não ser o cultivo comercial do cacau que havia produzido terríveis consequências sobre as sociedades africanas fornecedoras de mão-de-obra e na própria sociedade do país, com modelos de vida típicos de escravatura e de contrato, (salvo nos anos imediatamente antes da independência e por fim após a Independência), o povo de São Tomé, com toda a legitimidade que lhe assiste passou a aguardar com impaciência a abertura dessas novas possibilidades e o início duma era sem precedentes na sua história, na miragem de melhores níveis de vida e prosperidade.

Decorrido um ano após o seu mandato, numa grande festa que assinalou a sua chegada à Presidência da República realizada na Praça da Independência na Capital do País, o Presidente Fradique de Menezes tinha contudo com que se lamentar.

Ele disse ao seu povo que “já descobriu a diferença que existe entre a gestão de uma empresa e um Estado. Numa empresa como a que geria antes de ser Chefe de Estado, movimentava o dinheiro sem problemas, mas num Estado as regras burocráticas são difíceis de ultrapassar”. 

De facto o país tem para investir, por exemplo nos sectores sociais e noutras áreas onde as carências da população são grandes, 5 milhões de USD. O dinheiro foi disponibilizado pela Nigéria como um avanço no quadro do processo de exploração do petróleo, mas o governo são-tomense não pode nesta altura injectar o montante nos projectos de desenvolvimento, tudo porque o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional exigem o respeito escrupuloso do orçamento de contenção de despesas, recentemente aprovado pelo Parlamento.

É pois apenas com o que está agendado no orçamento do Estado que o país deve contar até o fecho deste ano.

As recomendações do FMI e do Banco Mundial, seguindo figurinos estimulados pela aristocracia financeira mundial e pelos Estados Unidos não podem ser desrespeitadas, (caso contrário o país perde o perdão da dívida externa e terá mais dificuldades em progredir) aliás, segundo técnicos em economia, a injecção do dinheiro disponibilizado pela Nigéria no sistema financeiro à margem do Orçamento Geral do Estado poderá forçar o disparo da inflação que para este ano, segundo as mesmas recomendações, não pode ultrapassar os 9%.

O Presidente Fradique de Menezes tem assim o dinheiro que pediu ao seu homólogo Olusengun Obasanjo entre as mãos, mas para sua frustração neste ano não poderá tocar sequer num tostão, o que o obriga a continuar ancorado a uma época em que gerir São Tomé, ainda só pode ser feito com base em orçamentos característicos do magro tempo do chocolate, quando são tão fantásticas as promessas em relação ao futuro.

Habituado aos lucros, mas também aos revezes nos seus negócios, (o Presidente Fradique de Menezes é um conhecido comerciante de seu país), ele porém não desistiu de continuar na senda de urgentes e melhores soluções.

O AOPIG para além da mudança de importantes investimentos no petróleo do Médio Oriente (particularmente do Golfo Pérsico) para o Golfo da Guiné prevê:

1 ) A redução ou mesmo o perdão da dívida externa devido à implicação da atracção de importantes financiamentos privados previstos na exploração do petróleo, na sequência de um clima propício que existe já nesse sentido.

2 ) A implantação dum Comando Naval Americano em São Tomé, confirmando o interesse estratégico do Golfo da Guiné e a importância da segurança dos investimentos americanos, tendo em conta a importância que o petróleo tem para a economia dos Estados Unidos.

3 ) A aplicação da redução das medidas tarifárias conformes ao AGOA (The African Growth and Oppourtinty Act) em relação a produtos produzidos no continente africano , estimulando as oportunidades para a sua colocação no mercado americano.

A miragem da nova era no quadro da Nova Ordem Global levou agora o Presidente Fradique de Menezes, numa segunda viagem aos Estados Unidos onde assinou acordos para integrar o seu país na estratégia AOPIG para o Golfo da Guiné, ao abrigo dos reflexos da globalização e da viragem da situação global após o 11 de Setembro, aproveitando a hegemonia americana num alinhamento sem precedentes.

São Tomé, para além da garantir a exploração do petróleo na plataforma continental onde possui uma posição central, dará guarida:

- A novas possibilidades de comércio tirando proveito da equidistância que o seu território se encontra em relação a todos os países da região desde Angola, a sul, até ao Gana, a norte.

- À criação nesse sentido de um porto em águas profundas capaz de servir para o desembarque e embarque de mercadorias que darão suporte às operações numa vasta região marítima e costeira (uma aspiração antiga que nunca antes teve possibilidades de ser realizada).

- À implantação dum cada vez mais importante nó de comunicações no Golfo da  Guiné, dando continuidade aos programas que já existem.

- À implantação duma base naval americana de forma a garantir segurança no Golfo da Guiné, tornando o país num autêntico porta aviões e retaguarda duma esquadra de superfície que estará implicada na segurança dos investimentos em toda a região.

O paraíso terrestre virgem, ignoto e impoluto, está à beira de entrar para a era da globalização, onde começa a conhecer as novas regras do jogo:

- Abrir as portas ao neoliberalismo e à hegemonia americana.

- Arriscar-se a sofrer os efeitos da poluição ambiental (e humana).

- Sujeitar-se às imposições típicas dum papel que é essencialmente criado por uma abissal e insolúvel dependência, com todas as tensões e desigualdades que isso comporta.

A partir do momento que o Presidente Fradique de Menezes assinou os termos dos novos compromissos serão de certeza abertos os cordões financeiros na direcção de São Tomé e escalonados os procedimentos e acções.

Dentro dum ano ele terá possivelmente muito menos que se queixar e o engodo da nova miragem erguerá uma babel crítica numa parte do Atlântico até hoje pouco frequentada e quase esquecida, em tributo às novas opções.

SÃO TOMÉ deixará de ser um paraíso perdido, tornar-se-á num centro cada vez mais cosmopolita, sublimado na integração que lhe está destinada, mas ficará sem dúvida, indelevelmente marcada na alma do seu povo, uma era de dependência mais do que interdependência que se avizinha, por muitos e longos anos.

11-09-2002 14:10

Martinho Júnior - Luanda, 10 de Novembro de 2015


Imagens: 
- Dois mapas referentes ao petróleo na Zona Económica Exclusiva de São Tomé; 
- Bandeiras do “portuguese american journal”…

A consultar:

Nota:
Não tendo sido publicado, por meu lapso, integrando a série em 2015, publico o “X” da série, com os links das intervenções anteriores e a seguir:

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