quinta-feira, 28 de maio de 2020

Bispos timorenses dizem que doença mostrou "fragilidade e confusão" política


Díli, 28 mai 2020 (Lusa) -- Os bispos timorenses consideraram que a covid-19 veio mostrar a fragilidade, falta de preparação e confusão política em Timor-Leste, com episódios que causam vergonha, devendo cada instituição assumir responsabilidade pela atual "desordem".

A posição é assumida numa nota pastoral, assinada pelo presidente, pró-presidente e secretário-geral da Conferência Episcopal Timorense (CET), respetivamente Norberto do Amaral, bispo de Maliana, Virgílio do Carmo da Silva, arcebispo de Díli, e Basílio do Nascimento, bispo de Baucau.

"A covid-19 veio mostrar aos nossos governantes e órgãos de soberania a fragilidade, fraqueza, impreparação e confusão do ponto de vista político", escreveram os bispos, na mesma nota, datada de terça-feira.

A doença foi um "estado de graça provisório para os governantes", sendo que o problema de fundo "não desaparece porque não esta resolvido", salientaram.

"A vida do país não pode continuar numa situação de indefinição permanente por muito mais tempo. Uma má decisão é melhor do que não haver nenhuma decisão. Uma má decisão pode ser corrigida, mas se não houver decisão não há orientação e criam-se vários tipos de confusões porque cada um faz uma interpretação de acordo com a sua conveniência", sustentaram, na nota pastoral.

"Para a nossa situação política de hoje, precisamos de saber ler a Constituição e interpretar esta nossa desordem política e acabar com ela", acrescentaram.


A nota referiu, em particular, os incidentes da semana passada no parlamento timorense, com agressões entre deputados, mesas derrubadas, gritos, empurrões e a intervenção de agentes policiais.

Os dois dias de tensão terminaram com a destituição do presidente do Parlamento Nacional Arão Noé Amaral, do Congresso Nacional para a Reconstrução de Timor-Leste (CNRT), e a eleição de Aniceto Guterres Lopes para o cargo, com os votos de 40 dos 65 deputados.

O CNRT considerou as votações ilegais e desde aí não participou em atividades do parlamento, incluindo o debate da renovação do estado de emergência.

"O episódio que os senhores deputados mostraram no parlamento envergonhou-nos em todo lado. Não estamos a discutir se é legal ou não, inconstitucional ou não, quem tem razão ou não. Isso é para técnicos juristas e constitucionais", sublinharam os bispos.

"O que nos escandaliza é o processo que os representantes do povo no parlamento mostraram a todo o povo deste país", adiantaram.

Depois deste episódio protagonizado pelos responsáveis por "fazer as leis que regulam a vida do país", os bispos questionaram: "como é que os cidadãos podem olhar para o parlamento? A decisão está em vigor ou não? O que é correto?"

"Políticos da nova geração, com este comportamento, esperam apreciação e confiança do povo assim? Faz-nos pensar num pintor que começou a pintar um quadro muito bonito e de repente entornou a tinta toda em cima da pintura. Pintura borrada", afirmou.

O resultado é uma situação que "cria confusão" e obriga agora os órgãos de soberania a "esclarecer e a tomar posições sobre a responsabilidade de cada um e a decisão ou falta de decisão" ao longo do processo, indicaram.

Num longo texto sobre a situação da pandemia da covid-19, "que não se sabe até quando durará", e a "grande influência negativa na vida de toda a nação", os três prelados destacaram o impacto na vida da maioria das famílias.

Além das questões de saúde pública, os bispos afirmaram que a situação política -- o país vive uma crise política há quase três anos -, está a agravar as condições a situação.

"A vida em Timor-Leste (...) parou completamente. Muitas famílias continuam em situação de dificuldade e a economia está completamente parada, e a situação de indefinição política que estamos a passar agora não ajuda", escreveram.

"Esperamos que governantes aproveitam a oportunidade para refletirem sobre a situação real do país para conseguirem perceber qual é o caminho e a política correta para este país avançar", destacaram.

Ao lembrar que o país se rege por "princípios e regras de direito e democracia", os prelados consideraram que "é preciso coragem, humildade e imparcialidade de cada um dos órgãos de soberania para encontrar o caminho para sair desta situação".

ASP // EJ  

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