Centenas de jovens médicos
denunciam irregularidades no último concurso público de admissão ao setor da
saúde em Angola. Dizem que foram reprovados injustamente e defendem o direito
de ajudar o país na pandemia.
Num momento delicado para a saúde
dos cidadãos de Angola, centenas de médicos, na sua maioria recém-formados, que
reprovaram no concurso público realizado em fevereiro estão dispostos a
trabalhar nos hospitais para ajudar no tratamento dos infetados pelo novo
coronavírus.
Os candidatos queixam-se de
várias irregularidades no concurso que visava recrutar mais profissionais para
o setor da saúde. Há quem tenha feito provas, mas na pauta de classificação
apareça como "ausente", e há ainda candidatos que dizem ter feito o
teste "A", mas na pauta aparecem como tendo feito o teste
"B".
O Ministério da Saúde (MINSA)
garantiu recentemente que "houve transparência no processo de
correção". Mas as queixas avolumam-se. Esta é a fase de reclamações. No
entanto, a página online para as submeter não funciona há uma semana, sem
justificação aparente.
Uma das candidatas que prestou o
concurso, pede o anonimato, mas afirmou que considera a situação
"bizarra".
"O senhor dos recursos
humanos disse que houve transparência na correção dos testes de aptidão ao
MINSA, e que quem passou, passou e quem não passou, paciência. Nós, enquanto
candidatos, nos recusamos aceitar que houve transparência naquilo que foram os
testes de aptidão. [...] Sabemos todos que as reclamações vão até ao dia 30
deste mês e até hoje não se voltaram a pronunciar", afirmou a jovem
médica.
A situação é tanto mais
problemática numa altura em que o país luta contra a pandemia da Covid-19. Em
Angola, são 27 casos confirmados e mais de 2 mil infetados sob suspeita,
segundo balanço divulgado pelo MINSA na quarta-feira (29.04). Os jovens médicos
querem ajudar, mas o Ministério da Saúde não está a facilitar, comentou outra
candidata, que também pede o anonimato.
"O MINSA não está a dar
oportunidades aos profissionais de saúde angolanos, que estão dispostos a
ajudar o país no que for necessário", relatou a candidata.
O secretário-geral do Sindicato
do Médicos de Angola, Adriano Manuel, também critica a forma como decorreu o
concurso público. E pede ao Governo que dê emprego a todos os jovens
candidatos.
"Não se justifica, depois
destes serem formados, depois de o Governo gastar muito dinheiro na formação,
não empregar estes médicos. Isso é que não concordamos e vamos continuar a
lutar para que todo o mundo entre", afirmou o secretário-geral do
sindicato.
A reportagem da DW contatou o
Ministério da Saúde para obter informações sobre o concurso e as reclamações
dos candidatos, mas não obteve uma reação.
Desembarque de médicos cubanos
Entretanto, este mês, chegaram ao
país 244
médicos cubanos, que vão trabalhar nos 164 municípios de Angola. A vinda
dos médicos gerou polémica na sociedade, uma vez que há muitos técnicos de
saúde angolanos no desemprego.
No entanto, para o sindicalista
Adriano Manuel, a chegada dos profissionais cubanos não constitui ameaça para
os angolanos. O país continua com défice de médicos, diz Adriano Manuel.
O secretário-geral afirma que o
sindicato apoia a contratação dos médicos locais, para além da possibilidade
aos jovens recém-formados angolanos, custaria menos para os cofres públicos.
"O sindicato defende
prioridade para os médicos angolanos numa situação em que o país não tem
dinheiro para pagar médicos, porque, com a vinda destes médicos cubanos,
gasta-se muito dinheiro", afirma Adriano Manuel.
O médico sindicalista ainda
afirma que os gastos com os médicos cubanos poderiam ser revertidos em
materiais hospitalares para melhorar as condições de atendimento das
instituições.
De acordo com Adriano Manuel, que
cita fontes do Ministério da Saúde, "um médico [cubano] custa mensalmente
seis mil dólares aos cofres do Estado". "Com este dinheiro podíamos
fazer muita coisa. Podíamos comprar material para os hospitais e podíamos pagar
aos médicos angolanos que estão desempregados", observou o
secretário-geral do sindicato.
Condições precárias de trabalho
Os médicos precisam também de
melhores condições de trabalho, afirma o sindicalista, que dirige também várias
críticas à gestão da ministra Sílvia Lutucuta.
"Temos uma ministra da Saúde
egocêntrica, uma ministra da saúde que acha que somente as ideias dela
prevalecem. [...] A atual ministra da Saúde usa e abusa da relação privilegiada
que tem com o Presidente da República para fazer e desfazer, e isto tem custado
de que maneira a morte de muitos angolanos", denuncia Adriano Manuel.
O médico ainda indagou sobre as
decisões da ministra, uma vez que a falta de médicos tem prejudicado o
atendimento da população mais carente, levando muitas pessoas a mortes nos
últimos anos.
"O fato de termos médicos
desempregados, porque não temos médicos na periferia, influenciou o elevado
índice de mortalidade em 2018 e 2019. Infelizmente, temos um Governo que não
olha para isso com sentido de dever", concluiu Adriano Manuel.
Borralho Ndomba (Luanda) |
Deutsche Welle
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