O PCP assinalou ontem (06.03) 99
anos de existência com um comício em Lisboa, onde foram anunciadas as
comemorações do centenário em defesa dos explorados e oprimidos, os trabalhadores portugueses.
Nas comemorações, em 2021, os comunistas pretendem afirmar
que "o futuro tem partido". No comício comemorativo de ontem à noite,
no Pavilhão Carlos Lopes, em Lisboa (antes Pavilhão dos Desportos), foram vários
os oradores. A propósito deixamos no PG algumas ligações a títulos relacionados com essas
intervenções, depois do apontamento sobre o “controle” efetivado pela CIA desde
1948 do Secretário-geral do PCP Álvaro Cunhal. /PG
Centenário do PCP. CIA
"seguiu" o "boss Cunhal" desde 1948
Os "passos" do líder
histórico dos comunistas portugueses, ou "communist boss Cunhal",
foram seguidos pela CIA, "secreta" dos Estados Unidos, desde 1948
revela um telegrama que retratava as divergências dentro do PCP com Júlio
Fogaça.
No telegrama, datado de 24 de novembro de
1948, a CIA descreve "informações" segundo as quais Álvaro Cunhal (1913-2005),
"chamado de secretário-geral do Partido Comunista Português", está
"a perder poder" no partido, embora "seja considerado o
líder".
No documento, parcialmente
desclassificado em 2016 e agora consultável no "site" da CIA (https://www.cia.gov/library/readingroom/home),
pode ler-se que "o sentimento anti-Cunhal é atribuído à importância crescente
de um tal FUGACA [Júlio Fogaça, 1907-1980], sobre quem não há
detalhes conhecidos".
E é referido que o próprio Cunhal teria
sido "'censurado' pelo Cominform", organização internacional
liderada pelo Partido Comunista da União Soviética (PCUS) criada com o objetivo de
promover o intercâmbio de informações e coordenar as ações dos
vários partidos comunistas da Europa.
Olhando a história do PCP,
que completa 99 anos na sexta-feira, esta descrição coincide com alguns relatos
feitos, muitos anos depois, sobre os dois dirigentes rivais nos livros "Álvaro Cunhal --
Uma Biografia Política, 'Duarte', o Dirigente Clandestino", de José
Pacheco Pereira (ed. Temas e Debates, 2001) e ainda "Júlio de Melo
Fogaça", de Adelino Cunha (ed. Desassossego, 2018).
Por essa altura, na década 40 do século
passado, já Álvaro Cunhal tinha sido preso pela primeira vez
(1937) e libertado no ano seguinte. E assumiu um lugar dirigente em 1940,
quando é preso pela segunda vez e passa à clandestinidade no ano seguinte.
No IV congresso, em 1946, na
clandestinidade, na Lousã, é o homem que mais tempo liderou um partido em
Portugal, o PCP (32 anos, de 1961 a 1992), quem apresenta o relatório
que serviu de base a toda a estratégia dos comunistas nas décadas seguintes,
"O Caminho para o Derrubamento do Fascismo", e esteve na base das
divergências com Júlio Fogaça.
E é também no congresso da Lousã,
precisamente, que fez prevalecer as suas ideias contra a linha de Fogaça e a
sua "política de transição pacífica", que admitia uma convergência tática com
"forças burguesas" de oposição à ditadura ou até com dissidentes do
salazarismo, em vez do "levantamento popular" defendido por Cunhal.
Na verdade, as tensões internas
continuaram e só dois anos depois do IV congresso, em novembro de
1948, Júlio Fogaça reconheceu a derrota perante Álvaro Cunhal. A
"luta" entre "Daniel", pseudónimo de Cunhal, e
"Ramiro", o de Fogaça, prolongou-se, porém, nos anos seguintes, até à
década de 1950, anos em que o futuro líder está preso pela ditadura e permitiu
a Fogaça uma aproximação da direção.
Por essa altura também, em 1948,
aquele que veio a ser o líder histórico dos comunistas já tinha feito uma
segunda visita à União Soviética, com o nome de código "Tarefa I", em
que o objetivo era tentar reatar as relações do PCP com o PCUS e
pôr fim a mais de dez anos de isolamento internacional.
Passado um ano, em 1949, é
elaborado um novo relatório da CIA sobre a prisão, em 1949, do
dirigente comunista, onde se descreve um aumento da atividade dos
comunistas como reação à detenção de Cunhal.
E refere, igualmente, que Cunhal não
"falou" nos interrogatórios e "recusou-se a revelar detalhes das
suas atividades ou dar qualquer informação relativamente ao
partido".
Sem ser exaustivo, os diversos
departamentos norte-americanos, da CIA ao Departamento de Estado,
ficaram atentos, ao longo dos anos, ao que fazia Cunhal, em especial
depois do golpe de 25 de Abril de 1974 e durante o chamado processo
revolucionário do "Verão Quente".
São às centenas os telegramas
arquivados no Departamento de Estado e que foram sendo desclassificados ao
longo dos anos: sempre que Cunhal dava uma entrevista, fosse em
França, no Brasil ou na Checoslováquia, havia uma embaixada ou consulado
norte-americano a fazer um telegrama.
Em dezembro de 1974,
escassos meses após o 25 de Abril, Cunhal, então ministro sem pasta no
Governo provisório, esteve em Moscovo para reatar as relações entre Portugal e
a União Soviética, o rival dos Estados Unidos num mundo dividido na chamada
Guerra Fria.
A CIA produziu um
relatório com base em "fontes de informação sensíveis" sobre as
conversações com Moscovo em que "os regimes comunistas de Leste"
concordaram "não ser muito determinados" no apoio ao PCP porque
isso "poderia custar algum do apoio interno" em Portugal ao partido
de Cunhal.
O "chefe do partido
comunista português Cunhal" ("portuguese communist party
boss Cunhal", em inglês) relatou em Moscovo, de acordo com esse
documento, que "a base de apoio do partido ainda é fraca" em
Portugal, que os "partidos centristas tinham um inesperado apoio" e
que ele "não poderia parecer muito à esquerda" para "não pôr em
causa a sua posição".
Os soviéticos, recordando a
"experiência chilena" e o esmagamento do Governo de Salvador Allende pela
extrema-direita de Pinochet, em setembro de 1973, com o apoio dos
Estados Unidos, "aceitou relutantemente os argumentos de Cunhal e
passou a mensagem para os seus aliados da Europa de Leste".
No ano seguinte, em 1975, um mês
antes do 11 de Março, a tentativa golpista do general António de Spínola e
seus apoiantes, Cunhal alertava que os "rumores de
golpe" andavam de boca em boca, de manchete em manchete,
lê-se em mais um telegrama do Departamento de Estado norte-americano.
O telegrama 00880, de 14 de fevereiro,
do embaixador norte-americano em Lisboa Frank Carlucci para o
Departamento de Estado, versava uma entrevista do líder comunista à revista
brasileira "Veja". Segundo Carlucci, Cunhal falava em
risco de golpe da direita, e até de guerra civil, para tentar
"arrefecer" os rumores de que o PCP estaria a preparar a
tomada do poder -- uma preocupação em Washington numa altura de Guerra Fria e
em que o mundo estava dividido entre Leste e Oeste, entre as esferas dos EUA e
da URSS.
Álvaro Cunhal e o PCP "sobreviveram"
à revolução de 1974-75, contra a vontade dos mais extremistas que depois do 25
de Novembro defendiam a sua ilegalização, manteve representação
parlamentar como um partido institucional, embora afirmando-se como "um
partido "marxista-leninista".
Notícias ao Minuto | Lusa |
Imagem: © PCP
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