quarta-feira, 19 de junho de 2019

Portugal | Constâncio, o dentro da lei


Pedro Ivo Carvalho | Jornal de Notícias | opinião

Vítor Constâncio rejeita ser o culpado. Mas a sua insistência em transformar-se na vítima é difícil de engolir. Compreende-se que o ex-governador do Banco de Portugal não se recorde, com um grau de detalhe que seria patriótico, de todos os episódios daquele verão quente de 2007, em que uma elite montada a cavalo no bem público (não é sempre assim?) gizou um plano para tomar de assalto um banco privado (BCP) na garoupa de um banco do Estado (CGD).

Porém, a estratégia por ele seguida nas duas idas à Comissão Parlamentar de Inquérito à Caixa foi apenas um exercício esforçado, mas não conseguido, de fuga para a frente. E, sobretudo, foi muito pouco esclarecedora sobre o essencial. Afinal, para que serve um regulador que não é capaz de regular uma transação duvidosa que, soubemos depois, significou uma perda de dois mil milhões de euros para os contribuintes?


Constâncio explicou: não podia ter tido acesso prévio à operação de empréstimo de 350 milhões de euros da Caixa a Berardo para adquirir uma posição qualificada no BCP; e, uma vez em marcha, também não podia ter travado o negócio (embora aqui haja interpretações díspares sobre a real capacidade em fazê-lo). Em síntese: agiu como agiu porque quis respeitar escrupulosamente a lei.

Saúda-se o compromisso de seguir as normas. A um regulador não se pede que usurpe as funções legais, mas exige-se que, no âmbito das mesmas, não afaste todos os mecanismos (incluindo o da influência política e mediática, a que Constâncio tanto tem recorrido nos últimos dias para se defender), no sentido de impedir aventureirismos que, no final, resultem não apenas em danos irreversíveis para o mercado, mas sobretudo em faturas avultadas pagas por nós.

Na história trágica da Caixa já sabíamos quem eram os fora da lei. Agora, descobrimos que o único homem que tinha verdadeiramente o poder para evitar um negócio ruinoso só não o fez porque era um dentro da lei.

Diretor-adjunto

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