Há dias, no hall do Hotel
Presidente, quase que voltei ao meu bom estado hilariante de humor. Conversas
em vozes altas, uns confessando que “Oh! pá, o João Lourenço, quem diria, tem
colocado o país no lugar certo”.
Também pude observar outros com
gestos, não tão eufóricos, confessando que o “jogo está duro, está de rachar”.
Tossiam com o fio de fumo dos cigarros saindo entre os dentes amarelados pela
nicotina de muitos maços por dia: “já não podemos agir como se o país fosse o
mesmo”, avisavam aos incautos que os ouviam do outro lado do telemóvel; alguns,
com a ponta do sapato do pé direito,martelavam o chão em ritmo das palavras de
desilusão. É uma verdadeira azáfama que, cá para os meus botões, me levou a
pensar, “se nos distraímos, se não tivermos esse jogo de mesas redondas, vamos
ficar pelo caminho do que fora o sonho em também sermos donos dos negócios”,
balbuciei com uma certa nuvem no meu olhar que divisava os garbosos jovens, de
seus 25 anos, com os computadores exibidos sobre os joelhos onde teclavam algo
que tinha a ver com a estratégia das suas empresas de consultoria. Na comissura
dos seus lábios o sorriso era de um brilho propositado, como se quisessem dizer
de viva voz que “quem tem unhas, é quem toca a viola”. Zoei de mim próprio por
estar a querer ficcionar a vida de outros seres que vieram de tão longe, da
Europa a Ásia, para cobrir a nossa falta de cérebros que fizesse a análise das
empresas, ministérios e do próprio país através do Banco Nacional.
É verdade que hoje os hotéis já não são só dormitórios, são também espaços abertos de negócios, de convívio até particular, como se fossem a extensão dos nossos espaços de casa. É um fenómeno que vejo em Paris, Madrid, Miami e outras grandes cidades, conversas redondas entre os jovens afrodescendentes: em grupos tentam encontrar um espaço de concertação para que o poder das finanças, que é adverso a esse grupo étnico, não os esmague e possam ter iniciativas que permitam aumentar os seus negócios. A advogada Michele Obama, ex-primeira-dama dos Estados Unidos, fala igualmente desses encontros, na obra Minha História, onde os negros tentam encontrar as vias de progressão na carreira política, do empreendedorismo e também de confraternização, um bom “happy hour”.
O que acontece é que muitos dos nossos cérebros não encontram no país uma ressonância de políticas que faça com que possam desempenhar todo o seu potencial. Devíamos investir muito mais em pessoas que usam os cérebros, simplesmente para investigarem, pensarem e encontrarem saídas para os diversos problemas que afectam o nossomeio. Uma parte desses cérebros desprezados está a migrar para o exterior. O jovem Carlos, antes de regressar a Londres, escreveu para mim: “Não poderei devolver ao país o que foi gasto pela minha formação. São longos 18 meses para reconhecerem o meu canudo!”.
Rejeitei a sua
resignação, fizemos um pacto: “Juntos, procuraríamos uma saída de
aproveitamento das suas qualificações”. É mestre em medicina molecular, curso
raro na página de salários da nossa Função Pública. Durante o tempo todo, foi
um voluntário dedicado, iniciou a sua missão de pesquisador, e, sem que o
pedissem, fez diagnósticos sobre certas doenças. Apontou soluções
laboratoriais, estava esperançado diante de tanta degradação. Sentia-se um
inútil de tanta espera sentado, mas quando menos contava,recebera um e-mail da
Universidade St. George de Londres: “Venha fazer parte de um estudo sobre a
estrutura celular de novos medicamentos”. Foram mais rápidos porque faltou um
programa ou o figurativo “ouvido” institucional - até mesmo de aproveitamento
de cursos raros -, para que o jovem Carlos, com as suas valências e crenças,
fosse, em Luanda ou outra província, um fervoroso investigador atrás da grande
lente de observação das nossas doenças endémicas, incluindo os cancros, pois
esse tem sido a sua fervorosa aposta quando fala da sua predestinação em
descobrir o caminho da cura.
O Lúfua é um jovem com uma estória que nos inspira: mesmo sendo engenheiro de construção, decidira entrar para a construção de um canal adutor de águas fluviais, com o nome na lista como um simples operário. Durante a execução das obras, tanto eu como a responsável de recursos humanos reconhecíamos nas intervenções do operário as grandes qualidades técnicas. Corrigia os expatriados com muita autoridade e sempre com razões provadas nas dinâmicas de execução da obra, frustrando um certo cinismo dos engenheiros expatriados. Quando pedimos o seu CV, tamanho foi o nosso espanto, tínhamos, diante de nós, um jovem humilde, formado no Reino de Marrocos, mas que aceitara estar naquela condição de operário porque só queria um salário, o direito ao pão para regressar à casa e espalhar entre os seus familiares o orgulho por não ficar à esquina da rua.
Eu quero acreditar que o nosso Governo tem pensado, o tempo todo, no número de jovens bem formados, mas que estão sentados à esquina das ruas e sem horizontes sociais, jovens que poderiam encher a grande sala das oportunidades. Ontem mandei ao Carlos um recado: “Corre, a saúde vai abrir 19 mil vagas (JA 4 Julho), quem sabe se não terás um laboratório só para ti?” Se existe algo especial para esses jovens, infelizmente o Executivo não tem sabido publicitar o seu programa de atração dos “nossos cérebros”, e, avisar,numa ampla sala, muito mais requintada que o hall dos hotéis, que todas as empresas e multinacionais devem ter em conta que os nossos quadros, em igualdade de conhecimentos, tenham o privilégio, porque nas contas dos “invisíveis correntes”, devido a cultura assistencialista, e como bradou um dia um ex-Ministro das Finanças, são biliões de dólares, número assustador para qualquer país que queira ser forte socialmente.
O Presidente João Lourenço, em Cuba, deixou claro a sua preocupação em trazer mais médicos e professores. É igualmente tempo de olharmos para os nossos recursos humanos, visão endógena, e, reforçar, com programas animados pelas universidades, as diversas valências que possam responder ao seu grande sonho em ter o potencial humano disponível para as “grandes mudanças” dos dois sectores estratégicos que farão a sua reeleição. São necessários programas que mexam com o limbo da inércia, com a falta de fé dos licenciados e amplie a oferta de “guias de colocação” nas áreas citadas.
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