segunda-feira, 25 de novembro de 2019

Portugal | Joacine e o amor à sobrevivência


Pedro Ivo Carvalho* | Jornal de Notícias | opinião

O que leva a deputada única de um partido que nunca esteve representado no Parlamento a entrar em guerra com esse partido apenas um mês após a estreia?

E o que leva esse partido a repreender publicamente a deputada, por esta não ter respeitado a linha programática, abstendo-se numa votação estéril (mais uma) que visava condenar uma "nova agressão israelita a Gaza"? (a propósito: começa a ser confrangedora esta sucessão de votos de louvor, repúdio e outros estados de alma no Parlamento).

Bem, mas respondendo às perguntas: soberba, vaidade e inadaptação. Joacine quis ser o Livre, mas o Livre descobriu agora que talvez não seja boa ideia fazer a vontade a Joacine. Algo que, durante este tempo todo, um e outro foram suportando, mas que, uma vez estalado o verniz da realidade, se percebe que não passa de uma interesseira convergência de vontades. É indiscutível que Joacine alcandorou o partido a níveis históricos. E é evidente que o partido aproveitou a boleia na nuvem da fama para subir mais alto. Ambos lucraram.


Ainda assim, não ficou bem à deputada acusar o Livre de a ter deixado sozinha, e muito menos não a dignificou acusar quem a apoiou de nada ter alcançado, dado que, segundo reclama, foi ela quem ganhou as eleições. Só ela. Pelo meio, Joacine ainda encontrou forças para culpar os dirigentes do Livre, onde presumimos se inclua Rui Tavares (que nunca conseguiu sentar-se no Parlamento), de, na noite eleitoral, terem estado mais preocupados com a conquista da subvenção estatal do que com a conquista do deputado. Um gancho de esquerda.

Pese embora a convulsão, o partido mantém a confiança em Joacine, provando que o Livre tem amor a mais pelo salário mínimo e amor a menos por si próprio. No fundo, entre a assunção de uma posição mais dura (e mais digna) que retirasse a confiança à deputada mas fizesse perigar a legislatura; e uma posição híbrida que não disfarça a paz podre mas não mata o sonho da afirmação política, o Livre optou pelo pragmatismo. Pela sobrevivência.

Joacine tinha (tem?) a seu favor o perfume da novidade, da excentricidade e da ousadia. O que fica desta refrega é uma disputa de egos no partido que até foi precursor da geringonça das esquerdas. Que construiu uma imagem de diferenciação por via do distanciamento face a um status político viciado e calculista, o qual, de uma forma perversa, agora encarnou. Qualquer que seja o partido onde medrem, os políticos que se embriagam com a porção mágica da glória estão sempre com sede.

*Diretor-adjunto

Sem comentários:

Mais lidas da semana